Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5058351-02.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
13/11/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/11/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO
DEFICIENTE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. O critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser utilizado para se comprovar
a condição de miserabilidade do portador de deficiência ou idoso que pleiteia o benefício.
3. Não comprovada a situação de risco ou vulnerabilidade social, a autoria não faz jus ao
benefício assistencial. Precedentes desta Corte.
4. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos
valores recebidos de boa-fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos.
5. Honorários advocatícios fixados de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se
o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do
Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
6. Remessa oficial, havida como submetida e apelação providas.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5058351-02.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
Advogado do(a) APELANTE: VITORINO JOSE ARADO - SP81864-N
APELADO: JOVELINA FERRAZ FERREIRA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO JOSE PANCOTTI - SP60957-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5058351-02.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
Advogado do(a) APELANTE: VITORINO JOSE ARADO - SP81864-N
APELADO: JOVELINA FERRAZ FERREIRA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO JOSE PANCOTTI - SP60957-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação em ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada, distribuída em
25/09/2017, que tem por objeto condenar a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de
prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93,
a pessoa deficiente.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder o benefício
assistencial à autora, no valor de um salário mínimo mensal, a partir da data do requerimento
administrativo em 30/08/2017, pagar as parcelas vencidas acrescidas de correção monetária e
juros de mora, e honorários advocatícios de 10% sobre o valor condenação, nos termos da
Súmula 111 do STJ. Tutela antecipada deferida.
Apela o réu, pleiteando a reforma da r. sentença, sustentando que a parte autora não preenche o
requisito da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial, porquanto seu marido é
aposentado e de acordo com as pesquisas realizadas, seus proventos superam o valor de um
salário mínimo. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da
juntada do último laudo pericial e que seja observado o disposto no o Art. 1º-F, da Lei 9.494/97,
com redação dada pela Lei 11.960/09, quanto à atualização monetária e aos juros de mora.
Prequestiona a matéria debatida.
Subiram os autos, sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou seu parecer, opinando pelo provimento do recurso interposto,
para julgar improcedente o pedido de benefício assistencial e cassar a tutela concedida, em razão
do aumento significativo da aposentadoria do cônjuge da autora, declarando-se a irrepetibilidade
das parcelas do benefício recebidas de boa-fé.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5058351-02.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
Advogado do(a) APELANTE: VITORINO JOSE ARADO - SP81864-N
APELADO: JOVELINA FERRAZ FERREIRA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO JOSE PANCOTTI - SP60957-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada
a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por
objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência
e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que,
no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso
maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do
salário mínimo. In verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
O benefício assistencial requer, portanto, o preenchimento de dois pressupostos para a sua
concessão, de um lado sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto
objetivo, a hipossuficiência.
No que concerne ao requisito da deficiência, o laudo médico pericial atesta que Jovelina Ferraz
Ferreira, nascida aos 21/02/1956, é portadora das doenças relatadas na petição inicial, com
exceção de “Úlcera péptica de localização não especificada – aguda com hemorragia”,
“Osteoporose idiopática com fratura patológica” e “Cardiopatia pulmonar”, tendo sido constatado
ao exame clínico que apresentava perda auditiva neurossensorial em ambas orelhas, limitação
funcional dos seguimentos cervical e lombar, ombros quadris e joelhos, concluindo o perito
judicial que em razão das patologias apresentadas, a pericianda estava incapacitada de forma
total e permanente para o exercício de qualquer atividade laborativa (ID 6943510).
Impende destacar que não há controvérsia acerca desse requisito.
Além disso, cumpria à parte autora demonstrar que não possui meios de prover a própria
manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para os efeitos do Art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93 o núcleo familiar é constituído pela autora
Jovelina Ferraz Ferreira, nascida aos 21/02/1956 e seu esposo Augusto Ferreira, nascido aos
22/01/1945, aposentado.
