
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013979-28.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: STELLA HYPOLITO SARTORI
Advogado do(a) APELANTE: DALVA DE OLIVEIRA PRADO - SP172182-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013979-28.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: STELLA HYPOLITO SARTORI
Advogado do(a) APELANTE: DALVA DE OLIVEIRA PRADO - SP172182-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de ação em que se pleiteia a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, mediante o reconhecimento de períodos laborados em atividades especiais, com pedido subsidiário de revisão da RMI do benefício.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como laborados em atividades especiais os períodos de 11/02/1987 a 10/11/1989 e 14/10/1996 a 05/03/1997, determinando ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, condenando-o, em consequência, ao pagamento das parcelas em atraso desde o ajuizamento da ação (07/10/2022), descontados os valores pagos no período, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, nos termos da Resolução atual e normas posteriores do CJF. Condenou ambas as partes ao pagamento de honorários de advogado, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, considerado como termo final desta a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do C. STJ, cuja exigibilidade, nos casos de beneficiária da assistência judiciária gratuita, fica suspensa e condicionada à hipótese prevista no §3º do artigo 98 da Lei Processual em vigor. Custas na forma da lei.
Foi determinada, ainda, em sede de antecipação de tutela, a revisão imediata do benefício.
Dispensada a remessa necessária, nos termos do inc. I do § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil/2015.
Apela a parte autora, pleiteando o reconhecimento como especial do período de 06/03/1997 a 05/03/2014, bem como a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial desde a data do requerimento administrativo de concessão do benefício (11/09/2014).
Sem contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013979-28.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: STELLA HYPOLITO SARTORI
Advogado do(a) APELANTE: DALVA DE OLIVEIRA PRADO - SP172182-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Aposentadoria Especial
A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Prevê ainda, o mencionado diploma legal, no art. 162, o reconhecimento de atividade especial prestada em data anterior à sua edição, na hipótese de seu cômputo ser mais benéfico ao segurado.
Como assentado pelas Cortes Superiores "tal hipótese, apesar de similar, não se confunde com a questão da legislação aplicável ao caso de concessão de aposentadoria, tampouco com aquela que diz respeito à possibilidade de aplicação retroativa da lei nova que estabeleça restrição ao cômputo do tempo de serviço. (...) Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado, sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercida depois da Lei nº 3.807/60, desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal situação, porém em data anterior à lei de regência" (Ag Rg no REsp nº 1015694, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, DJe 01/02/2011)
Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.
Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.
Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).
As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.
Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.
Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.
Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
Nos termos da Súmula nº 68 da TNU, “o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado”. A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica." (Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014); “inexiste exigência legal de contemporaneidade dos documentos técnicos que comprovam o exercício de labor especial” (8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008647-15.2021.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 09/08/2022, DJEN DATA: 12/08/2022).
Da exposição a agentes biológicos
Os Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79, em seus respectivos quadros anexos, elencam ambos os agentes biológicos nocivos à saúde que determinam o reconhecimento da especialidade de atividades profissionais com exposição e contato direto a germes infecciosos e com doentes ou materiais infecto-contagiantes.
Por sua vez, os Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99 estabelecem também a nocividade da exposição a microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas nas atividades em estabelecimentos de saúde que venham a ter contato com paciente portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados, com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos, em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo-histologia, de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados, em galerias, fossas e tanques de esgoto, bem como esvaziamento de biodigestores e coleta e industrialização do lixo.
Portanto, a aferição da insalubridade decorrente da exposição a agentes biológicos exige a descrição das atividades e do ambiente de trabalho pelos meios de prova exigidos nos respectivos períodos, quais sejam: formulários SB-40, DIRBEN 8030, PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário.
No entanto, inúmeras questões foram surgindo nos tribunais no pertinente ao reconhecimento da especialidade, notadamente aquelas relacionadas ao local da prestação de serviços, necessidade da atividade estar efetivamente elencada nos decretos legais, habitualidade e permanência da exposição ao agente infeccioso ou nocivo e, até mesmo, a questão relacionada ao risco potencial de contaminação, mesmo nas hipóteses em que não se comprova a efetiva exposição.
Visando dirimir tais questionamentos, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), em sede de julgados representativos de controvérsia, firmou os Temas 205 e 211, cujos enunciados devem nortear o magistrado, conforme transcrição in verbis:
Tema 205: “a) para reconhecimento da natureza especial de tempo laborado em exposição a agentes biológicos não é necessário o desenvolvimento de uma das atividades arroladas nos Decretos de regência, sendo referido rol meramente exemplificativo; b) entretanto, é necessária a comprovação em concreto do risco de exposição a microorganismos ou parasitas infectocontagiosos, ou ainda suas toxinas, em medida denotativa de que o risco de contaminação em seu ambiente de trabalho era superior ao risco em geral, devendo, ainda, ser avaliado, de acordo com a profissiografia, se tal exposição tem um caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independentemente de tempo mínimo de exposição durante a jornada” (Tema 211/TNU). (publicado em 16/03/2020)
Tema 211: “Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.” (publicado em 17/12/2019)
Vale dizer, no que diz respeito à habitualidade e permanência, que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que a aferição da exposição aos agentes biológicos deve observar o critério qualitativo, e não quantitativo (STJ, REsp 1.468.401, Primeira Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 27/3/2017).
