Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001615-29.2020.4.03.6107
Relator(a)
Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO
Órgão Julgador
2ª Turma
Data do Julgamento
10/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 15/02/2022
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. INVALIDEZ
PERMANENTE. GARANTIA FGHAB. QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. PRÉVIO
RECEBIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE.
- A preexistência de doença que possa causar invalidez permanente ou óbito do mutuário é
elemento relevante que deve ser apontado no momento da celebração do contrato de seguro, sob
pena de ofensa à boa-fé, à transparência, e legítima negativa à cobertura securitária. Contudo, a
companhia seguradora não pode ser displicente e nem contraditória, deixando de exigir exames e
demais comprovações sobre as condições de saúde do segurado no momento da celebração do
contrato, passando a exigir regularmente o prêmio e, posteriormente, configurado o sinistro, se
negar a cumprir suas obrigações com o seguro. E.STJ (Súmula 609) e precedentes deste E.TRF.
- A existência de doenças que podem evoluir para sinistros (inclusive aquelas degenerativas)
deve ser analisada pela companhia seguradora no momento da contratação do seguro. Se a
seguradora recebeu exames e demais documentos que entendeu suficientes para celebrar o
contrato, tendo como pressuposto a inexistência de doença que pudesse levar o mutuário à
invalidez permanente ou ao óbito, não pode reclamar a má-fé do segurado para se eximir da
cobertura securitária.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- O FGHAB prevê cobertura parcial ou total do saldo devedor da operação de financiamento em
caso de invalidez permanente do devedor fiduciante, ocorrida posteriormente à data da
contratação da operação, causada por acidente ou doença e informada no prazo máximo de um
ano, contado da data da ciência da concessão da aposentadoria por invalidez permanente.
- O recebimento anterior de auxílio-doença não obsta a cobertura do saldo devedor pelo FGHAB
(salvo se comprovada a má-fé), uma vez que houve o pagamento das contribuições mensais
obrigatórias ao fundo que, por sua vez, não realizou exames médicos antes da contratação.
Ademais, o fundamento para a negativa não consta no contrato celebrado entre as partes.
Precedentes.
- A parte autora faz jus à quitação do saldo devedor, a partir da data da concessão da
aposentadoria por invalidez, ou seja, 21/05/2019.
- Apelação da CEF não provida. Recurso adesivo da parte autora provido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001615-29.2020.4.03.6107
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, JANAINA MAGALI DOS SANTOS TAVARES
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: CAIO AUGUSTO BENTO DE BARROS - SP375949-A
APELADO: JANAINA MAGALI DOS SANTOS TAVARES, CAIXA ECONOMICA FEDERAL,
DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: CAIO AUGUSTO BENTO DE BARROS - SP375949-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001615-29.2020.4.03.6107
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELADO: JANAINA MAGALI DOS SANTOS TAVARES
Advogado do(a) APELADO: CAIO AUGUSTO BENTO DE BARROS - SP375949-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Cuida-se de ação
ordinária ajuizada por Janaína Magali dos Santos Tavares em face do Fundo Garantidor de
Habitação Popular (FGHAB), representado pela Caixa Econômica Federal (CEF), objetivando a
quitação do saldo devedor de contrato de financiamento imobiliário, em razão de invalidez
permanente, desde a data da concessão da aposentadoria por invalidez, ou seja, 21/05/2019.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o FGHAB à cobertura do
saldo residual do contrato imobiliário em discussão, a partir de 19/05/2020 (data da carta de
concessão apresentada); restituir à parte autora os valores por ela eventualmente pagos a partir
de 19/05/2020, com juros de mora a partir da citação e correção monetária desde cada
desembolso, nos índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Custas e honorários
advocatícios fixados em 10% sobre o benefício econômico da parte autora.
Irresignada, a CEF apresentou apelação, aos seguintes argumentos: o requerimento de
cobertura do saldo devedor, efetuado pelo Banco do Brasil, foi analisado e indeferido em
14/11/2019, pois a parte autora recebia auxílio-doença desde 06/12/2013, ou seja, em data
anterior à contratação; de acordo com o art. 18, §1º, do estatuto do FGHAB, “o recebimento de
auxílio doença e/ou o estado de possível invalidez caracterizado à data de assinatura do
contrato de financiamento, que resulte em confirmação de invalidez permanente por órgão da
previdência oficial ou pela Administradora por meio da perícia médica, importará na perda de
cobertura de invalidez permanente e considerar-se-á coberto apenas o evento de morte”; nesse
contexto, o FGHAB não pode assumir o saldo devedor do contrato, por não haver previsão de
cobertura para o caso em exame.
A parte autora apresentou recurso adesivo, requerendo a alteração do termo inicial da cobertura
do saldo devedor para a data de início da aposentadoria por invalidez, isto é, 15/08/2018;
alternativamente, pede que seja considerada a data de concessão do benefício, ou seja,
21/05/2019.
Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.
É o breve relatório. Passo a decidir.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001615-29.2020.4.03.6107
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELADO: JANAINA MAGALI DOS SANTOS TAVARES
Advogado do(a) APELADO: CAIO AUGUSTO BENTO DE BARROS - SP375949-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Operando no SFH
como mutuante (na qualidade de parte do contrato e mandatária do mutuário), em regra, a CEF
é responsável pela cobrança dos prêmios do seguro habitacional que garante o mútuo,
repassando-os à seguradora, e também por receber diretamente o valor da respectiva cobertura
na ocorrência de sinistro, daí porque responde por questões pertinentes ao contrato de seguro.
Segundo orientação dominante na jurisprudência, CEF e companhia seguradora têm
legitimidade passiva, em litisconsórcio facultativo, para ações judiciais que pedem cobertura
securitária por óbito ou invalidez permanente em contratos de seguro habitacional no âmbito do
SFH. Essa é a orientação do E.STJ (p. ex., no REsp 590.215/SC, Rel. Ministro CASTRO
FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
25/11/2008, DJe 03/02/2009, e no AgInt no REsp 1458521/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 24/09/2019) e também neste
E.TRF da 3ª Região (p. ex., AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5012113-75.2020.4.03.0000,
1ª Turma, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em
22/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/09/2020, e Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2188238 -
0005221-91.2013.4.03.6109,2ª Turma, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM
GUIMARÃES, julgado em 23/01/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/02/2018).
O contrato de seguro constitui-se, basicamente, em acordo de vontades de natureza
sinalagmática pelo qual o segurado (mediante pagamento do prêmio) adquire o direito de exigir
indenização da empresa seguradora (previamente autorizada pelo poder público), se
concretamente ocorrer a hipótese segurada no pacto. Os riscos assumidos, o início e o fim da
validade do contrato, assim como o limite da garantia e o prêmio devido devem ser consignados
na apólice ou bilhete de seguro (os quais poderão ser nominativos, à ordem ou ao portador,
ressalvado o seguro de pessoas, cuja apólice não pode ser ao portador).
Para fazer jus à indenização correspondente à cobertura do seguro estipulado, o segurado não
deve estar em mora no pagamento do prêmio por oportunidade do sinistro, devendo, com o
segurador, guardar a mais estrita boa-fé e veracidade na conclusão e execução do acerto,
assim como no objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. O segurado
perde o direito à garantia se fizer declaração inexatas ou omitir circunstâncias que possam
influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, ficando, além do mais, obrigado ao
pagamento do prêmio vencido, mesmo que não ocorra sinistro durante o período de cobertura.
Não havendo malícia, o segurador terá direito de resolver o contrato, ou cobrar, mesmo após o
sinistro, a diferença do prêmio.
O segurado também perde o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do
contrato, ou se deixar de informar ao segurador, tão logo tenha conhecimento, todo incidente
suscetível de ampliar consideravelmente o risco coberto (vale dizer, a ausência dessa
comunicação, provada a má-fé por parte do segurado, importa igualmente na perda da
garantia). O segurador, uma vez recebido o aviso de agravação do risco, poderá resolver o
contrato, desde que comunique o segurado em 15 dias, quando então a extinção do pacto se
dará 30 dias após a referida notificação, ficando o segurador obrigado a restituir a diferença do
prêmio.
Ocorrendo o sinistro, o segurado deverá comunicá-lo imediatamente ao segurador, sob pena e
perder o direito à indenização, além de adotar as providências necessárias para minorar as
consequências da lesão, sendo que as despesas de salvamento devem correr à custa do
segurador (nos moldes contratados).