Extrai-se do laudo social elaborado em 11/10/2017, que a família residia em casa própria, simples
e sem acabamento, rebocada, composta por dois quartos, sala, cozinha e banheiro, guarnecida
com mobiliário doado.
A renda familiar era proveniente da aposentadoria do cônjuge, no valor de R$1.100,00.
Foram informadas despesas em valores aproximados, com alimentação (R$400,00), energia
elétrica e água (R$70,00), gás (R$51,00), medicamentos (R$350,00) e plano funerário R$30,00.
Relatou a Assistente Social que a autora e eu esposo eram portadores de várias doenças e uso
contínuo de diversos medicamentose além daqueles fornecidos pela rede pública, gastavam
R$350,00 na farmácia, em média, esclarecendo que seu cônjuge havia tido um início de AVC.
A autora relatou que tinha quatro filhos, todavia, trabalhavam apenas para se manter e não
tinham condições de auxiliar financeiramente os pais.
Concluiu a Assistente Social que a autora vivia com seu esposo em uma casa simples, na
periferia da cidade, que tinha vários problemas de saúde e parte da renda mensal era gasta com
medicamentos de uso contínuo da autora e para se manter a família contava com uma cesta
básica do CRAS e pedia ajuda de terceiros quando faltava algum alimento (ID 6943493).
Em respeito ao princípio da isonomia, deve-se também estender a interpretação do Parágrafo
único, do Art. 34, do Estatuto do Idoso, para excluir do cálculo da renda per capita familiar
também o benefício de valor mínimo recebido por deficiente ou outro idoso.
Nesse sentido, confira-se:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos
critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não
pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita
estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas
leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais,
tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o
Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei
9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que
instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência
do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas,
econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único,
da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício
assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo
da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais
recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por
idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em
relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos
idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial
inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega
provimento."
(STF, RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013
PUBLIC 14-11-2013) e
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008."
(STJ, REsp 1355052/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Data da
Publicação/Fonte DJe 05/11/2015).
Assim, excluindo o valor de um salário mínimo da renda familiar, para a manutenção do cônjuge
idoso, resta demonstrada a insuficiência de recursos para suprir as necessidades vitais da autora.
Entretanto, como observado pelo Ministério Público Federal no parecer retro, houve alteração da
renda familiar (R$1.100,00), em razão da decisão judicial proferida nos autos nº
0003976.65.2002.8.26.0189, que cessou o benefício em 01/09/2017, determinou a sua reativação
e reajustou o valor para R$1.695,17, com o primeiro pagamento efetuado no dia 06/10/2017, de
acordo com os relatórios de pesquisas que anexa.
Assim, malgrado se trate de núcleo familiar humilde, restou descaracterizada a situação de
vulnerabilidade e risco social, porquanto após o ajuizamento da ação em setembro de 2017,a
renda familiar, queimportava em R$1.100,00, foi reajustada paraR$1.695,17 no mês seguinte.
Acresça-se que as despesas havidas pela família totalizavam R$901,00, de modo que com o
aumento do valor do benefício do cônjuge da autora para R$1.695,17, atualmente R$1.789,60,
conforme pesquisa junto ao CNIS nesta data, há numerário suficiente para o pagamento das
despesas relatadas e de outras extraordinárias, sendo forçoso reconhecer que não há
miserabilidade,ainda que se considere que a família da autora viva em condições econômicas
modestas.
Como cediço, o critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser utilizado para se
comprovar a condição de miserabilidade do idoso ou do deficiente que pleiteia o benefício.
Todavia, no caso em exame, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que no curso
do processo restou descaracterizada a situação de vulnerabilidade ou risco social a ensejar a
concessão do benefício assistencial.
Desse modo, ausente um dos requisitos legais, decerto que, ao menos nesse momento, a autora
não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. PRELIMINARES DE INÉPCIA DA INICIAL E DE CARÊNCIA DE AÇÃO.
VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 20, §3º, DA LEI N. 8.742/93. PROCESSO
DE INCONSTITUCIONALIZAÇÃO. VALORAÇÃO DE TODO CONJUNTO PROBATÓRIO.
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. INCAPACIDADE PARA O LABOR.
REEXAME DE PROVAS. BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA.
I - A preliminar de inépcia da inicial deve ser rejeitada, uma vez que, não obstante a singeleza de
seu termos, é possível deduzir de seu contexto a alegação de suposta violação ao art. 20 da Lei
n. 8.742/93, a embasar a rescisão com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC.
II - A preliminar de carência de ação confunde-se com o mérito e com este será apreciada.
III - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das
vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a
propositura da ação rescisória, a teor da Súmula n. 343 do STF.
IV - A r. decisão rescindenda, sopesando as provas constantes dos autos (laudo médico pericial,
laudo social e CNIS), concluiu pelo não preenchimento dos requisitos legais necessários para a
concessão do benefícios assistencial (comprovação de incapacidade total para o labor e
demonstração de miserabilidade).
V - Conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93(ADI
1.232/DF), a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva
pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações
subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família.
Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial
julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-
MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
VI - O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013. Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de
vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de
inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico
desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um
distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e
aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar.
VII - É de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
VIII - Não obstante a r. decisão rescindenda tenha destacado como prova da ausência de
miserabilidade a renda familiar per capita superior a ¼ de salário mínimo, outros elementos
probatórios foram também considerados para apreciação da condição econômico-financeira da
parte autora, notadamente o laudo social, que faz referência ao imóvel em que a autora e sua
família residiam (...Residem em casa própria, composta por 2 quartos, sala, despensa, cozinha e
banheiro, guarnecida com mobiliário e utensílios necessários para o conforto da família..).
IX - Na apreciação de eventual violação de lei, há que ser considerada a situação fática existente
por ocasião do ajuizamento da ação subjacente. No caso em tela, a r. decisão rescindenda se
ateve ao laudo social (07.06.2011), ao laudo médico (30.08.2011) e ao CNIS referente ao
companheiro da autora, o Sr. Luciano dos Santos, no ano de 2011, para concluir pela ausência
de miserabilidade. Alterações posteriores em sua situação econômico-financeira, que poderiam,
em tese, colocá-la na condição de hipossuficiência econômica, ensejariam a propositura de nova
ação objetivando a concessão do benefício assistencial, todavia, em sede de rescisória, não é
possível considerar fatos posteriores ao feito subjacente.
X - Em relação à ocorrência ou não de incapacidade para o labor, cabe assinalar que tal análise
implicaria a reapreciação de provas, o que é vedado na ação rescisória.
XI - Em face de a autora ser beneficiária da Justiça Gratuita, não há condenação em ônus de
sucumbência.
XII - Preliminares rejeitadas. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente.
(TRF3, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0018333-24.2013.4.03.0000/SP, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento Terceira Seção, publicado no D.E. em 09/10/2014)".
Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das
pessoas, sem as quais não sobreviveriam.
Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular
novamente seu pedido.
Como posto pelo douto custos legis no parecer retro, as parcelas recebidas de boa-fépela autora
não são passíveis de restituição, porquanto o benefício foi implantado por força de tutela
concedida pela r. sentença,de modo que a beneficiária não pode ser prejudicada em razão de
decisão equivocada emanada pelo Estado-Juiz, considerando, ainda, o caráter alimentar dessa
verba.
Cabe destacar querestou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal, ser desnecessária a
restituição dos valores recebidos de boa-fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do
princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Confira-se:
"MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE
CONSIDEROU ILEGAL APOSENTADORIA E DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES.
ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS DE PROFESSOR. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE
DE HORÁRIOS. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA OBTENÇÃO DE VANTAGENS
EM DUPLICIDADE (ARTS. 62 E 193 DA LEI N. 8.112/90). MÁ- FÉ NÃO CONFIGURADA.
DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. INOCORRÊNCIA DE
DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO ADQUIRIDO.
1. A compatibilidade de horários é requisito indispensável para o reconhecimento da licitude da
acumulação de cargos públicos. É ilegal a acumulação dos cargos quando ambos estão
submetidos ao regime de 40 horas semanais e um deles exige dedicação exclusiva.
2. O § 2º do art. 193 da Lei n. 8.112/1990 veda a utilização cumulativa do tempo de exercício de
função ou cargo comissionado para assegurar a incorporação de quintos nos proventos do
servidor (art. 62 da Lei n. 8.112/1990) e para viabilizar a percepção da gratificação de função em
sua aposentadoria (art. 193, caput, da Lei n. 8.112/1990). É inadmissível a incorporação de
vantagens sob o mesmo fundamento, ainda que em cargos públicos diversos.
3. O reconhecimento da ilegalidade da cumulação de vantagens não determina,
automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má- fé do
servidor, o que não foi demonstrado nos autos.
4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se firmado no sentido de que, no exercício
da competência que lhe foi atribuída pelo art. 71, inc. III, da Constituição da República, o Tribunal
de Contas da União cumpre os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo
legal quando garante ao interessado - como se deu na espécie - os recursos inerentes à sua
defesa plena.
5. Ato administrativo complexo, a aposentadoria do servidor, somente se torna ato perfeito e
acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas da União.
6. Segurança parcialmente concedida.
(STF, MS 26085, Relatora Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107
divulg 12-06-2008 public 13-06-2008 ement vol-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-
01165)".
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do
Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo
recorrido, em respeito ao princípio da boa - fé , (...)" ( STF , RE 587371, Relator: Min. Teori
Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral - Mérito,
DJe-122 divulg 23.06.2014, public 24.06.2014).
O Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores
recebidos de boa-fé, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015, abaixo transcrita:
"Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, apreciando o tema 395 da repercussão geral,
conheceu do recurso extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia
e Celso de Mello. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário,
vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O Tribunal, por maioria, modulou
os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa - fé pelos
servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a ultra-atividade das
incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os
efeitos da decisão. Impedido o Ministro Roberto Barroso. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo
Lewandowski. Plenário, 19.03.2015.
(RE 638115, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, processo
eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-151 divulg 31-07-2015 public 03-08-2015)".
Cito, ainda, o seguinte precedente:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR . RECEBIMENTO DE
BOA-FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
DEVOLUÇÃO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício
previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está
sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar . Precedentes. 2. Decisão
judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente recebidos pelo
segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº 8.213/1991.
Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, ARE 734242 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em
04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015)".
Destarte, é de se reformar a r. sentença, havendo pela improcedência do pedido, cassando
expressamente a tutela concedida, arcando a autoria com honorários advocatícios de 10% sobre
o valor atualizado dado à causa, observando-se o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser
beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do Juízo de execução verificar se restou ou não
inexequível a condenação em honorários.
Ante o exposto, dou provimento à remessa oficial, havida como submetida e à apelação, nos
termos em que explicitado.
Oficie-se ao INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO
DEFICIENTE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso
com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. O critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser utilizado para se comprovar
a condição de miserabilidade do portador de deficiência ou idoso que pleiteia o benefício.
3. Não comprovada a situação de risco ou vulnerabilidade social, a autoria não faz jus ao
benefício assistencial. Precedentes desta Corte.
4. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos
valores recebidos de boa-fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos.
5. Honorários advocatícios fixados de 10% sobre o valor atualizado dado à causa, observando-se
o disposto no § 3º, do Art. 98, do CPC, por ser beneficiária da justiça gratuita, ficando a cargo do
Juízo de execução verificar se restou ou não inexequível a condenação em honorários.
6. Remessa oficial, havida como submetida e apelação providas. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento a remessa oficial, havida como submetida, e a apelacao,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
