D.E. Publicado em 10/02/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003059-49.2010.4.03.6103/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
A sentença julgou procedente o pedido, para condenar o INSS ao pagamento do benefício pleiteado desde a data do requerimento administrativo ocorrido em 15.01.2010 - fls. 16. Determinou o pagamento das parcelas em atraso, corrigido monetariamente de acordo com os critérios do Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, acrescidos de juros de mora que deverão ser fixado em 1% (um por cento ao mês) até o advento da Lei 11.960/09 de 30.06.2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9494/97, determinando que para a atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, nas condenações impostas à fazenda pública, haverá incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.
A sentença dispensou o reexame necessário, nos termos do § 2º, do art. 475 do CPC/73.
Apela o INSS requerendo a reforma do julgado, alegando para tanto que a parte autora não logrou êxito em comprovar a sua condição de deficiente e seu estado de miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pugna pela reforma da sentença no tocante aos honorários advocatícios, juros e correção monetária.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora os autos vieram a este Tribunal.
Noticiado o óbito da parte autora ocorrido em 26.07.2011 (fls. 137), foram habilitados seus herdeiros.
O Ministério Público Federal deixou de opinar.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressuposto de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Verifico que conforme cópia do documento de identidade de fls. 10, tendo a parte autora nascido em 17 de novembro de 1998, contava com 11 anos de idade no momento do pedido administrativo, e dessa forma o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade do postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
O autor relata que é portador leucemia linfoide aguda, condição que o torna incapaz para a vida independente.
O laudo médico pericial elaborado em 08.06.2010 (fls. 34/36) indicou a existência de incapacidade total e temporária, conforme conclusão que ora transcrevo: "CONCLUSÃO: Após o exame clínico do Periciando, conclui a pericia que o (a) mesmo(a) apresenta incapacidade total e temporária para o exercício de qualquer atividade laborativa e atos da vida civil". Fixou a data de inicio da incapacidade em novembro de 2009.
O relatório social indica que o requerente apresentou-se extremante debilitado devido à patologia e ao tratamento quimioterápico.
O paciente era portador de patologia grave, e necessitava de intenso e prolongado tratamento médico, com uso de medicações que lhe traziam enorme mal-estar, restando evidenciada a existência de impedimento de longo prazo.
Assim, atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social elaborado em 11.09.2010 (fls. 62/66) revelou que a parte autora residia com seus pais e três irmãs, em casa própria, com três quartos, sala, cozinha, banheiro e lavanderia. A casa está guarnecida com móveis e utensílios suficientes, contando com dois aparelhos de TV, máquina de lavar roupa, tanquinho, computador e máquina de lavar louças, entre outros itens.
Informaram que a renda do grupo familiar advinha do salário do pai da parte autora, que auferia mensalmente R$ 800,00.
Relataram despesas básicas no valor de R$ 348,18 (água, luz, telefone e alimentação), informando também gasto com financiamento de automóvel no importe de R$ 624,00.
Nota-se que as despesas essenciais da casa são inferiores à renda familiar, e embora o relatório social indique que a família vivia em delicada condição, nota-se que o grupo familiar residia em casa própria, com certo conforto, e que as necessidades básicas do requerente estavam sendo supridas. Nesse sentido, vale a pena ressaltar que o benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
Não estando configurada a condição de miserabilidade do autor, é indevido o benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Diante do exposto dou provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 02/02/2017 17:13:32 |