Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5041858-47.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
30/07/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 01/08/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO
DEFICIENTE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. O benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão,
de um lado sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a
hipossuficiência.
3. Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo
único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar
também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
4. Analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está configurada a situação de
vulnerabilidade ou risco social a autorizar a concessão do benefício assistencial.
5. Ausente um dos requisitos legais, a autoria não faz jus ao benefício assistencial. Precedentes
desta Corte.
6. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se
o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do
Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
7. Remessa oficial, havida como submetida, e apelação providas. Acordo prejudicado.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5041858-47.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAFAEL AUGUSTO DE SOUSA
Advogados do(a) APELADO: GEANDRA CRISTINA ALVES PEREIRA - SP194142-N, RENATA
RUIZ RODRIGUES - SP220690-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5041858-47.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAFAEL AUGUSTO DE SOUSA
Advogados do(a) APELADO: GEANDRA CRISTINA ALVES PEREIRA - SP194142-N, RENATA
RUIZ RODRIGUES - SP220690-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de remessa oficial, havida como submetida, e apelação em ação de conhecimento,
distribuída em 18/10/2017, em que se busca a concessão do benefício de prestação continuada,
previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício
assistencial em favor do autor, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento
administrativo (24/04/2017), pagar as prestações vencidas acrescidas de correção monetária e
juros de mora, e honorários advocatícios de 10% do valor condenação, nos termos da Súmula
111 do STJ. Concedida a tutela de urgência, para determinar a imediata implantação do
benefício.
Apela o réu, pleiteando em preliminar, a intimação da parte autora para se manifestar acerca da
proposta de acordo para o pagamento integral dos valores atrasados e dos honorários de
sucumbência. Na hipótese de rejeição do acordo proposto, pugna pela subsunção da sentença ao
reexame necessário e quanto ao mérito, requer seja observado o disposto no Art. 1º-F da Lei
9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09, no que tange à correção monetária e aos juros
de mora, bem como requer a fixação dos honorários advocatícios em grau mínimo, em atenção
ao interesse público subjacente à demanda.
Em contrarrazões, a parte autora manifestou a sua concordância ao acordo proposto.
Subiram os autos.
O Ministério Público Federal, a despeito da concordância do patrono do requerente acerca do
acordo proposto, requereu a intimação pessoal do autor e de seus genitores para se
manifestarem acerca do acordo ofertado, tendo em vista a conclusão do laudo médico pericial, no
sentido de que o autor é portador de retardo mental leve, cujo pedido foi deferido.
Após apresentada a petição assinada pelo autor e seus genitores, aceitando os termos propostos
(ID 59043989), os autos retornaram ao douto custos legis, que manifestou sua concordância à
proposta apresentada, eis que se restringia apenas aos critérios da correção monetária e juros de
mora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5041858-47.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RAFAEL AUGUSTO DE SOUSA
Advogados do(a) APELADO: GEANDRA CRISTINA ALVES PEREIRA - SP194142-N, RENATA
RUIZ RODRIGUES - SP220690-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada
a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por
objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência
e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que,
no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso
maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do
salário mínimo. In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
O benefício assistencial requer, portanto, o preenchimento de dois pressupostos para a sua
concessão, de um lado sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto
objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao requisito da deficiência, o laudo médico pericial atesta que Rafael Augusto
de Sousa, nascido aos 25/06/1985, é portador de Retardo mental leve – CID 10: F.70 e
Malformação congênita no membro superior e inferior esquerdo – CID 10:Q.74.8, com moderada
atrofia muscular no membro inferior esquerdo e discreta atrofia muscular no membro superior
esquerdo, que acarreta dificuldade para deambular, concluindo o experto que o periciando
encontra-se incapacitado de forma total e permanente para o exercício de atividade laborativa e
parcialmente para os atos do cotidiano (ID 5551648).
Além disso, cumpria à parte autora demonstrar que não possui meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Para os fins do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93, na data do ajuizamento da ação, o núcleo familiar
era composto pelo autor Rafael Augusto de Sousa, nascido aos 25/06/1985 e seus genitores
Cleusa Maria da Silva Sousa, nascida aos 30/06/1961, desempregada, e Felício de Sousa,
nascido aos 01/11/1950, que trabalhava informalmente como servente de pedreiro.
Na visita domiciliar realizada nos dias 20/10/2017 e 25/10/2017, constatou a Assistente Social
que a família residia em imóvel próprio, financiado, construído em alvenaria, composto por dois
dormitórios, sala, cozinha e banheiro, cujos cômodos estavam guarnecidos com mobiliário básico.
Consta que nos fundos do quintal havia uma edícula composta por três cômodos, que estava
alugada pelo valor de R$180,00 mensais.
A renda familiar era proveniente Programa Bolsa Família (R$125,00), e do aluguel da
edícula(R$180,00), totalizando R$305,00, e foi declaradoque o genitor laborava informalmente
como servente de pedreiro, recebendoR$50,00 por diária, todavia, não foi informado o valor
aproximado do seu rendimento.
