Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5355564-53.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 30/04/2021
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE.
REQUISITOS PREENCHIDOS. VERBA HONORÁRIA. DIB. CRITÉRIOS DE JUROS DE MORA E
CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADOS. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO.
APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.SENTENÇA
REFORMADA EM PARTE.
1 - Considerando as datas do termo inicial e da prolação da sentença, bem como o valor da
benesse (01 salário mínimo mensal), a hipótese em exame não excede os 1.000 salários
mínimos, não havendo que se falar em remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do
NCPC.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos.
4 - Do cotejo do estudo social, da deficiência da parte autora, bem como a insuficiência de
recursos, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta.
5 - No caso, o termo inicial do benefício deve ser alterado para 26/06/2017, data do requerimento
administrativo, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da
parte autora.
6 - Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
7 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, mantidos em 10%,
mas restringindo a sua base de cálculo ao valor das prestações vencidas até a data da sentença,
para adequá-los aos termos da Súmula nº 111/STJ.
8 - Honorários recursais. Desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os
honorários fixadosdevem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, § 11, do
CPC/2015.
9 - Reexame Necessário não conhecido. Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte
autoraprovida. Sentença reformada em parte.
Acórdao
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5355564-53.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARILDA ROSANGELA DA SILVA BRAZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: MAYRA BEATRIZ ROSSI BIANCO - SP279364-N, CAROLINA
FURQUIM LEITE MATOS CARAZATTO - SP252493-N, NATALINA BERNADETE ROSSI -
SP197887-N, PASCOAL ANTENOR ROSSI - SP113137-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARILDA ROSANGELA DA
SILVA BRAZ
Advogados do(a) APELADO: CAROLINA FURQUIM LEITE MATOS CARAZATTO - SP252493-N,
NATALINA BERNADETE ROSSI - SP197887-N, PASCOAL ANTENOR ROSSI - SP113137-N,
MAYRA BEATRIZ ROSSI BIANCO - SP279364-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5355564-53.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARILDA ROSANGELA DA SILVA BRAZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: MAYRA BEATRIZ ROSSI BIANCO - SP279364-N, CAROLINA
FURQUIM LEITE MATOS CARAZATTO - SP252493-N, NATALINA BERNADETE ROSSI -
SP197887-N, PASCOAL ANTENOR ROSSI - SP113137-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARILDA ROSANGELA DA
SILVA BRAZ
Advogados do(a) APELADO: CAROLINA FURQUIM LEITE MATOS CARAZATTO - SP252493-N,
NATALINA BERNADETE ROSSI - SP197887-N, PASCOAL ANTENOR ROSSI - SP113137-N,
MAYRA BEATRIZ ROSSI BIANCO - SP279364-N
R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de Reexame
Necessário e apelaçõesinterpostas pela parte autora MARILDA ROSANGELA DA SILVA BRAZ e
pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a r. sentença (Id.:146807474) que julgou
procedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada, fixando como termo
inicial o dia seguinte ao indeferimento administrativo, condenando a autarquiaao pagamento dos
honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa, com juros e
correção monetária.
Em suas razões de apelação (Id.:146807488), sustenta a parte autora:
1 - a alteração do termo inicial para26/06/2017,data do requerimento administrativo;
2 - a alteração dos critérios de juros de mora e correção monetária, observando odisposto no
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal – CJF;
3 - a fixação dos honorários advocatícios entre 10% e 20% do valoratualizado das parcelas
vencidas até o trânsito em julgado da presente ação.
Em suas razões de apelação (Id.:146807485), sustenta o INSS:
1 - o não preenchimento dosrequisitos necessários à concessão do benefício requerido, vez que
não restou comprovada a deficiência nem a miserabilidade da autora, devendo a ação ser julgada
improcedente;
2 - subsidiariamente, em caso de manutenção da sentença recorrida, quea verba honorária seja
reduzida, bem como queseja isentode custas.
Prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei
federal e de preceitos constitucionais.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento da apelação da autora e pelo
desprovimento da apelação do INSS (Id.:148675346).
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5355564-53.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARILDA ROSANGELA DA SILVA BRAZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: MAYRA BEATRIZ ROSSI BIANCO - SP279364-N, CAROLINA
FURQUIM LEITE MATOS CARAZATTO - SP252493-N, NATALINA BERNADETE ROSSI -
SP197887-N, PASCOAL ANTENOR ROSSI - SP113137-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARILDA ROSANGELA DA
SILVA BRAZ
Advogados do(a) APELADO: CAROLINA FURQUIM LEITE MATOS CARAZATTO - SP252493-N,
NATALINA BERNADETE ROSSI - SP197887-N, PASCOAL ANTENOR ROSSI - SP113137-N,
MAYRA BEATRIZ ROSSI BIANCO - SP279364-N
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal,
possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
A sentença recorrida foi proferida sob a égide do Novo Código de Processo Civil, o qual afasta a
submissão da sentença proferida contra a União e suas respectivas autarquias e fundações de
direito público ao reexame necessário quando a condenação imposta for inferior a 1.000 (mil)
salários mínimos (art. 496, I c.c. § 3º, I, do CPC/2015).
