Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5134771-48.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
09/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/09/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO.
REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA
ANTECIPADA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família. Não demonstrada a impossibilidade do sustento. O
benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5134771-48.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. D. S. M.
REPRESENTANTE: MIRIAM CHINAGLIA LIMA ROBERTO
Advogado do(a) APELADO: WILLIAN DANIEL CASSIANO - SP354730-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5134771-48.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. D. S. M.
REPRESENTANTE: MIRIAM CHINAGLIA LIMA ROBERTO
Advogado do(a) APELADO: WILLIAN DANIEL CASSIANO - SP354730-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 21.05.2018, julgou o pedido procedente nos termos que seguem: "Ante
o exposto, e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por
NICOLAS DOS SANTOS MANO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
(INSS), para condenar a autarquia ré a conceder o benefício assistencial da prestação
continuada, previsto no art. 20 da Lei n° 8.742/93, no valor mensal de um salário mínimo, desde a
data da citação válida, observada a prescrição quinquenal, e em consequência EXTINGO O
PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de
Processo Civil, confirmando a antecipação de tutela anteriormente concedida nesta oportunidade.
Comunique-se ao INSS, por e-mail, com urgência. As prestações vencidas deverão ser corrigidas
monetariamente desde os respectivos vencimentos, incidindo sobre elas juros de mora a partir da
citação, na forma preconizada no artigo 1º-F da Lei nº 9494/97, com a redação que lhe conferiu a
Lei 11.960/09, aplicando-se-lhes, portanto, os índices da poupança. Sucumbente o réu, arcará
com o pagamento das despesas processuais, bem como de honorários advocatícios, que arbitro
em 15% do valor da condenação, excetuadas as prestações vincendas (Súmula 111, do STJ).
Embora ilíquida, sendo facilmente perceptível que o valor da condenação não ultrapassará o valor
previsto no inciso I, § 3°, do art. 496 do CPC, deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de
jurisdição obrigatório. P.R.I.”
Apela o INSS alegando para tanto que não restou comprovada a condição de miserabilidade da
parte autora, para comprovação junta aos autos CNIS de Lucas Bueno Roberto (ID 12350916).
Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento do recurso de apelação interposto
pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5134771-48.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. D. S. M.
REPRESENTANTE: MIRIAM CHINAGLIA LIMA ROBERTO
Advogado do(a) APELADO: WILLIAN DANIEL CASSIANO - SP354730-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base no laudo pericial apresentado, tendo se convencido restar configurada a
condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessária para a concessão do
benefício.
Confira-se:
“A perícia médica constatou que: "O periciando apresenta deficiência mental, grau leve, e
convulsões tônico-crônicas desde os 3 anos de vida, caracterizando Epilepsia (...) Sim, a
limitação intelectual incapacita o periciado para realizar tarefas simples (...) Incapacidade total e
temporária, sua evolução depende do quanto ele pode ser estimulado”. (fls. 131/133). Nessa
senda, no caso sub judice, verifica-se, pelo estudo socioeconômico, que a família é composta por
três pessoas, sendo, que nenhuma delas possui rendimentos, assim, em concordância com
parecer ministerial, a procedência é medida de rigor.”
De fato, o estudo social (ID 12350717), elaborado em 10.03.2016, revela que a parte autora vive
com sua genitora, Miriam e seu padrasto, Lucas em imóvel financiado pelo Programa Minha Casa
Minha Vida, em boas condições, composto por 5 cômodos, paredes pintadas, forrado com lajota e
chão com piso frio. Os móveis e eletrodomésticos, simples e necessários para o uso diário. Lucas
possui uma motocicleta Titan 150, 2004.
A renda advém do trabalho do padrasto como entregador (motoboy), no valor aproximado de R$
500,00 e da pensão alimentícia do autor no valor de R$250,00, totalizando R$ 750,00. Informa
ainda que o Sr. Lucas consegue alguma renda adicional com bicos esporádicos.
No que concerne às despesas da casa consta: Alimentação R$ 400,00; Água R$ 24,00; Energia
R$ 172,00; Financiamento da casa R$ 50,00; Gás R$ 58,00 (cada 6 meses); Convênio R$
170,00; Internet e TV R$ 140,00; IPTU R$ 27,00; Combustível R$200,00, totalizando
aproximadamente R$ 1.241,00.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as
necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Independente do CNIS juntado,
apura-se que a família vive em imóvel que oferece o abrigo necessário, e não havendo
comprovação da existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do
autor, conclui-se, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO.
REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA
ANTECIPADA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família. Não demonstrada a impossibilidade do sustento. O
benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, DAR PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para
julgar improcedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
