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<br>APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO . LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE. INDÍGENA. HIV. ESTIGMA SOCIAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. CONTEXTO SOCIOE...

Data da publicação: 09/08/2024, 03:01:39

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE. INDÍGENA. HIV. ESTIGMA SOCIAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. CONTEXTO SOCIOECONÔMICO. SÚMULA 78 DO TNU. DIB. VERBA HONORÁRIA. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA 1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual. 2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993. 3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos 4 - Do cotejo do estudo social, aplico ao presente caso o princípio in dubio pro misero, que determina a interpretação do conjunto fático-probatório de forma mais favorável ao segurado. 5 - Quanto a deficiência, a autora é portadora do vírus HIV e o laudo médico pericial atestou que tal patologia não gera incapacidade para o desempenho das atividades laborais exercida pela requerente. Entretanto, observo súmula 78 do TNU. 6 - Portanto, a requerente demonstrou preencher o requisito da deficiência para usufruir do beneficio assistencial requerido, ao levar-se em conta os conhecidos efeitos da enfermidade que podem levar à limitação física do paciente, bem como o estigma social que sofre o portador do vírus HIV e, a possibilidade de retorno ao trabalho para desempenhar qualquer atividade para garantir a sua própria subsistência é de todo improvável. 7 - No caso, o termo inicial do benefício é fixado em (23/07/2018), data do requerimento administrativo 8 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ), ao pagamento dos juros de mora e correção monetária, bem como as custas processuais. 9 - A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I), mas não no âmbito da Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul (Lei Estadual nº 3.779, de 11/11/2009, e Súmula nº 178/STJ). 10 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007123-17.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 14/05/2021, Intimação via sistema DATA: 20/05/2021)



Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS

5007123-17.2020.4.03.9999

Relator(a)

Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES

Órgão Julgador
7ª Turma

Data do Julgamento
14/05/2021

Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/05/2021

Ementa


E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE. INDÍGENA.
HIV. ESTIGMA SOCIAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO. SÚMULA 78 DO TNU. DIB. VERBA HONORÁRIA.JUROS DE MORA.
CORREÇÃO MONETÁRIA.APELAÇÃODA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA
REFORMADA
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e,
em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos
4 - Do cotejo do estudo social,aplicoao presente caso o princípio in dubio pro misero, que
determina a interpretação do conjunto fático-probatório de forma mais favorável ao segurado.
5 - Quanto a deficiência, a autora é portadora do vírus HIV e olaudo médico pericial atestouque tal
patologia não gera incapacidade para o desempenhodas atividades laborais exercida pela
requerente. Entretanto, observo súmula 78 do TNU.
6 - Portanto, a requerente demonstroupreencher o requisito da deficiência para usufruir do
beneficio assistencial requerido,ao levar-se em contaos conhecidos efeitos da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos

enfermidadequepodem levar à limitação física do paciente,bem comoo estigma socialquesofre o
portador do vírusHIV e,a possibilidade deretorno ao trabalho para desempenhar qualquer
atividade para garantir a sua própria subsistência é de todo improvável.
7 - No caso, o termo inicial do benefício é fixado em (23/07/2018), data do requerimento
administrativo
8 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ), ao pagamento dos
juros de mora e correção monetária, bem como as custas processuais.
9 -A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no âmbito da Justiça Federal
(Lei nº 9.289/96, art. 4º, I), mas não no âmbito da Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul (Lei
Estadual nº 3.779, de 11/11/2009, e Súmula nº 178/STJ).
10 - Apelação da parte autoraprovida. Sentençareformada

Acórdao

PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5007123-17.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: TAMARA ORTEGA

Advogado do(a) APELANTE: SYONARA COSME WENDLAND - MS23966-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS


OUTROS PARTICIPANTES:










APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007123-17.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: TAMARA ORTEGA
Advogado do(a) APELANTE: SYONARA COSME WENDLAND - MS23966-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS



R E L A T Ó R I O



A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de apelação
interpostapela parte autora, Tamara Ortega,contra a r. sentença (Id.: 149555755, págs.
123/127) que julgouimprocedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação
Continuada, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários
advocatícios arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais)conforme art. 85, do CPC,suspensa a
execução, por serbeneficiária da assistência judiciária gratuita conforme o disposto no artigo 12
da Lei 1.060/50.
Em suas razões de apelação ( págs. 135/162), sustenta a parte autora, em síntese, que está
impossibilitada para exercer atividades da vida independente, fazendo jus ao beneficio
assistencial requerido.Requer seja conhecido e provido orecurso interposto.
Pugna pela reforma da sentença.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento da apelação (Id.: 152325439, págs.
1/6).
É o relatório.









APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007123-17.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: TAMARA ORTEGA
Advogado do(a) APELANTE: SYONARA COSME WENDLAND - MS23966-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS




V O T O

A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora):
Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de
sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de
Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um saláriomínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as
demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício
assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja
segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a
comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que
hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com
previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas
voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC)contribui para o cumprimento da Meta 9
do CNJ, que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especialconsonância osObjetivosdo Desenvolvimento Sustentável de número 1e 2(ODS 1e 2)
desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”,especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros,
nutritivos e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve
ser compreendido.

O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a
presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei
atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida
independente,para aanálise da situação de vulnerabilidade do requerente peloconjunto de
circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele
que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial
de prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei
8.742/1993, com redação dada pela recente MP 1.023/2020, considere como hipossuficiente
para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério a
ser submetido à apreciação do Congresso Nacional), fato é que a jurisprudência entende
bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas
de assistência social no Brasil utilizamatualmente o valor demeio saláriomínimocomo referencial
econômico para a concessão dosrespectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de
Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família -
PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa
Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa
Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002),
Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13),
com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou,incidentertantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo para a concessão
de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar

Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio
salário mínimo como referencial econômico.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de
miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C.
STJ:AgRgnoAREsp319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE
03/02/2017;AgRgnoREsp1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE
24/05/2016;REsp1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE
29/09/2008).
No caso em exame( fls. 135/162 ), a requerente, Tamara Ortega (31 anos),portadora do vírus
HIV, alega "não tem meios de provar suasubsistência, tendo sua família passado por
dificuldades constantemente por falta de recursos, vivendo com o pouco que ganha e
sobrevivendo a base de doações do bolsa família". Alega sofrer de tonturas e fraquezas, efeito
colateral do uso do coquetel de medicamentos para tratamento do HIV. A requerente alega
aindaque, por ser portadora de tal doença, foi demitida do emprego e nãoconsegue mais se
reintegrar no mercado de trabalhodevido ao grande preconceito que osportadores do vírus HIV
enfrentam. Fatos pelos quais sustenta estar em situação de vulnerabilidade e pugna pela
concessão do benefício assistencial.
Nolaudo médico pericial (fls. 83/89), o perito observou que "a periciada é portador da Síndrome
deImunodeficiência Humana (clinicamente estável) CID B24. No momento não apresenta
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". A autorae o marido, que
também é portador do vírus HIV"Contam ainda com apoio da secretaria da saúde indígena para
o acompanhamento da sua doença."
Há de se observar ao caso, asúmula 78 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados
Especiais Federais: Súmula 78: "Comprovado que o Requerente do Benefício é portador do
vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de
forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social
da doença”.
Nesse sentido, embora o perito médico tenhaconsideradoque a requerente"no momento não
apresenta impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial", tal
conclusão não deve ser considerada excludente para a não concessão do beneficio pleiteado.
Há de se observar (Fls. 96/108) que"estamos aqui falando de uma doença autoimune, e não de
alguma deformidade física que faça a Requerente ficar de cama ou totalmente “inútil” para os
afazeres do dia a dia, estamos falando de uma doença sem cura aparente e iminente, de uma
doença com um índice alto de preconceito, ainda mais no meio indígena, o qual é a realidade
da Requerente.
Como pode a Requerente ser capaz de voltar aos seus afazeres “normais” e até mesmo ser

constatada como capaz para o trabalho, se quando descobriu a doença que a acomete, foi
mandada embora do trabalho que tinha na época? Como pode aRequerente ter uma vida social
normal, se no meio em que vive é discriminada diariamente pela doença que porta?
Infelizmente essa é a realidade atual de quem porta o Vírus HIV, não é apenas a incapacidade
física que deve ser levada em consideração, e sim, todo o resto, mas principalmente o estigma
social da doença."
Ainda sobre o tema, já há precedentes deste E. Tribunal, sob minha relatoria em caso análogo:

PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA - INCAPACIDADE PARA O TRABALHO - DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS -
TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO – APELO(S) PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA.
1. Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 e, em
razão de sua regularidade formal, conforme certificado nos autos, a apelação interposta deve
ser recebida e apreciada em conformidade com as normas ali inscritas.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados
que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por
mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da
carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 05/07/2019, constatou que a
parte autora, auxiliar de produção em fábrica de calçados , idade atual de 45 anos, é portadora
de HIV, mas não está incapacitada para o exercício de sua atividade laboral, como se vê do
laudo oficial.
5. A parte autora é pessoa de baixa instrução e sempre se dedicou a atividades braçais, como
auxiliar de produção em fábrica de calçados, que são incompatíveis com as suas condições de
saúde.
6. E não se pode ignorar que, nesses ambientes de trabalho, são maiores a estigmatização
social e a discriminação sofridas pelos portadores do vírus HIV, que acabam sendo preteridos
nos processos de seleção para admissão no trabalho, ainda mais considerando que, nessa
área, há muita mão-de-obra disponível.
7. O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo
436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também aspectos
socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores do vírus
HIV, ainda que assintomáticos. Nesse sentido, a Súmula nº 78/TNU.
8. Não obstante a conclusão negativa do perito judicial, mas considerando as dificuldades
enfrentadas pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em razão do
preconceito, os riscos que representam para a integridade da parte autora o exercício de
atividades extenuantes e o fato de que a parte autora tem baixa instrução e sempre se dedicou
a atividades braçais e que exigem grandes esforços físicos, é possível conceder a

aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais.(TRF 3a
Região - 7ªTurma, Relator: Desembargadora Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, Ap no.
5297441-62.2020.4.03.9999, Julg 30/11/2020)

Assim, há de se observar a realidade vivida pela autora, que"refere laborar em diárias na
lavoura",e enfrenta uma realidade difícil, visto que o trabalho na lavoura, por si só, é um
trabalho exaustivo, sendo ainda mais exaustivoparauma pessoa portadora do VírusHIV. Como
consta no laudo pericial, a requerente se queixa de"fraquezas e tonturas",devido ao coquetel de
medicamentosque faz uso para tratamento de suaenfermidade.
Contudo, há de se desconsiderar quando o perito afirma que a autora"pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas",visto que a requerentejá sofre a estigmatização por ser indigena, somadaa
estigmatização por ser soropositiva, alémdofato de residir em cidade pequena, sem qualidade
de vida e sem oportunidade de emprego, tendoqueenfrentar diariamente os preconceitos da
sociedade local. Portanto, ainda que jovem, dificilmenteirá conseguir ingressar novamente no
mercado de trabalho.
Haja vista, como bem trouxe apróprio apelante (fls. 135/162) "O benefício solicitado não se trata
de um benefício a título vitalício, o mesmo pode ser revisado a cada 2 (dois anos), conforme
prevê o artigo 21 da Lei 8.742/93, logo, o Apelante requer o benefício como uma maneira de
auxiliar em suasobrevivência, preenchendo os requisitos para concessão, se daqui 2 (dois
anos) a mesma estiver apta para as atividades laborais, o benefício poderá ser encerrado."
Quanto ao estudo social ( fls. 67/71 ), observa-se que o núcleo familiar da apelante é composto
por seu marido e portrês filhos menores com idade de 07 anos, 11 anos e 14 anos. A família
reside em imóvel "localizado na reserva indígena e é de uso fruto da família". A renda do núcleo
familiar advém do valor de R$ 200,00 (DUZENTOS REAIS) do programa bolsa família e do
valor de R$ 50,00 (CINQUENTA REAIS) referente a diárias que o marido da autora realiza
naregião.
Não foi possível informar quantas diárias são realizadas mensalmente, nem qual a renda
mensal da família. Tambémnão foram informados os gastos mensais do núcleo familiar.
A requerente recebeaindauma ajuda do governo do estado através de cestas
básicas."Ademais, a prole mantém plantio e cultivo de mandioca",para complemento alimentar
da família.
No quepertineà miserabilidade, destaco que peloestudo social é possível observara
insuficiência de recursos da parte autora, que sobrevive com recursos abaixo do mínimo para
uma vida digna, muito abaixo de meio salário mínimo per capta. Embora não tenham sido
apresentados os gastos mensais do núcleo familiar, aplico ao caso concretoo princípio in dubio
pro misero,ao considerar que: (i) o núcleo familiar não possui renda fixa mensal;(ii) o marido da
autora também é portador do vírus HIV, tendo assim suas oportunidades de emprego também
limitadas e, (iii) mesmo não contendo no estudo social os gastos mensais básicos da família, há
de se considerar que o núcleo familiar é composto por 5 (cinco) pessoas, ea família contém
despesas com conta de energia elétrica, conta de água, remédios, vestimentas, entre
outros,como qualquer outro núcleo familiar.Nota-se, portanto, a situação de vulnerabilidade

