Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5264184-46.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO.
REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA
REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família que possui renda formal. Não demonstrada a
impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5264184-46.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAMELA PIOVEZAN CORREIA
REPRESENTANTE: GEOVANIA PIOVEZAN SILVA
Advogados do(a) APELADO: JOSE MADALENA NETO - SP386346-N, ANDRE LUIZ GALAN
MADALENA - SP197257-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5264184-46.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAMELA PIOVEZAN CORREIA
REPRESENTANTE: GEOVANIA PIOVEZAN SILVA
Advogados do(a) APELADO: JOSE MADALENA NETO - SP386346-N, ANDRE LUIZ GALAN
MADALENA - SP197257-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 24.01.2020, julgou o pedido procedente nos termos que seguem:
"Posto isso, resolvo o mérito do processo, nos termos do art. 487, I, do CPC e JULGO
PROCEDENTE o pedido aduzido na inicial e condeno o INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO
SOCIAL-INSS a pagar a PÂMELA PIOVEZAN CORREIA o benefício assistencial mensal de
prestação continuada de que cuidam os artigos 203, inciso V, da Constituição Federal e 20,
caput, da Lei 8.742/93, no valor de um salário mínimo por mês, a partir do indeferimento
administrativo (24/02/2016). As parcelas vencidas deverão ser pagas de uma só vez, com
correção monetária e juros legais, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para
os Cálculos na Justiça Federal." Ante a sucumbência, condeno o requerido ao pagamento de
honorários advocatícios, os quais fixo, a despeito da iliquidez do débito (CPC, art. 85, §4º, inc. II),
no percentual mínimo sobre valor da condenação (CPC, art. 85, §3º) em cada uma das faixas de
base de cálculo do art. 85, §3º, I a V, do CPC. Deixo de determinar a incidência de tal verba sobre
as prestações vencidas após a sentença (Súmula 111 do STJ). Réu isento de custas. Reexame
necessário nos termos da Súmula 490 do STJ. Concedo a tutela de urgência em vista da
presença da probabilidade do direito – pela sentença ora prolatada – e do perigo de dano, já que
a manutenção da situação atual acarretará prejuízo à sobrevivência do autor para que o benefício
seja implantado no prazo de 30 (trinta) dias. Servindo a presente sentença como ofício.”
Apela o INSS alegando para tanto que não restou comprovada a condição de miserabilidade da
parte autora. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante aos critérios de correção
monetária, juros de mora, data de início do benefício, prescrição e honorários advocatícios.
Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso de apelação interposto pelo
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5264184-46.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAMELA PIOVEZAN CORREIA
REPRESENTANTE: GEOVANIA PIOVEZAN SILVA
Advogados do(a) APELADO: JOSE MADALENA NETO - SP386346-N, ANDRE LUIZ GALAN
MADALENA - SP197257-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base no laudo pericial apresentado, tendo se convencido restar configurada a
condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessária para a concessão do
benefício.
Confira-se:
“Segundo a perícia médica, a autora apresenta histórico e sinais de retardo mental moderado
(CID 10 – F 84). O perito, ainda, conclui que o mal foi adquirido, é incurável, e resulta na
impossibilidade de exercer atividades laborais (fls. 149). Assim, subsume-se ao conceito de
deficiência tal como delineado pela atual redação do art. 20, § 2º, da Lei n.º 8.742/93. Por sua
vez, o Estudo Social revela que a autora reside em uma casa com mais três familiares e seu
genitor aufere R$ 1.300,00 por mês como tratorista, frequentando a autora a APAE. De se
concluir, portanto, que a situação econômica da autora é apta a ensejar o deferimento do
benefício pleiteado.”
De fato, o estudo social (ID 133573114), elaborado em 08.05.2018, revela que a parte autora vive
com seus genitores (Geovania e Silvio) e seu irmão, Matheus em imóvel próprio, financiado
através do CDHU, A moradia possui 06 (seis) cômodos, sendo 01 (uma) sala, 03 (três) quartos,
01 (uma) cozinha e 01 (um) banheiro. A infraestrutura é construída em alvenaria, coberta por
telhas; a residência possui forro em 03 (três) cômodos, sendo na sala e 02 (dois) quartos; e o
chão é rústico (sem piso). Ademais se encontra em bom estado de conservação e higiene; a
mobília é bem simples e humilde. O bairro é servido por rede de água e esgoto e a rua é
asfaltada. A residência fica a 03 (três) quarteirões do hospital e de transporte público.
Possuem um veículo Gol G3, doado pela filha Franciene, 24 anos, fruto de outro relacionamento.
Não tem telefone fixo. Os eletrodomésticos que compõem o lar são 01 (uma) televisão, 01 (uma)
geladeira, 01 (um) filtro de água, 01 (um) fogão e 01 (um) microondas.
Informaram que renda da família advém salário do genitor da autora no valor de a R$ 1.300,00.
No que concerne às despesas da casa, consta: Energia Elétrica aproximadamente R$ 200,00;
Água e Esgoto R$ 90,00; IPTU R$ 310,00; Supermercado R$ 600,00; Farmácia R$ 180,00; Gás
R$70,00; e prestação da casa CDHU R$ 67,00, totalizando R$ 1.517,00.
Em pese o teor do relatório social, da análise do conjunto probatório depreende-se que embora
tenham informado salário de R$ 1300,00 para o genitor da parte autora, o extrato do sistema
CNIS (ID – 89638526), comprova que, na data do Estudo Social a contribuição foi no valor de R$
2.232,36 (maio de 2018).
Depreende-se da leitura do conjunto probatório que não há indícios de que as necessidades
básicas da parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício
assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que
se encontram em efetivo estado de necessidade.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO.
REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA
REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família que possui renda formal. Não demonstrada a
impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