As despesas da família com financiamento do imóvel, alimentação, energia elétrica, água, gás e
telefone atingiam o montante de R$826,00.
A genitorareferiu que o imóvel estava financiado pela CDHU e ainda restavam 36 parcelas para a
quitação. Que o veículo de propriedade da família estava em nome do autor e que havia sido
adquirido em 2013, como a verba proveniente da rescisão do contrato de trabalho do genitor,
quando foi demitido de uma Usina onde exercia a função de funileiro, ressaltando que “o veículo
não se encontra em condições de uso, já que os documentos estão em atraso por falta de
pagamento devido às condições financeiras precárias.”.
Conclui a Assistente Social que o autor não apresentava condições de manter uma vida
independente e dependia de alguns cuidados de sua mãe e que ele não conseguiria colocaçãono
mercado de trabalho por conta do seu problema mental e da lesão que possui em uma das
pernas, dificultando sua locomoção e a permanência em pé por longo período (ID 5551628).
Malgrado o exposto no estudo social, entendo que a família não vivia em situação de
vulnerabilidade ou risco social, pois além do imóvel em que habitava, também possuía outro que
estava alugado e além do mais, era proprietária de um veículo. Ainda que não tenha sido
informado qual o modelo e ano de fabricação do veículo, é de se ressaltar que se trata de bem
incompatível com a alegada condição de miserabilidade.
Em consulta ao sistema de dados do CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, constata-
se que ao genitor do autor, Felicio de Sousa,foi concedido o benefício de aposentadoria por idade
– NB 180.740.234-4, com DER e DIB em 07/07/2017, cujo valor em 06/2019,correspondia a
R$2.662,36.
Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo
único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar
também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
Nesse sentido, confira-se:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais,
tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o
Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei
9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que
instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência
do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único,
da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício
assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo
da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais
recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por
idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em
relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos
idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial
inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega
provimento."
(STF, RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013
PUBLIC 14-11-2013) e
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008."
(STJ, REsp 1355052/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Data da
Publicação/Fonte DJe 05/11/2015).
Todavia, no caso em exame, ainda que seja excluído o valor de um salário mínimo da renda
familiar (R$998,00), que deve ser reservado para a manutenção do genitor idoso, ainda resta
quase o dobro desse valor (R$1.676,36) para suprir as necessidades vitais do autor e de sua
mãe, suficiente para custear as despesas informadas, além de outras extraordinárias não
mencionadas no relatório social.
Como se vê dos autos, o benefício de aposentadoria por idade do genitor remonta a 07/07/2017 e
a presente ação foi distribuída após essa data, em 18/10/2017. Ainda que se considere que na
data do requerimento administrativo apresentado em 24/04/2017 o genitor ainda não estava
usufruindo desse benefício, como dito, a família do autor não vivia em situação de penúria.
Assim, analisando o conjunto probatório é de se reconhecer que não está configurada a situação
de vulnerabilidade ou risco social a autorizar inclusão do autor no rol dos necessitados que a
norma visa proteger.
Destarte, ausente um dos requisitos legais, decerto que, ao menos nesse momento, a parte
autora não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº
8.742/93.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. PRELIMINARES DE INÉPCIA DA INICIAL E DE CARÊNCIA DE AÇÃO.
VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 20, §3º, DA LEI N. 8.742/93. PROCESSO
DE INCONSTITUCIONALIZAÇÃO. VALORAÇÃO DE TODO CONJUNTO PROBATÓRIO.
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. INCAPACIDADE PARA O LABOR.
REEXAME DE PROVAS. BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA.
I - A preliminar de inépcia da inicial deve ser rejeitada, uma vez que, não obstante a singeleza de
seu termos, é possível deduzir de seu contexto a alegação de suposta violação ao art. 20 da Lei
n. 8.742/93, a embasar a rescisão com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC.
II - A preliminar de carência de ação confunde-se com o mérito e com este será apreciada.
III - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das
vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a
propositura da ação rescisória, a teor da Súmula n. 343 do STF.
IV - A r. decisão rescindenda, sopesando as provas constantes dos autos (laudo médico pericial,
laudo social e CNIS), concluiu pelo não preenchimento dos requisitos legais necessários para a
concessão do benefícios assistencial (comprovação de incapacidade total para o labor e
demonstração de miserabilidade).
V - Conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93(ADI
1.232/DF), a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva
pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações
subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família.
Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial
julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-
MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
VI - O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013. Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de
vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de
inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico
desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um
distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e
aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar.
