Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5000382-97.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/11/2019
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. QUALIDADE
DE SEGURADA. RURÍCOLA. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. Ação objetivando a concessão de benefício previdenciário de salário-maternidade a
trabalhadora rural.
2.Qualidade de segurado especial do companheiroextensível à parte autora.
3. Início de prova material confirmada por depoimentos testemunhais.
4. Remessa necessária não conhecida. Apelação não provida.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5000382-97.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSANGELA LEITE DA SILVA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Advogado do(a) APELADO: MARCIA ALVES ORTEGA - MS5916-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5000382-97.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSANGELA LEITE DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARCIA ALVES ORTEGA - MS5916-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de salário-maternidade a trabalhadora rural.
A sentença, proferida em 30/09/2015, julgou procedente o pedido.
A sentença foi submetida à remessa necessária.
Apela a autarquia requerendo a reforma do julgado, ante a ausência de comprovação do labor
rural da autora.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
V O T O
Considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973,
passo ao exame da admissibilidade da remessa necessária prevista no seu artigo 475.
Inicialmente, embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se
estimá-lo, por simples cálculos aritméticos, considerando os parâmetros previstos noartigo 73 da
Lei 8.213/91, razão pela qual não se trata de sentença ilíquida.
Ademais, o valor da condenaçãonão alcançará a importância estabelecida pelo § 2º do art. 475
doCPC/1973 (60 salários-mínimos).
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa oficial.
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - EXAME DE OFÍCIO -
FUNDAMENTO NÃO ATACADO - DÍVIDA QUE PRECISA DE OPERAÇÃO ARITMÉTICA -
LIQUIDEZ E CERTEZA - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.
(...)
II. A dívida não deixa de ser líquida e certa, se necessita, para saber em quanto importa, de
simples operação aritmética.
(...)"
(AgRg no Ag nº 670.271, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, v.u., j. 21/08/08, DJ 11/09/08).
No mérito, o artigo 7º, incisoXVIII, da Constituição Federal de 1988 conferiu à licença-
maternidade, bem como ao salário-maternidade , status de direito fundamental, ao dispor: "Art.7º.
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social: (...) XVIII- licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a
duração de cento e vinte dias".
As disposições relativas ao salário-maternidade estão nos artigos 71 a 73, da Lei n.º 8.213/91,
bem assim nos artigos 93 a 103, do Decreto n.º 3.048/99. O artigo 71 da Lei n.º 8.213/91, com a
redação dada pela Lei n.º 9.876/99, confere o direito ao salário-maternidade a todas as
seguradas da Previdência Social, com inclusão da contribuinte individual (autônoma, eventual e
empresária) e da facultativa.
A carência para a concessão do benefício está prevista nos artigos 25 e 26 da Lei 8213/91, com a
redação dada pela Lei 9.876/99:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende
dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VI do art. 11 e o art.
13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no § único do art. 39 desta Lei.
Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III
será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi
antecipado."
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
(...)VI - salário-maternidade para as seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada
doméstica.
Na redação original do dispositivo, tão somente a empregada, urbana ou rural, a trabalhadora
avulsa e a empregada doméstica faziam jus ao benefício em comento.
A partir da edição da Lei nº. 8.861/94, a segurada especial passou a integrar o rol das
beneficiárias estabelecendo, em casos tais, o valor de um salário mínimo, desde que comprovado
o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses
imediatamente anteriores ao do início do benefício, nos moldes do parágrafo único do artigo 39
do referido diploma legal.
A definição de segurado especial está contida no artigo 11, inciso VII, da Lei nº. 8213/91, que
assim dispõe: "Art.11. São segurados obrigatórios da Previdência Social, as seguintes pessoas
físicas: (...)VII- como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o
garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades individualmente
ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como
seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a ele
equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
Parágrafo 1°. Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos
membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua
dependência e colaboração, sem a utilização de empregados".
Dentre as seguradas obrigatórias do Regime Geral da Previdência Social, também estão
compreendidas as trabalhadoras rurais, empregadas e avulsas, às quais o benefício é devido
independentemente de carência, nos termos dos artigos 11, inciso I, a e 26, inciso VI, da Lei nº
8.213/91.
Cumpre destacar que o prazo de 90 (noventa) dias depois do parto para requerer o salário-
maternidade, previsto no parágrafo único do artigo 71 da Lei n.º 8.213/91, outrora revogado pela
Lei n.º 9.528/97, refere-se tão somente às empregadas domésticas e às seguradas especiais,
não existindo para a segurada empregada rural qualquer óbice temporal para postular o
benefício.