enfrentada pela apelante, sendo forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema
necessidade que se apresenta.
"A família não dispõe de bens/capitais. A casa conta com poucos eletrodomésticos (geladeira) e
algumas mobílias (camas e armários)."
(...)
"Da aproximação com a realidade material da requerente, foipossível constatar que a família
conta com um espaço de moradia construído em alvenaria, coberto com eternit, de porte
pequeno (03 cômodos) e com aparente capacidade de segurança e preservação da
individualidade dos seus membros. Ademais, o imóvel dispõe de energia elétrica, água
encanada e o banheiro fica na área externa da casa e não conta com vaso sanitário."
Dentro desse cenário, entendo que a autora demonstrou preencher os requisitos legais,
comprovando estar em situação de vulnerabilidade,fazendojusao benefício assistencial
requerido.
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).Condeno ainda
aopagamento de juros e correção monetária e ao pagamento dascustas processuais.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no âmbito da Justiça Federal (Lei
nº 9.289/96, art. 4º, I), mas (i) não no âmbito da Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul (Lei
Estadual nº 3.779, de 11/11/2009, e Súmula nº 178/STJ), (ii) nem do reembolso das custas
recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no
caso, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora, (iii) tampouco
do pagamento de honorários periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido
antecipado pela Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art.
32).
Ante o exposto, CONHEÇO eDOUPROVIMENTO à apelação da parte autora, para reformar a r.
sentença e condenaro INSS ao pagamentodo benefícioassistencialcom DIB em (23/07/2018),
data do requerimento administrativo.
Proceda a Subsecretaria à expedição de e-mail ao INSS, instruído com cópia dos documentos
da parte autora, para que, com fundamento no artigo 497 do CPC/2015, a autarquia cumpra a
obrigação de fazer consistente na imediata implantação do benefício, no prazo de 30 (trinta)
dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais).
É COMO VOTO.

/gabiv/marnunes

E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE.
INDÍGENA. HIV. ESTIGMA SOCIAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO PROFISSIONAL.
CONTEXTO SOCIOECONÔMICO. SÚMULA 78 DO TNU. DIB. VERBA HONORÁRIA.JUROS
DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA.APELAÇÃODA PARTE AUTORA PROVIDA.
SENTENÇA REFORMADA
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e,
em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos
4 - Do cotejo do estudo social,aplicoao presente caso o princípio in dubio pro misero, que
determina a interpretação do conjunto fático-probatório de forma mais favorável ao segurado.
5 - Quanto a deficiência, a autora é portadora do vírus HIV e olaudo médico pericial atestouque
tal patologia não gera incapacidade para o desempenhodas atividades laborais exercida pela
requerente. Entretanto, observo súmula 78 do TNU.
6 - Portanto, a requerente demonstroupreencher o requisito da deficiência para usufruir do
beneficio assistencial requerido,ao levar-se em contaos conhecidos efeitos da
enfermidadequepodem levar à limitação física do paciente,bem comoo estigma socialquesofre o
portador do vírusHIV e,a possibilidade deretorno ao trabalho para desempenhar qualquer
atividade para garantir a sua própria subsistência é de todo improvável.
7 - No caso, o termo inicial do benefício é fixado em (23/07/2018), data do requerimento
administrativo
8 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ), ao pagamento dos
juros de mora e correção monetária, bem como as custas processuais.
9 -A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no âmbito da Justiça Federal
(Lei nº 9.289/96, art. 4º, I), mas não no âmbito da Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul (Lei
Estadual nº 3.779, de 11/11/2009, e Súmula nº 178/STJ).
10 - Apelação da parte autoraprovida. Sentençareformada
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO a apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


Resumo Estruturado

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