Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5176390-84.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/08/2021
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIAE MISERABILIDADE. AUSÊNCIA
DE ESTUDO SOCIAL.APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA
ANULADA.
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e,
em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - Para aconcessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. O requisitode deficiência restou devidamente
preenchido, não restando dúvidas sobre a deficiência do autor.Já em relação ao quesito de
miserabilidade, foi constatado que não houve realização de estudo socioeconômico para
comprovação da vulnerabilidade alegada pela parteautora.
4 - Dentro deste cenário, anulo a r. sentença e devolvo os autos para a Vara de origem para
realização de estudo socioeconômico.
5 - Apelação do INSS parcialmente provida. Sentença anulada.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5176390-84.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALLAN DADOMY LIMA MARTINS
Advogado do(a) APELADO: ROGERIO BUENO DE OLIVEIRA - SP365814-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5176390-84.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALLAN DADOMY LIMA MARTINS
Advogado do(a) APELADO: ROGERIO BUENO DE OLIVEIRA - SP365814-N
R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se
deapelaçãointerposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a r. sentença
(Id.:125532259, págs.1/3) que julgouprocedente o pedido de concessão do Benefício de
Prestação Continuada, a partir da datado requerimento administrativo, condenando-o ao
pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por
cento) do valorda condenação, com juros e correção monetária.
Em suas razões de apelação (Id.:125532270, págs.1/8 ), sustenta o INSS:
1 - quea r. sentença deve ser anulada, por não ter sido realizadoestudo socioeconômico no qual
comprovasse que a renda do núcleo familiar éinferior a 1/2 do salário mínimo mensal;
2 - alternativamente, requer a reforma parcial da r. sentença. para que seja revista a data de
início do benefício estabelecido na sentença.
Prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei
federal e de preceitos constitucionais.
Pugna pela reforma da sentença.
Comcontrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento da apelação. Subsidiariamente, pela
anulação da sentença, a fim de que se realize estudo socioeconômico(Id.:131565393 ).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5176390-84.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALLAN DADOMY LIMA MARTINS
Advogado do(a) APELADO: ROGERIO BUENO DE OLIVEIRA - SP365814-N
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora):
Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de
sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de
Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as
demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício
assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja
segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a
comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que
hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com
previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas
voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC)contribui para o cumprimento da Meta 9
do CNJ, que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especialconsonância osObjetivosdo Desenvolvimento Sustentável de número 1e 2(ODS 1e 2)
desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmentecom as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros,
nutritivos e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve
ser compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a
presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei
atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida
independente,para aanálise da situação de vulnerabilidade do requerente peloconjunto de
circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele
que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial
de prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico,ainda queo § 3º do artigo 20 da Lei
8.742/1993,com redação dada pela recenteMP1.023/2020,considerecomo hipossuficiente para
consecução deste benefício pessoaincapaz de prover a sua manutenção por integrar família
cuja renda mensalper capitaseja inferior a 1/4(um quarto)dosalário-mínimo(critérioa
sersubmetido àapreciação do Congresso Nacional),fato é que a jurisprudênciaentende bastante
razoável a adoção de½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis queos programas de
assistência social no Brasil utilizamatualmente o valor demeio salário mínimocomo referencial
econômico para a concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional
de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação(Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família -
PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa
Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa
Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002),
Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13),
com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou, incidentertantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo para a concessão
de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar
Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio
salário mínimo como referencial econômico.
O§11doartigo 20,incluído pelaLei 13.146/2015, normatizouque a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente
podemseraferidospor outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita
familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de
miserabilidade que a rendaper capitasugere: Precedentes do C.
STJ:AgRgnoAREsp319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE
03/02/2017;AgRgnoREsp1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE
24/05/2016;REsp1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE
29/09/2008).
Preliminarmente, verifica-se que, no presente caso, não foi realizado estudo social. Observa-se
que para a concessão do beneficio assistencial, o juiz a quo, considerou como prova omandado
de constatação(fls.32/36),em que o Oficial de Justiça constatou que o requerente, reside em
imóvel anexo ao imóvel da mãe etem suas despesas efetuadaspela sua genitora. Informa
ainda, que o requerente não recebe beneficio do governo, não estudae nem trabalha, mas
realiza alguns "bicos" com seu padrasto.
Entretanto, o mandado deconstatação não deve ser considerado comoelemento probatório,
visto que: (i) não especifica a renda mensal auferida pela genitorae pelo padrasto que comprove
asituação de vulnerabilidade alegada pela parteautora; (ii)não foram apresentadasas
relaçõesdas despesas básicas do núcleo familiar; e, (iii) não responde aos quesitos formulados
pelo juiz a quo, tampouco os formulados pelo INSS.
Portanto, embora o auto de constatação tenha sido realizado por ordem do juízo a quo, não é
suficiente para comprovar que a parte autora preenche o requisito de miserabilidade. Assim
sendo, é imprescindível a realização de estudo socioeconômico para averiguar a real situação
vivida pelo autor.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS, para quea r. sentença seja
anulada,retornando os autos para a sua vara de origem paraintimação de assistente social e
realização de estudo socioeconômico.
É COMO VOTO.
/gabiv/marnunes
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIAE MISERABILIDADE.
AUSÊNCIA DE ESTUDO SOCIAL.APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
SENTENÇA ANULADA.
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e,
em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - Para aconcessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. O requisitode deficiência restou
devidamente preenchido, não restando dúvidas sobre a deficiência do autor.Já em relação ao
quesito de miserabilidade, foi constatado que não houve realização de estudo socioeconômico
para comprovação da vulnerabilidade alegada pela parteautora.
4 - Dentro deste cenário, anulo a r. sentença e devolvo os autos para a Vara de origem para
realização de estudo socioeconômico.
5 - Apelação do INSS parcialmente provida. Sentença anulada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS, anulando a r.
sentença monocrática e devolvendo os autos para a Vara de origem para que seja realizado
estudo socioeconômico, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA