Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5159989-10.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/10/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO.
REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família que possui renda formal. Não demonstrada a
impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência.
5. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5159989-10.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERNESTO DE ASSIS DIAS
Advogados do(a) APELADO: MAYARA MARIOTTO MORAES SOUZA - SP364256-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5159989-10.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERNESTO DE ASSIS DIAS
Advogados do(a) APELADO: MAYARA MARIOTTO MORAES SOUZA - SP364256-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 25.11.2019, julgou o pedido procedente nos termos que seguem: "Ante
o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para CONDENAR o INSS a pagar ao autor
ERNESTO DE ASSIS DIAS o benefício assistencial de prestação continuada (CF, 207, V c.c. art.
20 da Lei 8.742/93), no valor de 01 (um) salário mínimo, a partir de 24/08/2017 (data do
requerimento administrativo a p. 121), observada a prescrição quinquenal. As prestações
atrasadas deverão ser pagas em parcela única, sendo atualizados monetariamente desde os
respectivos meses vencidos e não pagos pelo IPCA-E, acrescidos de juros de mora de pela
caderneta de poupança mensalmente a partir da citação (RE 870.947). Apesar de o valor da
condenação não ser líquido (Súmula 490, do STJ), desnecessário o reexame de ofício, tendo em
vista que não atinge o patamar previsto no artigo 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Transitado esta em julgado, nada mais sendo requerido, remetam-se os autos ao arquivo, depois
de feitas as devidas anotações e comunicações. Em consequência, JULGO EXTINTO o processo
nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Sucumbente, arcará o requerido
com o pagamento dos honorários advocatícios na importância de 5 % sobre o valor das parcelas
vencidas até a data desta sentença (súmula 111 do STJ), ficando a autarquia isenta das custas e
despesas processuais, conforme dispõe o artigo 8º, § 1º, da Lei 8.620/93. P.I.C."
Apela o INSS alegando para tanto que não restou comprovada a condição de miserabilidade da
parte autora.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso de apelação interposto pelo
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5159989-10.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ERNESTO DE ASSIS DIAS
Advogados do(a) APELADO: MAYARA MARIOTTO MORAES SOUZA - SP364256-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base no laudo pericial apresentado, tendo se convencido restar configurada a
condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessária para a concessão do
benefício.
Confira-se:
“No presente caso, o laudo social (p. 181/201) esclarece que o autor teve como último emprego
com registro na CTPS no ano de 2002, sua renda é variável em função de trabalhar
informalmente como catador de recicláveis e reside com a esposa (Crizeide Marcelino da Silva,
de 60 anos de idade). Apurou que a renda familiar era de R$ 550,00, ou seja, R$ 275,00 per
capita, excluídos os alimentos na monta de R$400,00 recebidos pela neta que mora com eles
(Julia Dias de Paiva, de 17 anos de idade). De acordo com a conclusão dos laudos periciais e
parecer do Ministério Público, não há dúvida quanto ao atendimento do disposto pelo § 3º do art.
20 da Loas. Assim, constada a presença dos requisitos que ensejam a outorga do benefício
pleiteado, nos termos estabelecidos na Lei Orgânica de Assistência Social LOAS, a procedência
da demanda é medida que se impõe”
De fato, o estudo social (ID 124110360), elaborado em 25.08.2018, revela que a parte autora vive
com Sua esposa, Crizeide, e no mesmo endereço seu filho, Otávio, sua nora, Maria, e seus três
netos. Reside em uma casa própria em bom estado de conservação somente do lado interno. As
paredes são revestidas por concreto e estão pintadas. Todos os cômodos possuem piso de
cerâmica. A casa possui laje e telha Brasilit. Constatamos que o imóvel possui fornecimento de
energia elétrica, água, esgoto, pavimentação e iluminação pública. O bairro apresenta extensa
área residencial, existe o serviço de coleta de lixo doméstico e acesso à linha de ônibus. O imóvel
é composto por cinco cômodos e um banheiro. Os móveis e eletrodomésticos são: Cozinha: uma
geladeira, um fogão, uma mesa com quatro cadeiras, um armário e um micro-ondas; Quarto 1:
uma cama de casal e um guarda-roupa. Quarto 2: uma cama de solteiro e um armário. Quarto 3:
uma cama de solteiro e um guarda-roupa. Sala: dois sofás, uma rack e uma TV. Lavanderia: uma
máquina de lavar roupa.
Informaram que renda da família advém do labor informal do autor, como coletor de recicláveis,
no valor R$ 550,00.
As despesas relatadas foram: Energia R$ 102,00; Água R$ 63,21; Gás R$ 38,00; Alimentação R$
300,00; Remédios R$ 60,00; IPTU R$33,75, totalizando R$ 597,36.
Em pese o teor do relatório social, da análise do conjunto probatório depreende-se que embora
tenham informado apenas labor informal do autor, observa-se que no momento da elaboração do
estudo social o filho do autor percebia R$ 3.923,27 título de remuneração como empregado da
empresa “Fiacbras Indústria e Comércio Ltda.”, conforme o extrato do CNIS trazido aos autos
pelo INSS (Id. 124110424 e Id. 124110426).
Tem-se ainda que a autor possui mais quatro filhos (Terezinha, Natanael, Renata e Maria), com
vida independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Assim, depreende-se do conjunto probatório, que em que pese a existência de eventuais
dificuldades financeiras, não há evidência de que as necessidades básicas do autor não estejam
sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a família vive em imóvel próprio que oferece o
abrigo necessário, e não havendo comprovação da existência de despesas extraordinárias
essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que as provas trazidas aos autos não foram
hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO.
REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família que possui renda formal. Não demonstrada a
impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência.
5. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
