
| D.E. Publicado em 27/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006951-05.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelação da parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial de amparo social.
Alega, em síntese, que preenche todos os requisitos necessários à concessão do benefício.
O INSS não apresentou contrarrazões.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal sugere o desprovimento do recurso da autora.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Já o critério do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Em conclusão, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
No caso vertente, a parte autora requereu o benefício assistencial por ser deficiente. Segundo o laudo pericial, o autor é portador de sequela motora de acidente vascular cerebral, que o incapacita total e permanente para o trabalho.
Quanto ao requisito atinente à miserabilidade, o estudo social, realizado em 14/11/2013, revela que a parte autora reside com sua esposa (f. 69/70).
Residiam em habitação própria simples, guarnecida por poucos móveis e utensílios domésticos, em bom estado de uso e conservação.
A família não possuía qualquer meio de renda e dependiam da ajuda dos filhos para sobreviver.
Entretanto, em 15/7/2014, novo estudo fora realizado, em razão do INSS ter levantado no CNIS vínculo empregatício em nome da esposa do autor.
De fato, restou constatado que a esposa do autor foi admitida em 2/1/2014 na função de cozinheira, com rendimento mensal de R$ 940,00 (f. 90/93).
Anote-se que, nos termos do artigo 462 do Código de Processo Civil/73 (artigo 493 do NCPC), se, no curso da lide, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento, caberá ao Juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.
Dessa forma, após o reingresso da esposa no mercado de trabalho, o autor deixou de comprovar sua hipossuficiência econômica.
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
À míngua de prova de requerimento administrativo, o termo de início do benefício deve ser a citação (22/2/2013), pois somente a partir dessa data a pretensão tornou-se formalmente conhecida e resistida
O termo final do benefício deve ser fixado em 1/1/2014, porque a parte autora deixou de ser hipossuficiente econômica a partir do reingresso da esposa no mercado de trabalho.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, observado o disposto na Lei n. 11.960/2009, consoante Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 16/4/2015, Rel. Min. Luiz Fux.
Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, contados da citação, por força dos artigos 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/73, até a vigência do novo CC (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos artigos 406 do novo CC e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, serem mantidos no percentual de 0,5% ao mês, observadas as alterações introduzidas no art. 1-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09, pela MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012, e por legislação superveniente.
Em relação às parcelas vencidas antes da citação, os juros são devidos desde então de forma global e, para as vencidas depois da citação, a partir dos respectivos vencimentos, de forma decrescente.
Passo à análise da questão referente aos honorários de advogado à luz do direito processual intertemporal.
"Em caso de sucumbência recíproca, deverá ser considerada proveito econômico do réu, para fins do art. 85, § 2º, do CPC/2015, a diferença entre o que foi pleiteado pelo autor e o que foi concedido, inclusive no que se refere às condenações por danos morais." (Enunciado n° 14 aprovado pela ENFAM), sendo vedada a compensação na forma do § 14 do mesmo artigo.
No caso, tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, sendo vedada a compensação pela novel legislação, deveria ser observada a proporcionalidade à vista do vencimento e da perda de cada parte, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do Novo CPC.
Logo, caso tivesse sido a sentença proferida já na vigência do Novo CPC, seria caso de condenar o maior sucumbente a pagar honorários ao advogado arbitrados em 7% (sete por cento) sobre o valor da condenação ou da causa, e também condenar a outra parte a pagar honorários de advogado, neste caso fixados em 3% (três por cento) sobre a mesma base de cálculo.
Todavia, abstenho-me de aplicar a novel regra do artigo 85, § 14º, do NCPC, isso para evitar surpresa à parte prejudicada, devendo prevalecer o mesmo entendimento da jurisprudência concernente à não aplicação da sucumbência recursal. Consequentemente, deixo de condenar ambas as partes a pagar honorários ao advogado, mesmo porque se trata de hipótese diversa da prevista no artigo 21, § único, do CPC/1973, que trata da sucumbência mínima.
De fato, considerando que a sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não incide ao presente caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º a 11º, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal.
Nesse diapasão, o Enunciado Administrativo nº 7 do STJ, in verbis: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC."
De todo modo, como a questão dos honorários de advogado envolve direito substancial, deve ser observada a legislação vigente na data da publicação da sentença, porquanto pertinente ao caso a regra do artigo 6º, caput, da LINDB.
Em relação à parte autora, é suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Referentemente às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para reformar a r. sentença e conceder-lhe o benefício, no período de 22/02/2013 a 01/01/2014, nos termos acima estabelecidos.
Intimem-se.
Dê-se ciência desta decisão ao DD. Órgão do Ministério Público Federal.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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| Data e Hora: | 14/09/2016 12:47:50 |
