Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5065024-11.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/06/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 01/07/2021
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIAE MISERABILIDADE.
REQUISITOS PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA. VERBA HONORÁRIA. DIB. JUROS DE
MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.SENTENÇA
REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos.
3 - Do cotejo do estudo social, da deficiência da parte autora, bem como a insuficiência de
recursos da família, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se
apresenta.
4 - No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 27/11/2015, data do requerimento
administrativo, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da
parte autora.
5 - Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
6 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
7 - Tutela antecipada confirmada. Presentes os requisitos daverossimilhança das alegações e o
perigo da demora.
8 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5065024-11.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: JOSE APARECIDO SAPUCAIA DA CRUZ
REPRESENTANTE: JOAO SAPUCAIA DA CRUZ
Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO ALVES MADEIRA - SP221179-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5065024-11.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: JOSE APARECIDO SAPUCAIA DA CRUZ
REPRESENTANTE: JOAO SAPUCAIA DA CRUZ
Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO ALVES MADEIRA - SP221179-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de apelação
interpostapela parte autora JOSÉ APARECIDO SAPUCAIA DA CRUZ contra a r. sentença
(Id.:7547531) que julgou improcedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação
Continuada, condenando-o ao pagamento das custas processuais e dos honorários
advocatícios arbitradosem 10% (dez por cento) do valorda causa, suspensa a execução, por
serbeneficiária da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões de apelação (Id.:7547683), sustenta a parte autorao preenchimento dos
requisitos necessários à concessão do benefício requerido, vez que restou comprovada sua
incapacidade total e permanente para o labor, bem comoa miserabilidade de seu núcleo
familiar.
Pugna pela reforma da sentença.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento da apelação (Id.:117789209).
Presentes os pressupostos para concessão da medida de urgência, foi deferidaa tutela
pleiteada pela parte autora, antecipando seu direito ao benefício de prestação continuada,a
partir de 27/11/2015, data do requerimento administrativo (Id.:134220880).
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5065024-11.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: JOSE APARECIDO SAPUCAIA DA CRUZ
REPRESENTANTE: JOAO SAPUCAIA DA CRUZ
Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO ALVES MADEIRA - SP221179-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade
formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as
demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício
assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja
segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a
comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que
hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com
previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas
voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta
9 do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e
2) desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros,
nutritivos e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve
ser compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a
presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei
atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida
independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de
circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele
que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial
de prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei
8.742/1993, com redação dada pela recente Lei 13.982/2020, considere como hipossuficiente
para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar
famíliacuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) salário-mínimo (critério fixado
até 31.12.2020), fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio)
salário mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam
atualmente o valor demeio saláriomínimo como referencial econômico para a concessão dos
respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão
Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o
Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001),
Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-
1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo
Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13),
com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou,incidenter tantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensalper capitainferior a ¼ do salário mínimo para a concessão
de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar
Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio
saláriomínimo como referencial econômico.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de
miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp
319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no
REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp
1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Assim sendo, o inconformismo da parte autora procede, devendo ser reformada a r. sentença
monocrática (Id.:7547531).
No que tange à incapacidade da parte autora, foi comprovada pelo laudo pericial, cujos
principais trechos destaco a seguir:
“4. A lesão ou perturbação funcional determina incapacidade total, parcial ou permanente para o
trabalho? Explicar.
Incapacidade absoluta e permanente. O autor é portador de paralisia cerebral com déficit
intelectual importante desde o nascimento e não se comunica nem se locomove sem ajuda de
terceiros.
(...)
CONCLUSÃO:
O autor é portador de paralisia cerebral e tetraplegia espástica com déficit intelectual importante
desde o nascimento, não se comunica nem se locomove sozinho e necessita de ajuda de
terceiros para qualquer atividade no dia a dia, inclusive para alimentar-se, vestir-se, locomover-
se, etc.”
No tocante ao estudo social (Id.:7547516), o núcleo familiar é composto pelorequerente eseus
pais João Sapucaia da Cruz e Aremilda Viera da Cruz, ambos atualmente com 77 anos. Ainda,
residem com eledoissobrinhos,os quais não compõem o núcleo familiar, por força doart.20, §1º
da Lei n. 8.742/93.A família é mantidapelas aposentadoriasrecebidas pelos pais do requerente
no valor de um salário mínimo cada. As despesas são de aproximadamente R$2.059,00.
Por interpretação analógica do artigo 34 do Estatuto do Idoso, as aposentadorias dos paisda
parte autora devem ser excluídas da apuração da renda per capta para concessão do benefício,
razão pela qual não há renda a ser considerada.
Assim, da análise dos autos verifica-se que a renda do núcleo familiar é insuficiente para o
pagamento das despesas básicas da casa.
Dentro desse cenário, entendo que a autora demonstrou preencher os requisitos legais,
comprovando estar em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial
requerido.
O termo inicial do benefício, em regra, deve ser fixado à data do requerimento administrativo
negado, requisito indispensável para a propositura da ação em face do INSS, consoante a
decisão do E. STF com repercussão geral, no RE 631.240 - ou, ainda, na hipótese de benefício
cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
Cumpre ressaltar que a Suprema Cortecriouuma regra de transição para as ações ajuizadas
antes da conclusão do julgamento do referido recurso extraordinário, em 03/09/2014:
"Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que
tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado
o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de
anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha
apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à
pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas,
observando-se a sistemática a seguir."(RE 631.240 MG)
No caso, o termo inicial do benefício deve ser fixado em 27/11/2015, data do requerimento
administrativo.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, tanto no
âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça Estadual de São Paulo
(Lei 9.289/96, art. 1º, § 1º, e Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/2003).
Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte
autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a
gratuidade processual que foi concedida à parte autora.
Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o
perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, confirmo a tutela
anteriormente concedida.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora, para reformar a r. sentença e
condenar o INSS ao pagamento do benefício assistencial com DIB em 27/11/2015 e ao
pagamento dos honorários advocatícios, na forma antes delineada.
É COMO VOTO.
/gabiv/gvillela
O Juiz Federal Convocado Fernando Mendes:
Trata-se de ação destinada a viabilizar o restabelecimento de benefício de prestação
continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição, e na Lei Federal nº. 8.742/93.
A r. sentença julgou o pedido inicial improcedente e condenou o autor ao pagamento de
honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, observada a Justiça Gratuita.
A Relatora apresentou voto no sentido de dar provimento à apelação do autor.
Divirjo, respeitosamente, pelas razões que passo a expor:
O artigo 3º, da Constituição, elenca os objetivos da República Federativa do Brasil, quais sejam:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Em vista de tais objetivos, a Constituição determinou, no âmbito da Assistência Social, a
implantação de benefício destinado a garantir uma subsistência mínima para os cidadãos
efetivamente necessitados. “Verbis”:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
O benefício, de caráter não contributivo, foi regulamentado pela Lei Federal nº 8.742/93, que
traz os requisitos necessários à implantação.
Quanto ao idoso, a partir da vigência das alterações da Lei Federal nº. 10.741, de 1º de outubro
de 2003, exige-se a idade mínima de 65 anos (artigo 20, “caput”, da Lei Federal nº 8.742/93).
Por sua vez, o artigo 20, § 2º, da Lei Federal nº 8.742/93 esclarece que “considera-se pessoa
com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”
– sendo que impedimento de longo prazo é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§ 10).
Em ambos os casos, exige-se prova da impossibilidade de prover a própria subsistência ou de
tê-la provida pela família.
A hipossuficiência econômica é analisada no contexto familiar, sendo que, nos termos do artigo
20, § 1º, da Lei Federal nº 8.742/93, a “família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto”.
A interpretação do dispositivo, no entanto, deve ser realizada à luz da Constituição Federal, que
estabelece, no artigo 203, V, que “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, e, no artigo 229, que “os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
O dever de assistência do Estado é, portanto, subsidiário, e não afasta a obrigação de amparo
mútuo familiar. Nesse sentido, a jurisprudência específica da Sétima Turma: (ApCiv 0003058-
98.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em
22/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/11/2020).
