Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6227604-34.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/12/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL.
MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO
MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
2. Insurgência recursal restrita à existência de miserabilidade.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora
encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua
família.
4. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
6. Apelação do INSS não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6227604-34.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ZULMIRA BRIZ
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CRISTINA DE BRANCO GONCALVES - SP171875-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6227604-34.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ZULMIRA BRIZ
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CRISTINA DE BRANCO GONCALVES - SP171875-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão benefício previdenciário por incapacidade ou
de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 18.09.2019, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistência à parte autora conforme
dispositivo que ora transcrevo: “Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a ação e, por
consequência, CONDENO o réu ao pagamento do benefício de prestação continuada à autora,
no valor de um salário mínimo. A condenação inclui as prestações vencidas e vincendas,
contadas a partir da data da entrada do pedido administrativo (22/05/2017, fl. 21). A correção
monetária e os juros deverão observar o quanto decidido pelo plenário do STF nos autos do RE
870947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/9/2017 (repercussão geral), e pela 1ª Seção do
STJ nos autos do REsp repetitivo 1.495.146-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
22/02/2018, disponibilizado no informativo nº 620. Os juros devem ter fluência a partir da citação,
na forma acima mencionada. A correção monetária, por sua vez, deverá ter incidência desde a
data em que os valores deveriam ter sido pagos, de acordo com a Tabela Prática do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. Sem prejuízo, diante do fundado receio de dano de difícil
reparação, uma vez que o autor encontra-se em situação precária, a concessão do benefício
afigura-se como essencial à sua sobrevivência, e presentes os requisitos do art. 300 do Código
de Processo Civil, DEFIRO A TUTELA ANTECIPADA PRETENDIDA, para o fim de determinar
que o Instituto requerido implante o benefício assistencial ao autor deficiente, no prazo máximo de
45 dias. Expeça-se o ofício imediatamente. Desta feita, JULGO RESOLVIDO o processo, com
fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil. Sucumbente, a Autarquia/ré arcará com o
pagamento dos honorários advocatícios da parte autora, arbitrados estes, por equidade, em 10%
(dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas até a sentença (conforme a Súmula 111 do
STJ), sobre os quais incidirão correção e juros legais. Tudo em vista do grau de zelo, do lugar de
prestação do serviço, da natureza e importância da causa, do trabalho realizado pelo(s)
procurador(es) da parte vencedora e do tempo exigido, ex vi do § 2º do art. 85 do nCPC. A
autarquia, em razão do disposto nas Leis Estaduais n° 4.592/85 e n° 11.608/03, está isenta do
pagamento de custas. Todavia, está sujeita ao pagamento de despesas e ao reembolso de
eventuais bastos despendidos pela parte vencedora. Sentença não sujeita a reexame necessário
(artigo 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil), pois o valor da condenação, ainda que
apurada em liquidação, não ultrapassará 1.000 salários mínimos. P.I.C.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao
fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade a amparar a concessão
do benefício. Subsidiariamente recorre em relação aos juros e correção monetária.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6227604-34.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ZULMIRA BRIZ
Advogado do(a) APELADO: VALERIA CRISTINA DE BRANCO GONCALVES - SP171875-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de
prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido por perito do Juízo, tendo
se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do
benefício.
Confira-se:
“O laudo médico elaborado por perito médico do INSS (fls. 24/25), demonstra que a autora está
enquadrada como deficiente nos termos da lei supra. (...)
(...) No caso do autor, constatou a assistente social (fls. 39/44) que a autora tem 56 anos e reside
de favor na residência de Marinalva e Edson, os quais estão de mudança para o Estado de
Alagoas. A autora não aufere renda. Dessa forma, a assistente social constatou que a autora vive
em situação de vulnerabilidade social. Estando preenchido o requisito legal do artigo 20, §3º da
Lei n. 8.742/93, pois, nesse contexto, a renda familiar é menor que 1/4 do salário mínimo. Assim
sendo, verifica-se que a autora preenche todos os requisitos necessários à concessão do
benefício e a procedência do pedido é medida que se impõe.”
Por sua vez, o estudo social (ID 109797529) elaborado em 30.07.2019, revela que a parte autora,
56 anos: “A autora respondeu aos quesitos e informou que é solteira, não tem familiares próximo.
Não sabe paradeiro de seus pais e não tem renda. A autora reside provisoriamente de favor na
residência de Marinalva Julia e do Edson da Silva (filho de Marinalva) a cerca de 01 ano. Sra.
Marinalva coloca que está de mudança para sua cidade natal de Alagoas e não tem condições de
ficar com a idosa e a mesma não tem condições de trabalhar e tem dificuldade de deambular.
Sra. Marinalva trabalha com reciclagem e recebe o valor mensal em torno de R$ 1.100,00 e seu
filho Edson está desempregado.” A moradia que a autora vive é de favor, de alvenaria, dois
quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Os móveis são de custo baixo e o estado de
conservação do imóvel é boa. Não possui veículo.
Relata não ter renda, sobrevive com auxílio de alimentação e moradia de Marinalva.
Os gastos relatados são: Água R$ 65,00; Luz R$ 290,00; Alimentação/Higiene R$ 600,00; Gás
R$ 80,00; Medicação R$ 70,00, total R$ 1.105,00.
A perita social emitiu parecer favorável à concessão nos termos que seguem: “Parecer Técnico
Conclusivo A autora relata ter dificuldades para suprir suas necessidades básicas, declara que
não tem renda e necessita deste benefício para ter condições de ter uma moradia e se alimentar.
Pela situação de vulnerabilidade social e necessitando de melhores condições de vida, sou
favorável a esta concessão.”
Nota-se claramente que a parte autora não tem renda para prover as necessidades básicas, e
nesse sentido, consta que não tem familiares próximos que possa auxiliá-la e vive de favor na
casa de Marinalva, recebendo alimentação e moradia.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e,atestada a condição de miserabilidade no estudo social, de rigor amanutenção da
sentença de procedência do pedido.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do
entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de
repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp
1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas
monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de
Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da
conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à
TR – Taxa Referencial.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito,
NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de
Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença,
nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL.
MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO
MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
2. Insurgência recursal restrita à existência de miserabilidade.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora
encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua
família.
4. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
6. Apelação do INSS não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito
e, NEGAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
