Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
6189610-69.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/12/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL.
MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO
MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
2. Insurgência recursal restrita à existência de miserabilidade.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora
encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua
família.
4. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
6. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº6189610-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MOISES CORDEIRO DE ALMEIDA
Advogado do(a) APELADO: VALDECIR DA COSTA PROCHNOW - SP208934-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº6189610-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MOISES CORDEIRO DE ALMEIDA
Advogado do(a) APELADO: VALDECIR DA COSTA PROCHNOW - SP208934-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão benefício previdenciário por incapacidade ou
de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 03.10.2019, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistência à parte autora conforme
dispositivo que ora transcrevo: “Posto isso, julgo PROCEDENTE o pedido; CONDENO o Instituto
Nacional do Seguro Social a pagar ao autor o benefício assistencial de prestação continuada, no
valor correspondente a um salário mínimo vigente, desde a data do requerimento administrativo;
descontados eventuais pagamentos administrativos; os atrasados deverão ser pagos em parcela
única, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora legais a partir da citação,
observado o artigo 1º F da Lei 9494/97 e o RE 870.947/SE, aplicando-se as regras do Manual de
Cálculos da Justiça Federal. Antecipo a tutela para imediata implantação do benefício. Oficie-se.
Sucumbente, arcará o réu com os honorários advocatícios que deverão ser definidos na
liquidação do julgado, nos termos dos parágrafos 3º e 4º do art. 85 do Código de Processo Civil.
Nos termos do art. 496, I do Código de Processo Civil, bem como da Súmula 490 do STJ,
decorrido o prazo para eventual recurso voluntário, remetam-se os autos ao TRF3. P. R. I.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao
fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade a amparar a concessão
do benefício. Subsidiariamente recorre em relação aos juros e correção monetária.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº6189610-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MOISES CORDEIRO DE ALMEIDA
Advogado do(a) APELADO: VALDECIR DA COSTA PROCHNOW - SP208934-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de
prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido por perito do Juízo, tendo
se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do
benefício.
Confira-se:
“A avaliação médica demonstra que o autor é portador de hemiplegia espástica, sequelas de
acidente vascular cerebral (dificuldade de locomoção), diabetes mellitus não-insulinodependente
com complicações não especificadas, hipertensão essencial (primária), obesidade não
especificada (obesidade simples SOE), estando total e permanentemente incapacitado para o
exercício de atividade laborativa para garantir a sua subsistência. No que tange às condições
socioeconômicas, o autor reside com a esposa e a filha; a filha encontra-se desempregada e a
família sobrevive com renda de um salário mínimo proveniente do trabalho da esposa do autor; a
família vive em dificuldades financeiras e as necessidades básicas não estão sendo atendidas
satisfatoriamente. Portanto, demonstrada a deficiência e incapacidade do autor e, diante do
compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana de modo a amparar
irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável, tenho por justa a concessão do
benefício de prestação continuada.”
Por sua vez, o estudo social (ID 106223255) elaborado em 14.11.2019, revela que a parte autora
reside com sua esposa, Francisca e sua filha, Ana Priscila em imóvel (sítio), cedido pelo
proprietário após o acometimento do AVC da parte autora. O sítio é localizado em área rural,
próximo a cidade, com fornecimento de infraestrutura básica de água (mina d’água) rede elétrica
e telefonia. A rede de saúde pública localiza-se a poucos quilômetros do sítio em que reside. O
imóvel é muito antigo, encontra-se em bom estado de conservação e asseio. Os móveis são
simples e de padrão popular. O imóvel é composto por: uma sala, dois quartos, uma cozinha,
copa e um banheiro. Os cômodos tem laje, telhas de barro e piso cerâmico. Possuem um veículo
em péssimo estado, Corcel II de 1984, que utiliza para os acompanhamentos médicos.
Informaram que o provedor da família é a esposa Francisca, que trabalha como doméstica
auferindo um salário mínimo (R$ 954,00). A filha Priscila não está trabalhando para cuidar do
autor.
Relataram despesas com Alimentação R$ 550,00; Gás R$ 63,00; Água (mina de água); Energia
R$ 273,00 (valor alto devido a bomba d’água), Medicamentos R$ 40,00 Telefone R$ 40,00;
Combustível R$ 100,00; Vestuário R$ 50,00; Transporte R$ 96,00, Totalizando R$1.212,00
A perita social emitiu parecer favorável à concessão nos termos que seguem: “O contexto social
no qual o autor está inserido evidência uma condição de vulnerabilidade decorrente da sequela
deixada pelo AVC. Embora não tenha idade avançada o requerente, que sempre exerceu
atividade laborativa braçal, e com baixa escolaridade, terá dificuldades em exercer outra atividade
profissional que promova o sustento familiar. A partir da análise sócio econômica das
necessidades do periciado, através dos instrumentais e com a leitura da dinâmica familiar, foi
possível identificar, no que tange ao grau de vulnerabilidade social e à satisfação dos mínimos
sociais, conforme parâmetros definidos pela Política Nacional de Assistência Social, que o autor 8
sobrevive com renda per capita superior a ¼ do salário mínimo vigente, mas no quesito social,
enquadra-se nos critérios para concessão do BPC/LOAS. Posto isto, submete-se a análise supra
à consideração superior e coloca-se à disposição para quaisquer esclarecimentos que se fizerem
necessários, encerra-se o presente laudo, que é protocolado e firmado eletrônica.”
Nota-se claramente que a renda familiar é insuficiente para prover as necessidades básicas da
parte autora, e nesse sentido, consta que depois do AVC, o autor tem dificuldades de andar e
executar tarefas simples, como a higiene pessoal, necessitando do acompanhamento da filha,
pois não pode ficar sozinho.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e,atestada a condição de miserabilidade no estudo social, de rigor amanutenção da
sentença de procedência do pedido.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do
entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de
repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp
1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas
monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de
Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da
conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à
TR – Taxa Referencial.
Por fim, no que tange à aplicação da norma prevista no § 11 doartigo 85 do CPC/2015, matéria
afetada pelo Tema Repetitivo nº 1.059 do C. STJ, não obstante a atribuição de efeito suspensivo
aos processos que a envolvam, entendo ser possível a fixação do montante devido a título de
honorários de sucumbência recursal, ficando, todavia, a sua exigibilidade condicionada à futura
decisão que será proferida nos recursos representativos de controvérsia pela E. Corte Superior
de Justiça, cabendo ao I. Juízo da Execução a sua análise no momento oportuno.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito,
NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de
Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença,
nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL.
MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO
MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
2. Insurgência recursal restrita à existência de miserabilidade.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora
encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua
família.
4. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
6. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito,
NEGAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