Em linhas gerais, há duas espécies de seguros quanto ao objeto: a) seguro de dano material
(garante prejuízo em caso de sinistro com bens patrimoniais); b) seguro de pessoa (cobrindo
eventos tais como a morte, incapacidade física e acidentes). Pode ser contratado mais de um
seguro de pessoa (com o mesmo ou diversos segurados), e o art. 789 do Código Civil
estabelece que o montante da indenização deve ser livremente estipulado pelo proponente (já
que a vida e integridade física do ser humano são inestimáveis economicamente).
Embora o contrato de seguro dependa do acordo entre contratantes, há alguns temas de
interesse socioeconômicos nos quais a legislação delimita objetos, condições e demais
elementos do acerto entre segurado e seguradora, quando então a celebração do seguro é
consequência obrigatória de anterior manifestação de vontade (livre e consciente). É o que se
verifica com contratos de mútuo ou financiamento envolvendo imóveis, celebrados nas regras
do Sistema Financeira da Habitação (SFH, com viés social em favor de população
economicamente desfavorecida) ou do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). Contudo, mesmo
que a aquisição do seguro seja requisito obrigatório para o financiamento habitacional, a lei não
determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio mutuante ou
seguradora por ele indicada, motivo pelo qual a contratação da cobertura deve ser negociada
de modo transparente, atendendo à boa-fé (notadamente porque também se caracterizam
como relação de consumo), consoante entendimento do E.STJ (p. ex., REsp 1074546/RJ, Rel.
Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2009, DJe 04/12/2009).
Quanto ao SFH, o art. 14 da Lei nº 4.380/1964 já exigia contrato de seguro de vida de renda
temporária, o qual deveria integrar o contrato de financiamento para a aquisição de moradia,
nos termos estipulados pelo BNH. Esse preceito legal foi revogado pela MP nº 2.197-43/2001,
que manteve a obrigatoriedade da cobertura securitária relativamente aos riscos de morte e
invalidez permanente, mas a novidade dessa MP foi a permissão dada aos agentes financeiros
para estipular apólice de seguro diferente do Seguro Habitacional do SFH, porém, mantendo as
coberturas supramencionadas. Mais adiante, a MP nº 2.197-43/2001 foi revogada pela Lei nº
12.424/2011, que alterou o art. 79 da Lei nº 11.977/2009, tornando obrigatória também a
cobertura securitária referente aos riscos de danos físicos ao imóvel (além dos riscos de morte
e invalidez permanente). Mas a própria Lei nº 11.977/2009, em seu art. 28, dispõe que os
financiamentos imobiliários garantidos pelo FGHab, na forma do art. 20, II, caput (ou seja, no
caso de mutuários com renda familiar de até R$ 4.650,00), serão dispensados da contratação
de seguro com cobertura de morte ou invalidez permanente (MIP) e danos físicos ao imóvel
(DFI).
Por outro lado, nas operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do SFI, há
expressa determinação legal no sentido da obrigatoriedade de contratação de seguro contra
risco de morte ou invalidez permanente, no art. 5º, IV, da Lei nº 9.514/1997.
A pré-existência de doença que possa causar invalidez permanente ou óbito do mutuário é
elemento relevante que deve ser apontado no momento da celebração do contrato de seguro,
sob pena de ofensa à boa-fé, à transparência e aos demais regramentos jurídicos que
estruturam negócios jurídicos. Contudo, a companhia seguradora não pode ser displicente e
nem contraditória, deixando de exigir exames e demais comprovações sobre as condições de
saúde do segurado no momento da celebração do contrato, passando a exigir regularmente o
prêmio e, posteriormente, configurado o sinistro, se negar a cumprir a cobertura securitária.
O E.STJ entende que a seguradora não pode alegar doença preexistente a fim de negar
cobertura securitária, nos casos em que recebeu pagamento de prêmios e concretizou o seguro
sem exigir exames prévios, conforme a Súmula 609 (“A recusa de cobertura securitária, sob a
alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios
à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado”). No mesmo sentido é o entendimento
deste E.TRF da 3ª Região (p. ex., 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5006772-
63.2018.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em
19/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 23/10/2020, e 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL -
5027956-84.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM
GUIMARAES, julgado em 01/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/06/2020).
A existência de doenças que podem evoluir para sinistros (inclusive aquelas degenerativas)
deve ser analisada pela companhia seguradora no momento da contratação do seguro. Se a
seguradora recebeu exames e demais documentos que entendeu suficientes para celebrar o
contrato, tendo como pressuposto a inexistência de doença que pudesse levar o mutuário à
invalidez permanente ou ao óbito, não pode reclamar a má-fé do segurado para se eximir da
cobertura securitária.
