
| D.E. Publicado em 27/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação interposta pela parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008735-60.2010.4.03.6108/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelação da parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial de amparo social.
Alega, em síntese, que mesmo incapaz, conforme constatado pela perícia médica, foi compelida a trabalhar. Aduz que faz jus à percepção do benefício desde o requerimento administrativo (1/9/2009) até a data da concessão do auxílio-doença (20/5/2014).
O INSS não apresentou contrarrazões.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal sugere o desprovimento do recurso da autora. Juntou documentos, dos quais as partes devidamente intimadas, mantiveram-se silentes.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Já o critério do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Em conclusão, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
No caso vertente, a parte autora requereu o benefício assistencial por ser deficiente. Segundo o laudo pericial, ela é portadora da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, o que lhe acarreta incapacidade total e permanente para o trabalho desde 2005 (diagnóstico da doença). Argumenta o perito que "a autora submete-se a tratamento com regularidade há 8 anos, está sintomática, e mesmo sob tratamento adequado a dosagem de CD4 mantem-se em níveis inferiores à taxa mínima de normalidade".
Quanto ao requisito da miserabilidade, o estudo social (4/4/2014) revela que a autora residia com seus dois filhos, à época de 15 e 16 anos, em casa cedida, a qual se apresentava em bom estado de conservação.
O rendimento mensal familiar era de R$ 750,00, proveniente do trabalho formal da autora.
Tinham gastos com água, luz e alimentação, no valor aproximado de R$ 287,00. Os medicamentos eram adquiridos na rede pública de saúde.
Outrossim, colhe-se dos autos que a autora estava inscrita no programa Bolsa Família.
E o extrato do CNIS/DATAPREV de f. 161/165 aponta, dentre outros, dois vínculos empregatícios em aberto em nome da autora, nos períodos de 04/8/2003 e 25/4/2013. Neste último, auferiu remuneração em torno de R$ 900,00 e, atualmente encontra-se afastada em gozo de auxílio-doença.
Nota-se que a autora, mesmo com as limitações alegadas, foi capaz de manter atividade produtiva e auferir rendimentos.
A assistência social só é devida aos desamparados (artigo 6º, caput, da Constituição Federal), que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção.
Neste sentido, inclusive, decidiu o E. TRF 3.ª Região que, "O benefício de prestação continuada não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao benefíciário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed. Marisa Santos. DJU, 04.09.2003).
Destarte, como ficou evidenciado, ausente o requisito legal da miserabilidade jurídica, necessário à concessão do benefício de prestação continuada, nos termos do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93.
Ademais, caso obtivesse êxito no seu pleito, teria que optar pelo benefício administrativo ou judicial, um ou outro. Vedado retirar de ambas as prestações apenas as vantagens, ou seja: atrasados do benefício concedido na esfera judicial e manutenção da renda mensal inicial deferida na seara administrativa. Se assim não fosse, estar-se-ia admitindo, na prática, a tese da desaposentação. Nesse sentido: Ag em AC n. 2003.61.83.001645-6, Rel. Marisa Santos, Nona Turma, j. 14/2/2011, D.E. 18/2/2011; AC 200803990365174, Rel. Sergio Nascimento, Décima Turma, , DJF3 CJ1 DATA:17/03/2010, p. 2.105.
Em decorrência, concluo pelo não preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Diante do exposto, nego provimento à apelação interposta pela parte autora, mantendo a sentença recorrida tal como lançada.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados pelo MMº Juízo a quo, mas suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita. Considerando que a apelação foi interposta antes da vigência do Novo CPC, não incide ao presente caso a regra de seu artigo 85, § 1º, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal.
Dê-se ciência desta decisão ao DD. Órgão do Ministério Público Federal.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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