VII - É de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
VIII - Não obstante a r. decisão rescindenda tenha destacado como prova da ausência de
miserabilidade a renda familiar per capita superior a ¼ de salário mínimo, outros elementos
probatórios foram também considerados para apreciação da condição econômico-financeira da
parte autora, notadamente o laudo social, que faz referência ao imóvel em que a autora e sua
família residiam (...Residem em casa própria, composta por 2 quartos, sala, despensa, cozinha e
banheiro, guarnecida com mobiliário e utensílios necessários para o conforto da família..).
IX - Na apreciação de eventual violação de lei, há que ser considerada a situação fática existente
por ocasião do ajuizamento da ação subjacente. No caso em tela, a r. decisão rescindenda se
ateve ao laudo social (07.06.2011), ao laudo médico (30.08.2011) e ao CNIS referente ao
companheiro da autora, o Sr. Luciano dos Santos, no ano de 2011, para concluir pela ausência
de miserabilidade. Alterações posteriores em sua situação econômico-financeira, que poderiam,
em tese, colocá-la na condição de hipossuficiência econômica, ensejariam a propositura de nova
ação objetivando a concessão do benefício assistencial, todavia, em sede de rescisória, não é
possível considerar fatos posteriores ao feito subjacente.
X - Em relação à ocorrência ou não de incapacidade para o labor, cabe assinalar que tal análise
implicaria a reapreciação de provas, o que é vedado na ação rescisória.
XI - Em face de a autora ser beneficiária da Justiça Gratuita, não há condenação em ônus de
sucumbência.
XII - Preliminares rejeitadas. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente.
(TRF3, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0018333-24.2013.4.03.0000/SP, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento Terceira Seção, publicado no D.E. em 09/10/2014);
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS NÃO
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. VERBAS DE
SUCUMBÊNCIA.
I - Não obstante o implemento do requisito etário, verifica-se que não restou comprovada a
miserabilidade da parte autora.
II - Observo que não se olvida que o entendimento predominante na jurisprudência é o de que o
limite de renda per capita de um quarto do salário mínimo, previsto no artigo 20, §3º, da Lei
8.742/93, à luz do sistema de proteção social ora consolidado, se mostra inconstitucional,
devendo a análise da miserabilidade levar em conta a situação específica do postulante ao
benefício assistencial .
III - Não há condenação da apelante em verbas de sucumbência, por se tratar de beneficiária da
assistência judiciária gratuita.
IV - Apelação da parte autora improvida.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 0044063-42.2015.4.03.9999/SP, Rel. Desembargador Federal Sergio
Nascimento, 10ª Turma, D.E. 30/05/2016); e
PREVIDENCIÁRIO. ART. 543-C, §7º, INC. II, DO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
I- O Colendo Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que a
miserabilidade alegada pela parte autora deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso
concreto, de acordo com todas as provas apresentadas nos autos, não devendo ser adotado o
critério objetivo de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, bem como que benefício
previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não deve ser computado no
cálculo da renda per capita.
II- Não ficou comprovada a miserabilidade, requisito indispensável para a concessão do benefício
assistencial previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei n.º
8.742/93.
III- Aplicação do art. 543-C, §7º, inc. II, do CPC.
IV- Agravo improvido. Acórdão mantido.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011300-03.2006.4.03.9999/SP, Proc. 2006.03.99.011300-0/SP, Rel.
Desembargador Federal David Dantas, 8ª Turma, D.E. 21/03/2016); e
"AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. IMPROVIMENTO.
1 - O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2 - Diante da jurisprudência dos E. Tribunais Superiores, para a constatação da hipossuficiência
social familiar, há que se levar em consideração as peculiaridades de cada caso concreto.
3 - A hipossuficiência da parte autora não foi comprovada. Encontra-se assistida por seus
familiares. O Benefício Assistencial não se presta à complementação de renda. Benefício
previdenciário indevido.
4 - Agravo legal improvido."
(AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0036868-06.2015.4.03.9999/SP, Relator
Desembargador Federal Paulo Domingues, 7ª Turma, publicado no D.E. em 28/03/2016).
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das
pessoas, sem as quais não sobreviveriam.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular
novamente seu pedido.
Destarte, é de se reformar a r. sentença, cassando expressamente a tutela antecipada, havendo
pela improcedência do pedido, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre o
valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser
beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não
inexequível a condenação em honorários.
Oficie-se o INSS.
Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação,
restando prejudicada a proposta de acordo ofertada.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO
DEFICIENTE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. O benefício assistencial requer o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão,
de um lado sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a
hipossuficiência.
3. Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo
único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar
também os benefícios de valor mínimo recebidos por deficiente ou outro idoso.
4. Analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está configurada a situação de
vulnerabilidade ou risco social a autorizar a concessão do benefício assistencial.
5. Ausente um dos requisitos legais, a autoria não faz jus ao benefício assistencial. Precedentes
desta Corte.
6. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se
o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do
Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
7. Remessa oficial, havida como submetida, e apelação providas. Acordo prejudicado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento a remessa oficial, havida como submetida, e a apelacao, e
prejudicar o acordo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
