
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003193-13.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENI DE FATIMA ALIARDI
Advogado do(a) APELADO: DIRCEU MIRANDA JUNIOR - SP206229-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003193-13.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENI DE FATIMA ALIARDI
Advogado do(a) APELADO: DIRCEU MIRANDA JUNIOR - SP206229-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 27.09.2018, julgou o pedido procedente nos termos que seguem: "Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por GENI DE FÁTIMA ALIARDI, o que faço com fulcro no artigo 487, inciso 1, do Código de C Processo Civil, para CONDENAR o INSS a conceder à parte autora o benefício denominado amparo social, em valor nunca inferior a um salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo, ou seja, 19.03.2015 (fl. 41), descontando-se os valores eventualmente recebidos a título de benefício diverso. Para fins de atualização do débito determino que sejam aplicados os índices de correção do INPC (art. 41-A da Lei 8.213/91) e juros de mora de 0,5% ao mês (art. 1° -F da Lei 9.494/97). Presentes os requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil e considerando o caráter alimentar do benefício, concedo a tutela de urgência para determinar a imediata expedição de ofício à Procuradoria do INSS, para implantação do benefício ora concedido, no prazo de trinta dias. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação, considerando as parcelas vencidas até a prolação da sentença. Os valores pagos na via administrativa após o ajuizamento da ação não devem interferir na base de cálculo da verba honorária. Isento o vencido do pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 8°, §10, da Lei n°8.620/93. Dados do benefício contido do requerimento administrativo, conforme Recomendação Conjunta n. 04 do Conselho Nacional de Justiça: Nome do segurada: GENI DE FÁTIMA ALIARDI Benefício concedido: Amparo Social Número do Benefício: 701.476.515-0 (fl. 41) Renda mensal inicial: 01 salário mínimo Data do início do benefício: 19.03.2015 (fl. 41) Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se."
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS requerendo preliminarmente o recebimento do recurso com efeito suspensivo, com suspensão da tutela de urgência. No mérito sustenta que não restou comprovada a condição de miserabilidade da parte autora. Subsidiariamente recorre em relação a data de início do benefício e correção monetária. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003193-13.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GENI DE FATIMA ALIARDI
Advogado do(a) APELADO: DIRCEU MIRANDA JUNIOR - SP206229-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A preliminar se confunde com o mérito e com ele será apreciado.
Passo ao exame do mérito.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base no laudo pericial apresentado, tendo se convencido restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Já no estudo social realizado, a assistente social constatou que a parte autora vive em situação de miserabilidade com sua família, sendo que três pessoas subsistem com uma renda R$ 112,00 referente ao Programa Bolsa Família e também a de seu esposo que é safrista, trabalhando nos períodos de fevereiro a outubro na empresa Bioenergia com renda de R$ 1.108,00 e Vale Alimentação de R$ 152,00. Ainda, o laudo atestou que a família reside em um imóvel de madeira em condição precária cedido pela sua mãe que fica aos fundos da sua residência, além de diversas despesas como água e luz, possuindo altos gastos em decorrência das enfermidades que possui, fazendo com que o total dos gastos ultrapasse a renda da família (fis. 6 1/63).”
De fato, o estudo social (ID 89983373 – pag. 66/68), elaborado em 09/2015, revela que a parte autora vive com seu marido, Natalino Alliardi, 58 anos e sua sobrinha, Maria Carolina, nascida em 29.10.2002 em casa cedida pela sua mãe. No terreno da residência da requerente, existe mais duas casas, sendo que a mãe Maria Lopes de Oliveira mora na frente e no fundo sua irmã, não pagam aluguel, porém ficam as despesas de água e energia elétrica das duas residências. A casa é na parte da frente de alvenaria e na do fundo de madeira, com quatro cômodos, em condição precária de edificação, sem forro, apresentando rachaduras, sem reboco na área externa e parte da interna, área do fundo com teto prestes a cair. Sendo abastecida de água canalizada, rede coletora de esgoto, energia elétrica e pavimentação asfáltica. Possuem 01 geladeira, 01 televisor, 01 fogão, 01 micro -ondas em bom estado de conservação, 01 telefone móvel.
Informaram que renda da família advém do trabalho do marido, como safrista (fevereiro à outubro, alegando que os demais meses fica desempregado), no valor de R$ 1.108,00, do vale alimentação no valor de R$ 152,00 e do Programa Bolsa Família R$ 112,00, totalizando R$ 1.362,00.
As despesas relatadas são: Água R$173,07; Energia elétrica R$ 198,14; Gás R$ 55,00; Farmácia R$ 100,00; Alimentação R$ 700,00, totalizando R$ 1.226,00.
Em pese o teor do relatório social, da análise do conjunto probatório depreende-se que pelo extrato do sistema CNIS (ID 89983535 fls. 35), na data do estudo social o Sr. Natalino, auferia salário de contribuição em torno de R$ 1.500,00. Tem-se ainda que em 17.05.2017, aposentou-se por idade auferindo aposentadoria no valor de R$ 1.541,38 (ID 89983535 fls. 24).
O relatório social aponta ainda que a autora possui três filhos (Rosimeire, Adriana, e Gemerson), com vida independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as necessidades básicas da autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial e, consequentemente revogo a tutela antecipada concedida, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família que possui renda formal. Não demonstrada a impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores.
6. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial e, consequentemente revogar a tutela antecipada concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