É possível comprovar o trabalho rural por meio de prova testemunhal, desde que fortemente
embasada por início de prova documental. Nesse sentido a Súmula de nº 149 do STJ: "A prova
exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de
obtenção do benefício previdenciário".
Cumpre salientar que a qualidade de rurícola do marido/convivente é extensível a sua
esposa/companheira, para fins de concessão do salário- maternidade, independente de trabalhar
ela em regime de economia familiar (artigo 11, VII, da Lei 8.213/91), ou como diarista/bóia-fria,
subsumindo-se à hipótese do inciso I do artigo 11.
Nesse sentido colaciono arestos desta Corte Regional:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO. SALÁRIO-MATERNIDADE . TRABALHADORA RURAL.
QUALIDADE DE SEGURADA. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS.
PROCEDÊNCIA. I A qualidade de segurada da autora restou devidamente comprovada pela
CTPS de seu companheiro, que possui registros como canavicultor, de 01-04-1997 a 14-12-1998,
de 05-04-1999 a 06-12-2000, de 14-03-2001 a 05-11-2003 e de 02-03-2004, sem data de saída,
sendo que o C. STJ já decidiu que tal anotação pode ser considerada como início de prova
material da atividade exercida nas lides rurais. II. Todas as testemunhas ouvidas no curso da
instrução processual, sob o crivo do contraditório, afirmaram que a parte autora sempre trabalhou
nas lides rurais, confirmando que a requerente efetivamente teve um labor rural. III. Registre-se
que não se exige o recolhimento de contribuições relativas ao referido período de exercício de
atividade rural do segurado especial que comprovar sua condição pelo parágrafo único do art. 39,
não se aplicando, no presente caso, o disposto no art. 25, III, do mesmo diploma, uma vez que, à
segurada especial é garantida a concessão do benefício, seja pela comprovação da atividade
rural (art. 39), seja através de recolhimentos das contribuições (art. 25), não sendo tais requisitos
concomitantes. IV. Agravo a que se nega provimento" (AC 0033482-46.2007.4.03.9999/SP, 7ª
Turma, Rel. Des. Federal Walter do Amaral, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2010 PÁGINA: 574);
"CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO - MATERNIDADE . CONCESSÃO.
EMPREGADA RURAL. QUALIFICAÇÃO DE LAVRADOR EXTENSÍVEL À ESPOSA. APLICAÇÃO
ANÁLOGA À UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. ATIVIDADE COM PROVA DA. CARÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. VALOR DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA.
JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS.
PREQUESTIONAMENTO.1 - A trabalhadora rural, diarista, é empregada e segurada da
Previdência Social, enquadrada no inciso I do artigo 11 da Lei nº 8.213/91, tendo em vista que
sua atividade tem características de subordinação e habitualidade, porém, dada a realidade do
campo, não é possível manter o trabalho regido por horário fixo e por dias certos e determinados.
2 - A qualificação de lavrador do marido da autora constante dos atos de registro civil é extensível
a ela, dada a realidade e as condições em que são exercidas as atividades no campo, conforme
entendimento consagrado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, que se aplica analogamente
à união estável verificada nos presentes autos. 3 - Exercício de atividade rural, inclusive ao tempo
da gravidez, com prova do por prova testemunhal, acrescida de início razoável de prova material.
Precedentes do C. STJ e deste Tribunal. 4 - Demonstrada a qualidade de segurada da autora e
com prova dos os nascimentos de seus filhos, é de se conceder o benefício, nos termos dos
artigos 7º, XVIII, da Constituição Federal, 71 a 73 da Lei n.º 8.213/91 e 93 a 103 do Decreto n.º
3.048/99. 5 - Por ser qualificada como empregada rural, a concessão do benefício independe de
carência. Inteligência do artigo 26, VI, da Lei de Benefícios. 6 - O dever legal de recolher as
contribuições previdenciárias ao Instituto Autárquico e descontar da remuneração do empregado
a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu
repasse aos cofres da Previdência.7 - Benefício devido no valor correspondente a 4 (quatro)
salário s-mínimos para cada filho, vigentes à época dos nascimentos.8 - Termo inicial do
benefício, para efeito de cálculo da correção monetária, fixado em 28 dias antes do parto,
conforme estatuído pelo art. 71 da Lei nº 8.213/91.9 - (...).14 - Apelação parcialmente provida."