No caso dos autos, a parte autora celebrou, com o Banco do Brasil S.A., contrato por
instrumento particular de venda e compra de terreno e financiamento para construção de
unidade habitacional com fiança, alienação fiduciária em garantia e outras obrigações – Pessoa
física – Com recursos do FGTS, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV,
em 23/12/2014 (ids 195728315 a 195728320).
Conforme item “D” do contrato, a composição de renda para fins de cobertura do Fundo
Garantidor da Habitação (FGHAB) é de 100% em nome da parte autora.
Ainda, conforme Cláusula Vigésima Sexta, “durante a vigência deste contrato é prevista
cobertura pelo Fundo Garantidor da Habitação Popular – FGHAB, criado por força da Lei nº
11.977 de 07 de julho de 2009, que tem como finalidade: (...) II- assumir o saldo devedor do
financiamento imobiliário, em caso de morte e invalidez permanente do devedor fiduciante e as
despesas de recuperação relativas a danos físicos ao imóvel”.
Nos termos da Cláusula Vigésima Sétima, o FGHAB prevê cobertura parcial ou total do saldo
devedor da operação de financiamento em caso de invalidez permanente do devedor fiduciante,
ocorrida posteriormente à data da contratação da operação, causada por acidente ou doença,
condicionada à comprovação por órgão de previdência oficial ou avaliação prévia pela
administradora, Caixa Econômica Federal, por meio de perícia médica.
A parte autora instruiu a inicial com carta de concessão, datada de 19/05/2020, emitida pelo
INSS, informando a concessão de aposentadoria por invalidez, com data de início do benefício
em 15/08/2018 e data de concessão do benefício em 21/05/2019 (id 195728324).
Há, ainda, declaração do INSS, informando que a parte autora recebeu auxílio-doença, no
período de 20/11/2013 a 14/08/2018 e, atualmente, recebe aposentadoria por invalidez, com
termo inicial em 15/08/2018 (id 195728323).
Conforme termo de negativa, enviado em janeiro de 2020, houve o indeferimento do pedido de
cobertura securitária, em razão do recebimento de auxílio-doença anterior à celebração do
contrato (id 195728322).
A jurisprudência desta E. Corte é firme no sentido de que o recebimento anterior de auxílio-
doença não obsta a cobertura do saldo devedor pelo FGHAB (salvo se comprovada a má-fé),
uma vez que houve o pagamento das contribuições mensais obrigatórias ao fundo que, por sua
vez, não realizou exames médicos antes da contratação. Ademais, o fundamento para a
negativa não consta no contrato celebrado entre as partes. Confiram-se, a respeito, os
seguintes julgados, verbis:
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. MÚTUO HABITACIONAL VINCULADO AO
PMCMV. EVENTO DE INVALIDEZ PERMANENTE. COBERTURA DO SALDO DEVEDOR
PELO FGHAB. NEGATIVA DE COBERTURA. RECEBIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA
POSTERIORMENTE CONVERTIDO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. VEDAÇÃO
PREVISTA NO ESTATUTO DO FGHAB. CONTRIBUIÇÕES MENSAIS OBRIGATÓRIAS AO
FGHAB. EXIGÊNCIA DE EXAMES PRÉVIOS: INEXISTENTE. MÁ-FÉ DO MUTUÁRIO NÃO
DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. A parte autora firmou com a CEF, em 05/09/2014, contrato de mútuo habitacional vinculado
ao Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, no qual está prevista a assunção do saldo
devedor do financiamento pelo FGHab - Fundo Garantidor da Habitação Popular, em caso de
morte e invalidez permanente do fiduciante. A parte autora pretende a quitação do contrato pelo
FGHab, invocando a ocorrência de sinistro que culminou em sua invalidez permanente,
conforme o previsto no contrato.
2. A Seguradora não pode alegar doença preexistente a fim de negar cobertura securitária, nos
casos em que recebeu pagamento de prêmios e concretizou o seguro sem exigir exames
prévios. Precedentes.
3. No caso dos autos, ainda que o contrato dispense a contratação de seguro com cobertura de
morte, invalidez permanente (MIP) e danos físicos ao imóvel (DFI), conforme estabelece o
contrato, assim o faz porque a Lei nº 11.977/2009 expressamente confere ao FGHab o papel de
garantidor desses eventos.