In casu, considerando os elementos dos autos, o montante da condenação não excede a 1.000
(mil) salários mínimos, razão pela qual a r. sentença não está sujeita ao reexame necessário.
Nesse sentido, precedente desta C. 7ª Turma:
"(...)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. VALOR DA
CONDENAÇÃO INFERIOR A 1.000 SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NÃO CONHECIDA.
1. Exame da admissibilidade da remessa oficial prevista no artigo 496 do CPC/15.
2. O valor total da condenação não alcançará a importância de 1.000 (mil) salários mínimos.
3. Remessa necessária não conhecida."
(REO 0020789-78.2017.4.03.9999, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Paulo Domingues,
28/09/2017)
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei
8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo
mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais
pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial,
não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou
desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da
hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com
deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou
em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de
tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao
amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9
do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2)
desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos
e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser
compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença
de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual
ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente,
para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias
capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de
proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de
prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993,
com redação dada pela recente MP 1.023/2020, considere como hipossuficiente para consecução
deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério a ser submetido à
apreciação do Congresso Nacional), fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a
adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social
no Brasil utilizam atualmente o valor demeio saláriomínimo como referencial econômico para a
concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º
10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei
10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP
2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo
Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13), com
repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou,incidenter tantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensalper capitainferior a ¼ do salário mínimo para a concessão de
benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar
Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio
saláriomínimo como referencial econômico.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade
que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma,
Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª
Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel.
Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Assim sendo, o inconformismo da autarquia não procede, devendo ser mantida a r. sentença
monocrática (Id.:146807474), por seus próprios fundamentos, os quais seguem reproduzidos:
"Segundo se depreende dos autos, é certo que a autora MARILDA possui deficiência de natureza
física, incapacitando-a a longo prazo. Não obstante o laudo de fls. 126/133 tenha afastado tal
assertiva, é necessário observar o texto legal sob o prisma constitucional e social, para além das
balizas meramente formais.
Decerto, o impedimento permanente ao qual se refere a lei não se trata tão só de impossibilidade
superficial de exercício das ações ordinárias às pessoas, em sua vivência. Diz respeito, em
verdade, ao impedimento advindo de sua condição, no caso, física, a qual, interagindo com
barreiras sociais impostas, é plenamente passível de obstruir uma paridade de condições à
autora de convivência plena e efetiva no seio social.
(...)
De mais a mais, é acometida a autora de nefropatia grave, em estado terminal, circunstância que
se coaduna com a redação legal do artigo 3º, Decreto nº 3.298/99, que exprime ser deficiência
'toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica
quegere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal
para o ser humano'.
Resta evidenciado, pelo conjunto dos autos, que a autora, em razão da insuficiência renal, sofre
com incapacidade para desempenho de qualquer atividade dentro do padrão ordinário. O
reconhecimento pelo laudo de que a autora se apresenta capaz para o exercício doméstico não é
idôneo para fins de obstar a concessão do BPC. De fato, atividades domésticas não são
remuneradas -exceto no caso de labor, o que não se verifica - e, portanto, não é possível
entender a autora como capaz de prover seu sustento e de seus familiares.
É certo que, para fins de conceituação de pessoa com deficiência, trata-se de um rol não
exauriente, e que deve ser observado à conjunção de elementos de natureza física ou fisiológica
e as barreiras enfrentadas pela pessoa em razão dessa condição.
Patente que, acaso não acometida pela nefropatia, a autora seria pessoa sem qualquer
impedimento social e econômico. No entanto, as condições a ela impostas, dado à nefropatia,
faticamente equiparam-se ao teor do quanto consta do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
(...)
No tocante ao segundo requisito, evidenciada a situação de miserabilidade pela qual perpassa a
família de MARILDA.
Aduziu expressamente a profissional do Centro de Referência de Assistência Social, em estudo
realizado junto à família e na residência na qual reside a autora, que 'é notável que a requerente
não possui condições financeiras, devido aos problemas de saúde, para manter as despesas
familiares e recebe constante apoio de familiares, entretanto estes também, embora empregados
ou com aposentadoria, possuem as próprias despesas mensais e responsabilidades com suas
respectivas famílias, sendo isto, portanto, não garantia de que os mínimos para a sobrevivência
sejam garantidos por longo período de tempo' (fls. 77).
Observa-se do conjunto de provas que a autora percebe tão somente R$ 172,00 (cento e setenta
e dois reais) mensais, provenientes do Programa Bolsa Família, sendo certo que a renda familiar
de muito não alcança ¼ de salário-mínimo per capita.
(...)
Não há se falar, conforme pretende o requerido, que os auxílios financeiros oferecidos por
familiares são hábeis a garantir o sustento da requerente e de seus dependentes. Consoante
asseverou a assistente social em relatório, tais familiares dispõem de seus gastos pessoais, não
podendo ser cotados como pagadores fixos de auxílio econômico à requerente. Entender de
modo diverso é infringir, francamente, a dignidade da pessoa humana."