(TRF3, Nona Turma, AC 950431, Relator Desembargador Federal Nelson Bernardes, DJU em
17/05/07, página 578);
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. SALÁRIO -
MATERNIDADE . RURÍCOLA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADA POR PROVA
TESTEMUNHAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. 1. Entendimento firmado por esta
Colenda Décima Turma no sentido de ser suficiente, à demonstração do exercício de atividade
rural pela parte autora, início de prova material, corroborado por prova testemunhal, atentando-se
que, em regra, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou os
conviventes, aparecem qualificados como lavradores. Precedente desta Corte.2. Os argumentos
trazidos na irresignação da agravante foram devidamente analisados pela r. decisão hostilizada, a
qual se encontra alicerçada na legislação que estabelece o benefício e em jurisprudência desta
Corte.3. Recurso desprovido."(TRF3, Décima Turma, AC 1503205, Relatora Juíza Federal
Convocada Marisa Cucio, DJF3 em 19/11/10, página 1350).
No caso concreto.
A autora, Rosangela Leite da Silva, pleiteia o salário-maternidade na qualidade de trabalhadora
rural, ante a gravidez e o nascimento de seu filho, D. M. L. V., ocorrido em 19 de janeiro de 2015
(ID 43986).
Para a comprovação de sua condição de trabalhadora rural, a autora apresentou, como início de
prova material:contrato de concessão de uso de imóvel rural firmado em nome próprioperante o
INCRA, celebrado em 26/04/2010, em que consta como agricultora, bem como CTPS em nome
de seu companheiro, Davi Feles Valoes, genitor de seu filho, com registro de trabalho rural, como
cortador de cana, relativos ao ano de 2008. Ademais, do extrato do sistema CNIS, notam-se
outros vínculos de emprego do companheiro como rurícola, no interregno, ainda que descontínuo,
de outubro/2007 a setembro/2014, sem anotações de trabalhourbano.
A provatestemunhal produzida confirma o labor rural da autora. As testemunhasC.M.P. e M.O.B.
afirmaram que conhecem aautora há dez anos e há seisanos, respectivamente, e que, durante
tais períodos, ela sempre trabalhou na roça, como diarista, no plantio de milho, mandioca,
eucalipto, dentre outros, e que continuou exercendo tal labor até os oito meses de gestação,
aproximadamente.
Depreende-se, portanto, que o início de prova material, somado à prova testemunhal produzida,
logrou êxito em demonstrar a atividade rural da autora no período gestacional, restando
comprovada sua qualificação como rurícola.
Quanto ao recolhimento das contribuições previdenciárias, assinalo que é responsabilidade do
empregador, motivo pelo qual não se pode punir o empregado pela ausência de recolhimentos,
sendo computado o período laborado, independentemente de indenização aos cofres da
Previdência.
Nesse sentido confira-se:
"PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL.
INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. CONTRIBUIÇÕES. PRÉ-
QUESTIONAMENTO.
1. O direito à percepção do salário-maternidade é assegurado pela Constituição Federal, no art.
7º, inc. XVIII, e pelo art. 71 da Lei nº 8.213/91.
2. A trabalhadora rural diarista, volante ou "bóia-fria" é equiparada à categoria de empregada e,
portanto, segurada obrigatória do RGPS, fazendo jus ao salário-maternidade independentemente
de carência (art. 11, I, a e art. 26, IV, ambos da Lei de Benefícios).
3. É de todo conveniente que se admita a prova testemunhal e desde que se apresente de
maneira firme e robusta, se dê a ela o condão de demonstrar o tempo de serviço desenvolvido
pelo trabalhador rural, necessário à obtenção do benefício previdenciário.
4. Não há necessidade de recolhimento de contribuição pelos rurícolas, sendo suficiente a
comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural. Ademais, a responsabilidade pelo
recolhimento é do empregador.
5. Inocorrência de violação aos dispositivos legais objetados no recurso a justificar o pré-
questionamento suscitado em apelação.
6. Apelação não provida.
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC 0035350-25.2008.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR
FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 13/10/2008, e-DJF3 Judicial 2 DATA:28/01/2009
PÁGINA: 680)"
Desta feita, preenchidos os requisitos legais, é devida aconcessão do benefício previdenciário do
salário-maternidade.
Diante do exposto, NÃO CONHEÇO da remessa necessária, bem como NEGO PROVIMENTO à
apelação interposta pelo INSS.
É como voto.
São Paulo, 18 de setembro de 2019.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. QUALIDADE
DE SEGURADA. RURÍCOLA. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. Ação objetivando a concessão de benefício previdenciário de salário-maternidade a
trabalhadora rural.
2.Qualidade de segurado especial do companheiroextensível à parte autora.
3. Início de prova material confirmada por depoimentos testemunhais.
4. Remessa necessária não conhecida. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NÃO CONHECER da remessa necessária e NEGAR PROVIMENTO à
apelação interposta pelo INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