4. A parte apelante pagou contribuições mensais obrigatórias ao referido Fundo, como requisito
para o acesso à garantia de cobertura do saldo devedor em caso de invalidez permanente, nos
termos contratuais. Não pode, por conseguinte, ter a cobertura a que faz jus negada ao
fundamento de que o Estatuto do FGHab não garante os casos em que a invalidez permanente
decorreu da conversão de auxílio-doença prévio, sem que a administradora do Fundo tenha
realizado qualquer exame médico anterior à contratação. Ressalte-se que o fundamento para a
negativa da cobertura não consta expressamente do contrato.
5. Somente a demonstração inequívoca de má-fé do mutuário, que contrata o financiamento
ciente da moléstia incapacitante com o fito de obter precocemente a quitação do contrato,
poderia afastar o entendimento jurisprudencial consagrado.
6. A parte apelante foi beneficiária de auxílio-doença de 2010 até 26/03/2015, quando houve a
conversão em aposentadoria por invalidez. A suposição de que o mutuário tenha contratado o
financiamento em 05/09/2014 almejando premeditadamente sua quitação antecipada alguns
meses depois da contratação é presunção de má-fé, vedada pelo ordenamento jurídico.
7. Os documentos carreados aos autos não lograram demonstrar a má-fé do mutuário pela
omissão de doença preexistente, nem tampouco a exigência de exames prévios por parte da
administradora do FGHab. Devida, portanto, a cobertura contratada, com a quitação de
eventual saldo devedor pelo FGHab.
(...)
14. Apelação parcialmente provida”.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000755-42.2017.4.03.6104, Rel.
Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 06/11/2019, e -
DJF3 Judicial 1 DATA: 12/11/2019).
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. MÚTUO HABITACIONAL VINCULADO AO
PMCMV. EVENTO DE INVALIDEZ PERMANENTE. COBERTURA DO SALDO DEVEDOR
PELO FGHAB. NEGATIVA DE COBERTURA. RECEBIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA
POSTERIORMENTE CONVERTIDO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. VEDAÇÃO
PREVISTA NO ESTATUTO DO FGHAB. CONTRIBUIÇÕES MENSAIS OBRIGATÓRIAS AO
FGHAB. EXIGÊNCIA DE EXAMES PRÉVIOS: INEXISTENTE. MÁ-FÉ DO MUTUÁRIO NÃO
DEMONSTRADA. RECURSO PROVIDO.
1. A autora firmou com a CEF, em 27/08/2010, contrato de mútuo habitacional vinculado ao
Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, no qual está prevista a assunção do saldo
devedor do financiamento pelo FGHab - Fundo Garantidor da Habitação Popular, em caso de
morte e invalidez permanente do fiduciante. O autor pretende a quitação do contrato pelo
FGHab, invocando a ocorrência de sinistro que culminou em sua invalidez permanente,
conforme o previsto nas cláusulas Vigésima a Vigésima Segunda do contrato.
2. A seguradora não pode alegar doença preexistente a fim de negar cobertura securitária, nos
casos em que recebeu pagamento de prêmios e concretizou o seguro sem exigir exames
prévios. Precedentes.
3. No caso dos autos, ainda que o contrato dispense a contratação de seguro com cobertura de
morte, invalidez permanente (MIP) e danos físicos ao imóvel (DFI), conforme estabelece o
parágrafo nono da cláusula vigésima primeira, assim o faz porque a Lei nº 11.977/2009
expressamente confere ao FGHab o papel de garantidor desses eventos.
4. A apelante pagou contribuições mensais obrigatórias ao referido Fundo, como requisito para
o acesso à garantia de cobertura do saldo devedor em caso de invalidez permanente, nos
termos do parágrafo primeiro da cláusula vigésima. Não pode, por conseguinte, ter a cobertura
a que faz jus negada ao fundamento de que o Estatuto do FGHab não garante os casos em que
a invalidez permanente decorreu da conversão de auxílio-doença prévio, sem que a
administradora do Fundo tenha realizado qualquer exame médico anterior à contratação.
Ressalte-se que o fundamento para a negativa da cobertura não consta expressamente do
contrato.
5. Somente a demonstração inequívoca de má-fé do mutuário, que contrata o financiamento
ciente da moléstia incapacitante com o fito de obter precocemente a quitação do contrato,
poderia afastar o entendimento jurisprudencial consagrado.