Ainda, no que tange à incapacidade, cumpre ressaltar que consoante explicitado pela assistente
social, a autora realiza hemodiálise três vezes por semana, tendo cada sessão a duração de
quatro horas, o que lhe causa fortes efeitos colaterais como ânsia de vômito, fraqueza ecâimbras,
tendo que permanecer em repouso nesses dias.
Dito isso, resta constatada a presença delimitações de longo prazoque potencialmente dificultam
sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas,
amoldando-se, dessa forma, ao conceito de deficiência trazido pelo art. 20, §2° da Lei n°
8.742/93.
No que pertine à miserabilidade, destaco que o estudo social evidencia a insuficiência de
recursos da parte autora, vez que reside com sua filha de 8 anos em imóvel cedido pela família
do falecido marido, tendo como única renda o Bolsa Família. Suas despesas são arcadas pela
cunhada, seus pais e sua irmã, contudo, conforme ressaltado no estudo social, estes possuem
seus próprios núcleos familiares a prover, não sendo esse auxíliouma garantia para a
subsistência da requerente.
Dentro desse cenário, entendo que a autora demonstrou preencher os requisitos legais,
comprovando estar em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial
requerido.
O termo inicial do benefício, em regra, deve ser fixado à data do requerimento administrativo
negado, requisito indispensável para a propositura da ação em face do INSS, consoante a
decisão do E. STF com repercussão geral, no RE 631.240 - ou, ainda, na hipótese de benefício
cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
Cumpre ressaltar que a Suprema Cortecriouuma regra de transição para as ações ajuizadas
antes da conclusão do julgamento do referido recurso extraordinário, em 03/09/2014:
"Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha
havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o
seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de
anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha
apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à
pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas,
observando-se a sistemática a seguir." (RE 631.240 MG)
No caso, o termo inicial do benefício deve ser alterado para 26/06/2017, data do requerimento
administrativo (Id.:146807390, pág. 4).
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos
no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo
Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período
em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério
estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e
confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS.
Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, mantidos em 10%, mas
restringindo a sua base de cálculo ao valor das prestações vencidas até a data da sentença, para
adequá-los aos termos da Súmula nº 111/STJ.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Não obstante a matéria que trata dos honorários recursais tenha sido afetada pelo Temanº 1.059
do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que determinou a suspensão do processamento dos
feitos pendentes que versem sobre essa temática, é possível, na atual fase processual, tendo em
conta o princípio da duração razoável do processo, que a matéria não constitui objeto principal do
processo e que a questão pode ser reexaminada na fase de liquidação,a fixação do montante
devido a título de honorários recursais, porém, deixando a sua exigibilidade condicionada à futura
deliberação sobre o referido tema, o que será examinado oportunamente peloJuízo da execução.
Assim, desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários
fixadosdevem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do
CPC/2015.
No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, tanto no
âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça Estadual de São Paulo (Lei
9.289/96, art. 1º, § 1º, e Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/2003).
Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte
autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a
gratuidade processual que foi concedida à parte autora.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO da remessa oficial, NEGO PROVIMENTO à Apelação do
INSS,condenando-o ao pagamento dos honoráriosrecursais, e DOU PROVIMENTO à Apelação
da parte AUTORA, para fixar a data de início do benefício a partir do requerimento administrativo
(26/06/2017), para alterar a base de cálculo do valor dos honorários advocatíciospara 10% do
valor da prestações vencidas até a data da sentença, ealterar os juros e a correção monetária,
nos termos expendidos no voto. Mantenho, quanto ao mais, a sentença recorrida.
É COMO VOTO.
/gabiv/gvillela
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE.
REQUISITOS PREENCHIDOS. VERBA HONORÁRIA. DIB. CRITÉRIOS DE JUROS DE MORA E
CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADOS. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO.
APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.SENTENÇA
REFORMADA EM PARTE.
1 - Considerando as datas do termo inicial e da prolação da sentença, bem como o valor da
benesse (01 salário mínimo mensal), a hipótese em exame não excede os 1.000 salários
mínimos, não havendo que se falar em remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do
NCPC.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos.
4 - Do cotejo do estudo social, da deficiência da parte autora, bem como a insuficiência de
recursos, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta.
5 - No caso, o termo inicial do benefício deve ser alterado para 26/06/2017, data do requerimento
administrativo, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da
parte autora.
6 - Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
7 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, mantidos em 10%,
mas restringindo a sua base de cálculo ao valor das prestações vencidas até a data da sentença,
para adequá-los aos termos da Súmula nº 111/STJ.
8 - Honorários recursais. Desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os
honorários fixadosdevem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, § 11, do
CPC/2015.
9 - Reexame Necessário não conhecido. Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte
autoraprovida. Sentença reformada em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial, negar provimento à Apelação do
INSS,condenando-o ao pagamento dos honoráriosrecursais, e dar provimento à Apelação da
parte autora, para fixar a data de início do benefício a partir do requerimento administrativo
(26/06/2017), para alterar a base de cálculo do valor dos honorários advocatíciospara 10% do
valor da prestações vencidas até a data da sentença, ealterar os juros e a correção monetária,
nos termos expendidos no voto, mantendo, quanto ao mais, a sentença recorrida, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
