Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5652108-56.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/12/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há comprovação de que suas necessidades
básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação
de renda.
3. Benefício assistencial indevido. O não preenchimento do requisito de hipossuficiência obsta a
concessão do benefício assistencial. Desnecessário perquirir-se acerca dos demais requisitos
posto que imprescindível a concomitância.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5652108-56.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ELIANA MARIA ALVES
Advogados do(a) APELANTE: HERCULES HORTAL PIFFER - SP205890-N, CONSTANTINO
PIFFER JUNIOR - SP31115-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5652108-56.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 11.02.2019, julgou o pedido improcedente conforme dispositivo que ora
transcrevo: " Posto isso, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial, dando por
extinto o processo, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Arcará a
requerente com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, ora
fixados em R$ 500,00, a serem executados nos termos do art. 12 da Lei de Assistência Judiciária
(Lei nº 1.060/50). Oportunamente, ao arquivo. P.I.C. "
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial. Subsidiariamente, caso não seja esse o entendimento pugna
pelo reconhecimento do cerceamento de defesa, uma vez que a perícia médica não foi realizada.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5652108-56.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ELIANA MARIA ALVES
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A questão atinente à ausência de perícia medica se confunde com o mérito, e com ele será
apreciado.
Passo ao exame do mérito.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“Ficou comprovado nos autos que a renda da autora é superior à prevista em lei, vez que ela
mesma confessa em relatório elaborado pela assistente social (fls. 80). Desta forma, a renda
familiar “per capita” é superior àquela exigida pela legislação para a obtenção do benefício. Não
há que se alegar que a Lei nº 8.742/93 é inconstitucional, quanto ao critério do percentual
adotado. O Constituinte permitiu certa margem de discricionariedade ao legislador que,
regulamentando o disposto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal, entende que necessitado,
nos termos de mencionada lei, é aquele cuja renda “per capita” é inferior à ¼ do salário mínimo, o
que não é o caso do requerente. Neste diapasão, o Egrégio Supremo Tribunal Federal julgou
improcedente Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da República,
objetivando justamente a declaração da inconstitucionalidade de mencionado dispositivo legal. É
certo que mencionada decisão não tem efeito vinculante, mas está em consonância com os
fundamentos aqui expostos, no sentido de que o legislador pode estabelecer uma regra objetiva
para efeito da concessão do benefício previdenciário (ADIN 1.232-DF, rel. Min. Ilmar Galvão,
27.08.98, maioria, vencidos os Min. Ilmar Galvão e Néri da Silveira). Acresça-se a isso o fato de a
autora residir com seus genitores, em casa própria e não apresentar gastos extraordinários com
medicamentos”
De fato, o estudo social (ID 62188297), elaborado em 12.11.2018, revela que a parte autora, 40
anos, reside com seu pai, Delmiro Pedro Alves, 70 anos e sua mãe Marta Maria Alves, 65 anos,
em imóvel próprio.
A renda informada no Estudo Social advém da aposentadoria do pai da autora que aufere
mensalmente R$ 954,00. No entanto, o extrato do Sistema Único de Benefícios DATAPREV (ID
62188305 fls. 27/30), demonstram que na data do Estudo Social o pai da parte autora recebeu
benefício no valor de R$ 1.579,57.
Relatam despesas com água R$ 63,00, energia R$ 208,00, o restante do orçamento gastos com
alimentação. Consta ainda que a parte autora faz tratamento com uso de medicação dispensada
pela rede pública.
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência não
constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório
apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, observo que o grupo
vive em imóvel próprio, não apresenta despesa com moradia, e conta com rendimento formal que
supre as despesas básicas relatadas, o que, a princípio afasta a existência de vulnerabilidade
econômica.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Note-se que não trouxe a parte autora apelante, em suas razões de apelo, qualquer elemento
apto a elidir a conclusão do laudo social, produzido por perito de confiança do juízo, sob o crivo
do contraditório.
Não demonstrada a existência de hipossuficiência/miserabilidade, torna-se desnecessário
perquirir-se acerca da existência de deficiência/impedimento de longo prazo, na medida em que o
não preenchimento de um dos requisitos legais é suficiente para obstar a concessão do benefício
assistencial.
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:
E M E N T A PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA.
INVIABILIDADE DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. - A mera irresignação da parte autora com a
conclusão do perito não constitui motivo aceitável para determinar a realização de nova perícia ou
complementação do laudo. Preliminar rejeitada. - São condições para a concessão do benefício
da assistência social: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses,
comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família. - Considerada a necessidade de coexistência de requisitos cumulativos para a obtenção
do benefício assistencial, a teor do disposto no artigo 20, caput, da Lei n. 8.742/1993, ausente um
deles torna-se inviável a concessão. - Sentença mantida. Parte autora condenada ao pagamento
de custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o
valor atualizado da causa, majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85,
§§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do CPC, por
tratar-se de beneficiária da justiça gratuita. - Apelação não provida.
(Acórdão Número 6072293-50.2019.4.03.9999, PROCESSO ANTIGO FORMATADO:
60722935020194039999, APELAÇÃO CÍVEL/ ApCiv, Relator(a) Desembargador Federal
DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, TRF - TERCEIRA REGIÃO, 9ª Turma, Data
20/03/2020, Data da publicação 23/03/2020, Fonte da publicação Intimação via sistema DATA:
23/03/2020)
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor
arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há comprovação de que suas necessidades
básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação
de renda.
3. Benefício assistencial indevido. O não preenchimento do requisito de hipossuficiência obsta a
concessão do benefício assistencial. Desnecessário perquirir-se acerca dos demais requisitos
posto que imprescindível a concomitância.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a ilustre representante do
Ministério Público Federal retificou o parecer proferido para requerer tão somente seja dado
seguimento ao feito, sem se considerar como contrária a posição ministerial.
A Sétima Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
