Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5036481-90.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 23/04/2021
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA / IDADE. MISERABILIDADE NÃO
COMPROVADA. REQUISITOS PARCIALMENTE PREENCHIDOS. HONORÁRIOS RECURSAIS.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA IMPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e,
em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais parcialmente preenchidos
4 - Do cotejo do estudo social, não restou demonstrada a insuficiência de recursos da família,
tampouco o quadro de pobreza e extrema necessidade.
5 - Desprovido o apelo da parte autora interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados
na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do
CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei, bem como,
ficandoa sua exigibilidade condicionada à futura deliberação sobre o Tema nº 1.059/STJ, o que
será examinado oportunamente peloJuízo da execução.
6 - Apelação da parte autora improvida. Sentença mantida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5036481-90.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: CLARICE TELES PIRES
Advogado do(a) APELANTE: EDSON GRILLO DE ASSIS - SP262621-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5036481-90.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: CLARICE TELES PIRES
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R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de Apelação
interpostapela parte autora contra a r. sentença (Id. 152834160) que julgou improcedente
seupedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada, condenando-aao pagamento
das custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor
da causa atualizado, suspensa a execução, por ser beneficiáriada assistência judiciária gratuita.
Em suas razões de apelação (Id. 152834164), sustenta:
1 - que a renda auferida pelo núcleo familiar, ainda que superior a 1/2 salário mínimo é
insuficiente para prover-lhe o sustento;
2 - que a renda per capita, não é critério absoluto, de modo a se considerar outros elementos
para aferição da condição sócio-econômica da requerente, ao que alega queo estudo social não
foi conclusivo, tendo em conta que omisso em relação às despesas mensais do casal;
Pugna pela reforma da sentença.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação (Id 153878523).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5036481-90.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: CLARICE TELES PIRES
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora):Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal,
possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei
8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo
mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais
pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial,
não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou
desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da
hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com
deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou
em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de
tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao
amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9
do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2)
desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos
e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser
compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença
de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual
ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, eis
que devem ser considerados, também, para a perfeita análise da situação de vulnerabilidade do
requerente, fatores sociais e o meio em que a pessoa com deficiência vive, isto é, um conjunto de
circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele
que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de
prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993,
com redação dada pela recente MP 1.023/2020, considere como hipossuficiente para consecução
deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar famíliacuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério a ser submetidoà
apreciação doCongressoNacional), fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a
adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social
no Brasil utilizam atualmente o valor demeio saláriomínimo como referencial econômico para a
concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º
10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei
10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP
2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo
Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13), com
repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou,incidenter tantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensalper capitainferior a ¼ do salário mínimo para a concessão de
benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar
Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio
saláriomínimo como referencial econômico.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade
que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma,
Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª
Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel.
Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Quanto ao requisito etário, encontra-se preenchido, pois a parte autora, nascida em 15/04/1942,
possui hoje 79 anos, acrescendo-se a incapacidade laborativa total e permanente, comprovada
pelo laudo pericial (Id. 15234147).
E, não tendo o INSS, em suas razões, questionado, deve subsistir, nesse ponto, o que foi
estabelecido pela sentença.
No que pertine à miserabilidade, o estudo social (Id. 152834122) informa que a requerente mora
em casa própria, não exerce atividade remunerada, sendo o núcleo familiar composto por ela
epelo marido, pelo que conclui:
"Em relação à família, percebemos que devido aos altos gastos dispendidos com a questão de
saúde tem orçamento comprometido quase que inteiramente, restando apenas um pequeno valor
para as demais despesas não previstas.
Entretanto não podemos afirmar que a família não tenha como prover o sustento de seus
membros ou esteja em situação de miserabilidade, uma vez que mesmo com dificuldades suas
necessidades básicas têm sido satisfeitas."
Cumpre ressaltar que a família é mantida pela aposentadoria percebida pelo marido no valor
correspondente a R$2.384,26 (dois mil trezentos e oitenta e quatro reais e vinte e seis centavos).
Nessa esteira, a renda per capita é superior a 1/4 ou mesmo a 1/2 salário mínimo.
Dentro desse cenário, entendo que o autora não demonstrou preencher os requisitos legais,
notadamente, os que dizem respeito à hipossuficiência econômica, de modo a comprovar estar
em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como
um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei.
Não obstante a matéria que trata dos honorários recursais tenha sido afetada pelo Temanº 1.059
do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que determinou a suspensão do processamento dos
feitos pendentes que versem sobre essa temática, é possível, na atual fase processual, tendo em
conta o princípio da duração razoável do processo, que a matéria não constitui objeto principal do
processo e que a questão pode ser reexaminada na fase de liquidação,a fixação do montante
devido a título de honorários recursais, porém, deixando a sua exigibilidade condicionada à futura
deliberação sobre o referido tema, o que será examinado oportunamente peloJuízo da execução.
Assim, desprovido o apelo da parte autora interposto na vigência da nova lei, os honorários
fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11,
do CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à Apelação da parte autora, condenando-a ao pagamento
de honorários recursais, mantendo íntegra a sentença recorrida.
É COMO VOTO.
/gabiv/...
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA / IDADE. MISERABILIDADE NÃO
COMPROVADA. REQUISITOS PARCIALMENTE PREENCHIDOS. HONORÁRIOS RECURSAIS.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA IMPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e,
em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais parcialmente preenchidos
4 - Do cotejo do estudo social, não restou demonstrada a insuficiência de recursos da família,
tampouco o quadro de pobreza e extrema necessidade.
5 - Desprovido o apelo da parte autora interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados
na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do
CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei, bem como,
ficandoa sua exigibilidade condicionada à futura deliberação sobre o Tema nº 1.059/STJ, o que
será examinado oportunamente peloJuízo da execução.
6 - Apelação da parte autora improvida. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, condenando-a ao pagamento
de honorários recursais, e manter íntegra a sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