Quanto ao critério econômico objetivo, anota-se que o C. Supremo Tribunal Federal declarou a
inconstitucionalidade parcial do artigo 20, § 3º, da Lei Federal nº 8.742/93, no ponto em que
estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo (ADI 1232,
Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno,
julgado em 27/08/1998, DJ 01-06-2001 PP-00075 EMENT VOL-02033-01 PP-00095).
Por consequência, conclui-se que a referência quantitativa do § 3º, do artigo 20, da LOAS, pode
ser considerada como um dos critérios para a aferição de miserabilidade, sem a exclusão de
outros.
Essa é, também, a orientação do Superior Tribunal de Justiça, no regime de julgamentos
repetitivos REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009.
Outrossim, não deve ser considerado, no cálculo da renda familiar, o benefício no valor de um
salário mínimo recebido por deficiente (artigo 34, parágrafo único, da Lei Federal nº. 10.741/03)
ou idoso, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamentos
repetitivos(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015,
DJe 05/11/2015).
A exclusão do rendimento de deficiente ou idoso, no entanto, não importa na automática
concessão do benefício, devendo ser considerados os demais aspectos socioeconômicos e
familiar do requerente.
No caso concreto, a autora tinha 50 anos na data da perícia médica, realizada em 2017.
O laudo pericial (ID 7547522) concluiu pela existência de deficiência:
“O autor é portador de paralisia cerebral e tetraplegia espástica com déficit intelectual
importante desde o nascimento, não se comunica nem se locomove sozinho e necessita de
ajuda de terceiros para qualquer atividade no dia a dia, inclusive para alimentar-se, vestir-se,
locomover-se, etc”.
O relatório socioeconômico (ID 7547516), por sua vez, consignou que o autor reside com os
pais, ambos com 74 anos, e dois sobrinhos, à época com 20 e 17 anos, em casa própria, “de
alvenaria, dividida em 07 cômodos, sendo: 03 quartos, 01 sala, 01 cozinha, 01 copa e 01
banheiro, em bom estado de conservação, com mobília suficiente e instalações de água e
esgoto em funcionamento”.
A renda familiar consiste em aposentadoria recebida pelos pais do autor, no valor de R$
1.874,00, corresponde, à época, a dois salários mínimos.
Os gastos mensais consistem em energia elétrica, água e esgoto (R$ 250,00), gás (R$ 55,00),
farmácia (R$ 150,00), fraldas (R$ 36,00), alimentação (R$ 900,00), plano funeral (R$ 39,00),
telefone móvel (R$ 60,00), internet (R$ 69,00) e empregada doméstica (R$ 500,00), e perfazem
o total de R$ 1.874,00.
O requisito socioeconômico não foi preenchido.
Os elementos fáticos demonstram que o autor reside em imóvel próprio, com padrões mínimos
de conforto e segurança. O rendimento familiar é suficiente para o atendimento de suas
necessidades básicas.
O benefício assistencial não se presta à complementação da renda familiar, mas, sim, ao
socorro daqueles que não possuem condições de manter ou ver mantidos pelo grupo familiar os
padrões mínimos necessários à subsistência.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIAE MISERABILIDADE.
REQUISITOS PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA. VERBA HONORÁRIA. DIB. JUROS
DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PROVIDA.SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos.
3 - Do cotejo do estudo social, da deficiência da parte autora, bem como a insuficiência de
recursos da família, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se
apresenta.
4 - No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 27/11/2015, data do requerimento
administrativo, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da
parte autora.
5 - Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
6 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
7 - Tutela antecipada confirmada. Presentes os requisitos daverossimilhança das alegações e o
perigo da demora.
8 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO
JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO À
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA, COM QUEM
VOTARAM O DES. FEDERAL PAULO DOMINGUES, O DES. FEDERAL CARLOS DELGADO
E O DES. FEDERAL LUIZ STEFANINI, VENCIDO O JUIZ CONVOCADO FERNANDO
MENDES QUE NEGAVA PROVIMENTO À APELAÇÃO. LAVRARÁ O ACÓRDÃO A
RELATORA
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