6. A suposição de que o mutuário tenha contratado o financiamento em 2010 almejando
premeditadamente sua quitação antecipada um ano depois da contratação é presunção de má-
fé, vedada pelo ordenamento jurídico.
7. Os documentos carreados aos autos não lograram demonstrar a má-fé do mutuário pela
omissão de doença preexistente, nem tampouco a exigência de exames prévios por parte da
administradora do FGHab. Devida, portanto, a cobertura contratada, com a quitação de
eventual saldo devedor pelo FGHab.
8. Apelação a que se nega provimento”.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2202213 - 0000786-
46.2014.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em
07/05/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2019).
“PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. SEGURO HABITACIONAL. FGHAB. INVALIDEZ. CIÊNCIA
INEQUÍVOCA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. APELAÇÃO PROVIDA.
I -A concessão do benefício previdenciário aposentadoria por invalidez tem entre seus
requisitos precisamente a incapacidade total e permanente do segurado, sua constatação
pressupõe a existência de processo administrativo ou judicial nos quais a autarquia
previdenciária ou o Poder Judiciário tem a oportunidade de avaliar as provas apresentadas,
bem como a oportunidade de determinar a produção de prova pericial, levando em
consideração fatores socioeconômicos como o grau de instrução do segurado para
fundamentar a decisão que reconhece o direito em questão. Deste modo, o ato que concede o
benefício previdenciário é documentado e dotado de fé pública, podendo inclusive ser protegido
pelos efeitos da coisa julgada quando reconhecido por via judicial.
II -Por esta razão, nestas condições, existindo reconhecimento público da incapacidade total e
permanente da parte Autora, é de todo desnecessária a realização de nova prova pericial. Se a
hipótese de ocorrência do sinistro tem requisitos coincidentes ao do benefício previdenciário já
concedido, sua configuração resta presumida, sendo ônus do interessado, pelas vias
adequadas, arguir e provar eventual ilicitude ou nova configuração fática que comine sua
validade ou sua eficácia no que diz respeito às hipóteses em questão.
III -Nos contratos de seguro, a cláusula que exclui a cobertura de sinistros como a incapacidade
total e permanente, ou mesmo o óbito, se decorrentes de doença preexistente, reforça a ideia
de que o risco assumido pela seguradora abrange somente as situações fáticas posteriores à
contratação.A maneira mais rigorosa para avaliar a eventual existência de doenças que
poderiam vir a gerar incapacidade ou levar a óbito o contratante, mas que não seriam cobertas
pelo seguro, envolveria a realização de perícia médica antes da contratação do seguro.Diante
da dificuldade operacional e financeira de realizar tantas perícias quantos são os contratos de
seguro assinados diariamente, a cláusula que versa sobre doenças preexistentes é redigida de
maneira ampla e genérica. Destarte surge a possibilidade de que a sua interpretação, já se
considerando a configuração categórica do sinistro, seja feita de maneira distorcida com vistas
a evitar o cumprimento da obrigação.Por esta razão, ainda que os primeiros sintomas da
doença tenham se manifestado antes da contratação do seguro, não é possível pressupor
categoricamente que, à época da assinatura do contrato, fosse previsível que a sua evolução
seria capaz de gerar a incapacidade total e permanente ou o óbito do segurado.
IV -Nem mesmo a concessão de auxílio doença, como fato isolado, exatamente por somente
pressupor a existência de incapacidade temporária, é suficiente para afastar a configuração do
sinistro por invalidez ou óbito decorrente de doença preexistente. Nas controvérsias
judicializadas, é incumbência do magistrado avaliar de maneira casuística a eventual incidência
da cláusula que afasta a cobertura securitária por preexistência da doença que veio a gerar o
sinistro. Neste diapasão, o seu reconhecimento deve se restringir notadamente às hipóteses em
que era evidente que o quadro clínico do segurado levaria ao sinistro, ou quando houver forte
indício ou prova de má-fé do segurado, nos termos dos artigos 762, 765 e 766,capute parágrafo
único, 768 do CC.
V -Caso em que o autor recebeu auxílio doença desde 20/11/2005, o contrato foi assinado em
em 16/12/2014 e o autor passou a receber aposentadoria por invalidez em 16/06/2017. Nestas
condições, ao se considerar o transcurso de longos doze anos entre percepção de auxílio
doença e a aposentadoria por invalidez, não se vislumbra que fosse possível antever a invalidez
total do autor, muito menos que este tenha agida de má-fé ao assinar o contrato. Com efeito,
além de sua renda ser proveniente de auxílio doença naquele momento, não é possível
pressupor má-fé quando o autor honrou com as prestações contratadas pelo período de três
anos, inclusive com contribuições ao FGHab. Neste sentido, em hipótese idêntica à presente, já
decidiu esta Primeira Turma (TRF3, ApCiv 5000755-42.2017.4.03.6104,Desembargador
Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA:
12/11/2019). Nestas condições, é de rigor a reforma da decisão para reconhecer o direito à
cobertura securitária do FGHab desde a aposentadoria por invalidez do autor. Honorários
advocatícios em 10% do valor da condenação.
VI - Apelação provida”.
(TRF 3ª Região, Primeira Turma, Ap - APELAÇÃO CÍVEL 5001633-12.2018.4.03.6110, Rel.
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, julgado em 28/04/2020, e-DJF3
Judicial 1 DATA: 07/05/2020).
Portanto, a parte autora faz jus à quitação do saldo devedor, conforme decidido pela r.
sentença. Com relação ao termo inicial da cobertura, cumpre observar que a parte autora, em
sua petição inicial, requer expressamente a quitação do saldo devedor a partir de 21/05/2019.
Assim, impossível considerar a data de início da aposentadoria por invalidez (15/08/2018), sob
pena de se incorrer em decisão ultra petita. Por outro lado, deve ser reconhecida a quitação do
saldo devedor a partir da data de concessão do benefício, ou seja, 21/05/2019, pois nesta data
já se encontrava devidamente comprovada a invalidez permanente.
Pelas razões expostas, NEGO PROVIMENTO à apelação da CEF e DOU PROVIMENTO ao
recurso adesivo da parte autora, para reconhecer o direito à quitação do saldo devedor a partir
de 21/05/2019, data da concessão da aposentadoria por invalidez.
Com fundamento no art. 85, §11, do CPC, majoro em 20% o percentual da verba honorária
fixada em primeiro grau de jurisdição, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo
preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive
(E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos
Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017).
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. INVALIDEZ
PERMANENTE. GARANTIA FGHAB. QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. PRÉVIO
RECEBIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE.
- A preexistência de doença que possa causar invalidez permanente ou óbito do mutuário é
elemento relevante que deve ser apontado no momento da celebração do contrato de seguro,
sob pena de ofensa à boa-fé, à transparência, e legítima negativa à cobertura securitária.
Contudo, a companhia seguradora não pode ser displicente e nem contraditória, deixando de
exigir exames e demais comprovações sobre as condições de saúde do segurado no momento
da celebração do contrato, passando a exigir regularmente o prêmio e, posteriormente,
configurado o sinistro, se negar a cumprir suas obrigações com o seguro. E.STJ (Súmula 609) e
precedentes deste E.TRF.
- A existência de doenças que podem evoluir para sinistros (inclusive aquelas degenerativas)
deve ser analisada pela companhia seguradora no momento da contratação do seguro. Se a
seguradora recebeu exames e demais documentos que entendeu suficientes para celebrar o
contrato, tendo como pressuposto a inexistência de doença que pudesse levar o mutuário à
invalidez permanente ou ao óbito, não pode reclamar a má-fé do segurado para se eximir da
cobertura securitária.
- O FGHAB prevê cobertura parcial ou total do saldo devedor da operação de financiamento em
caso de invalidez permanente do devedor fiduciante, ocorrida posteriormente à data da
contratação da operação, causada por acidente ou doença e informada no prazo máximo de um
ano, contado da data da ciência da concessão da aposentadoria por invalidez permanente.
- O recebimento anterior de auxílio-doença não obsta a cobertura do saldo devedor pelo
FGHAB (salvo se comprovada a má-fé), uma vez que houve o pagamento das contribuições
mensais obrigatórias ao fundo que, por sua vez, não realizou exames médicos antes da
contratação. Ademais, o fundamento para a negativa não consta no contrato celebrado entre as
partes. Precedentes.
- A parte autora faz jus à quitação do saldo devedor, a partir da data da concessão da
aposentadoria por invalidez, ou seja, 21/05/2019.
- Apelação da CEF não provida. Recurso adesivo da parte autora provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma
decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da CEF e dar provimento ao recurso
adesivo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