Embora o PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário aponte a eficácia dos equipamentos de proteção individual, tal informação não obsta a efetiva exposição aos agentes nocivos, notadamente os infecciosos, que deve ser interpretada como potencialmente insalubre e perigosa, porquanto a simples afirmação acerca de sua eficácia não reflete, por si só, a comprovação de que o emprego do equipamento se deu de forma constante e fiscalizada, tampouco que frequentemente neutralizou o agente nocivo.
Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.
Restou assentado também que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp n. 1.889.768/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 10/12/2021; REsp n. 1.800.908/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/4/2019, DJe de 22/5/2019; REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).
Ainda, conforme a jurisprudência citada, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em níveis acima dos limites legais, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Conversão do tempo de serviço especial em comum
Deve ser afastada qualquer tese de limitação temporal de conversão de tempo de serviço especial em comum, seja em períodos anteriores à vigência da Lei nº 6.887, de 10/12/1980, ou posteriores a Lei nº 9.711, de 20/11/1998, permanecendo, assim, a possibilidade legal de conversão, inclusive para períodos posteriores a maio de 1998, uma vez que a norma prevista no artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91 permanece em vigor, tendo em vista que a revogação pretendida pela 15ª reedição da MP 1663 não foi mantida quando da conversão na Lei nº 9.711/98. Nesse sentido decidiu a Terceira Seção do STJ no Resp 1.151.363/MG, Relator Ministro Jorge Mussi, data do julgamento: 23/03/2011.
O Decreto nº 83.080/79 foi renovado pelo Decreto nº 3.048/99 e este, por sua vez, prevê expressamente em seu art. 70 e seguintes (na redação dada pelo Decreto nº 4.827/03), que os fatores de conversão (multiplicadores) nele especificados aplicam-se na conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum ao trabalho prestado em qualquer período.
Cumpre ressaltar, no entanto, que o art. 25, § 2º, da EC nº 103/2019 vedou a conversão em comum de tempo especial cumprido a partir de 13/11/2019, data de sua vigência.
Fonte de custeio
Quanto à alegação de necessidade de prévio custeio, cumpre ressaltar inexistir vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa/nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, eis que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 não demandam tal exigência, que constituiria encargo para o empregador, não podendo o empregado ser por isso prejudicado. Assim já definiu o C. STF, ao apreciar o tema em repercussão geral ARE nº 664.335/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 09/12/2014, DJE 27/03/2015.
Caso concreto - elementos probatórios
Cinge-se a controvérsia acerca da especialidade das atividades trabalhadas no período de 06/03/1997 a 05/03/2014, considerando que em relação aos demais, quais sejam, de 11/02/1987 a 10/11/1989 e 14/10/1996 a 05/03/1997, foram reconhecidos na sentença e não houve recurso.
Atividade especial
O período de 06/03/1997 a 05/03/2014, laborado nas funções de enfermeira encarregada, coordenadora desenv. operac. enfermagem e coordenadora de enfermagem, junto à S. B. S. Hospital Sírio Libanês, deve ser reconhecido como especial, à vista da comprovação da exposição habitual e permanente a agentes biológicos, em razão do contato direto com pacientes, conforme demonstra o documento apresentado na via administrativa (PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário emitido em 05/03/2014) (ID 291542375/22-24), enquadrando-se no código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 3.048/99.
Ressalto que, embora a parte autora exerça algumas atividades administrativas, as atribuições atinentes ao cargo de enfermeira e coordenadora de enfermagem em ambiente hospitalar pressupõem o contato com pacientes e materiais de trabalho, típico de profissionais da área da saúde.
Ademais, observo que a exigência legal de comprovação de exposição a agente insalubre de forma permanente, introduzida pela Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao § 3º do artigo 57 da Lei nº 8.213, deve ser interpretada como o labor continuado, não eventual ou intermitente, de modo que não significa a exposição ininterrupta a agente insalubre durante toda a jornada de trabalho.
Destarte, reconheço o labor em condições especiais no período de 06/03/1997 a 05/03/2014.
Conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial e a vedação prevista no art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91
O Plenário do E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 709 de repercussão geral (RE nº 791.961-PR, j.08.06.2020), em que se discute, à luz dos arts. 5º, XIII; 7º, XXXIII, e 201, § 1º, da Constituição federal, a constitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, que veda a percepção do benefício da aposentadoria especial pelo segurado que continuar exercendo atividade ou operação nociva à saúde ou à integridade física, firmou a seguinte tese: “I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão”.
Em 24.02.2021, o Pleno do E. STF, por maioria, acolheu parcialmente os embargos de declaração, para: “a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas; b) alterar a redação da tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida: “4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: ‘(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.’”; c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento; e d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento, nos termos do voto do Relator.”
Depreende-se assim, que o exercício da atividade especial pelo segurado durante o trâmite do processo administrativo ou judicial, seja de concessão ou de revisão, não altera o seu direito à percepção do benefício e dos efeitos financeiros decorrentes. Apenas com a implantação efetiva do benefício é que se lhe aplica a vedação do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, cabendo ao INSS, dentro das suas atribuições, fiscalizar o afastamento do segurado das atividades a partir de então.
No presente caso, verifica-se que a autora não pleiteou administrativamente a concessão da aposentadoria especial; requereu, sim, a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de períodos laborados em atividades especiais (ID 291542375/3 e 27-28), que foi concedida, com DIB em 11/09/2014 (ID 291542375/37).
Com razão a Autarquia Federal ao ponderar que a aplicação da tese do "melhor benefício" deve observar os efeitos jurídicos peculiares a cada um dos benefícios.
A concessão da aposentadoria especial impõe a vedação de continuidade de sua percepção se o beneficiário permanecer laborando em atividade especial ou a ela retornar, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.
Uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão.
Considerando que a autora optou expressamente por receber aposentadoria por tempo de contribuição e desta forma lhe foi permitido permanecer exercendo atividades especiais após a concessão do benefício, como comprova o PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário emitido em 01/09/2022 (ID 291542377) pela empregadora S. B. S. Hospital Sírio Libanês, entendo não ser possível a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial à luz do disposto no art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 e o decidido no Tema 709, do STF.
Atender ao pedido da autora seria fazer letra morta da regra e incentivar todo tipo de burla ao sistema. Não pode o segurado se beneficiar da percepção da aposentadoria por tempo de contribuição enquanto lhe convém permanecer trabalhando na atividade especial, e após, pretendendo dela se afastar, requerer a conversão daquele benefício em aposentadoria especial, inclusive com o pagamento das diferenças dela decorrentes no período.
O ato de concessão, ao conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, observou a manifestação expressa da vontade da segurada, e inexistindo vício a afetar a sua higidez, deve ser considerado perfeito e acabado, não podendo mais ser alterado, em observância inclusive ao princípio da segurança jurídica.
Assim, tem direito a apelante apenas ao reconhecimento da especialidade das atividades trabalhadas nos períodos de 11/02/1987 a 10/11/1989 e 14/10/1996 a 05/03/2014, devendo o INSS proceder ao recálculo da renda mensal inicial (RMI) do benefício da parte autora (NB 42/171.233.500-3).
O termo inicial da revisão do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo de concessão (11/09/2014), uma vez que a parte autora demonstrou que já havia preenchido os requisitos necessários à revisão do benefício desde então.
Registre-se, por oportuno, a inaplicabilidade no caso do Tema 1.124 do C. Superior Tribunal de Justiça à vista da efetiva apresentação do documento comprobatório da especialidade na esfera administrativa, por ocasião da apresentação de pedido de concessão do benefício.
Considerando que a ação foi ajuizada após o prazo de 5 anos contado do término do processo administrativo, ainda que o termo inicial da revisão do benefício tenha sido fixado na data do requerimento formulado naquela esfera, o pagamento das parcelas vencidas deve observar a prescrição quinquenal, nos termos do artigo103, §único, da Lei n° 8.213/91.
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1291244/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013)
Assim, corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
Diante da sucumbência mínima da parte autora (art. 86, § único, CPC), condeno o INSS ao pagamento de honorários de advogado, ora fixados em 10% do valor da condenação, nos termos dos §§ 2º e §3º do artigo 85 do CPC, aplicada a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidem sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença (Tema 1105/STJ).
Ante o exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e dou parcial provimento à apelação da autora para reconhecer o labor em condições especiais no período de 06/03/1997 a 05/03/2014, determinar a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição desde 11/09/2014 (DER), observada a prescrição quinquenal, e fixar os honorários de advogado nos termos explicitados na decisão.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTES BIOLÓGICOS. CONVERSÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE NO CASO DE PERMANECER EXERCENDO ATIVIDADE ESPECIAL APÓS SUA CONCESSÃO. REVISÃO DA RMI DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TERMO INICIAL DA REVISÃO DO BENEFÍCIO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DO PEDIDO.
1. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua demonstração.
2. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 11/12/97).
3. Condição especial de trabalho configurada. Exposição habitual e permanente a agentes biológicos (micro-organismos - código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 2.172/97).
4. Considerando que a autora optou expressamente por receber aposentadoria por tempo de contribuição e desta forma lhe foi permitido permanecer exercendo atividades especiais após a concessão do benefício, entendo não ser possível a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial à luz do disposto no art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 e o decidido no Tema 709, do STF.
5. Reconhecidas as atividades especiais, deve o INSS proceder ao recálculo da renda mensal inicial (RMI) do benefício da parte autora.
6. Termo inicial da revisão do benefício fixado na DER.
7. Ação ajuizada há mais de 5 anos do término do processo administrativo. Prescrição quinquenal das parcelas vencidas. Artigo 103, § único, Lei nº 8.213/91.
8. Juros e correção monetária. Aplicação dos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
9. Honorários de advogado fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação (art. 85, §§ 2º e 3º, CPC), aplicada a Súmula 111/STJ (Tema 1105/STJ).
10. Sentença corrigida de ofício. Apelação da autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
