
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007167-36.2020.4.03.6119
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: CARLOS CESAR NUNES DIAS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007167-36.2020.4.03.6119
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: CARLOS CESAR NUNES DIAS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -INSS, objetivando o a revisão de sua aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de períodos trabalhados em atividades sujeitas a condições especiais, e consequente conversão em aposentadoria especial.
A r. sentença (ID 220086329) julgou improcedente o pedido. Condenou a parte autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita.
Em razões recursais (ID 220086332), a parte autora suscita, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento do direito de defesa em razão do indeferimento dos pedidos constantes nos autos quanto à realização das provas requeridas, razão pela qual pugna pela anulação da r. sentença, com o retorno dos autos à origem para realização das provas vindicadas, ou que seja o feito convertido em diligência de monitoramento no ambiente de trabalho em que a apelante exerceu atividades e que não foram reconhecidas como especiais para sentença apelada. No mérito, sustenta que a documentação juntada seria suficiente para comprovar o exercício de atividade enquadrada como especial nos períodos vindicados, pugnando pela total procedência do pleito revisional, com a concessão da aposentadoria especial.
Sem contrarrazões nos autos.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007167-36.2020.4.03.6119
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: CARLOS CESAR NUNES DIAS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
Preliminar – cerceamento de defesa
Conforme o disposto no artigo 370 do Código de Processo Civil de 2015, cabe ao juiz, na condução do processo, verificar a necessidade de realização de prova, entre as espécies admitidas pelo ordenamento jurídico pátrio, a fim de viabilizar a adequada cognição da controvérsia.
Com efeito, o ônus da prova cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, inciso I, do CPC, devendo esta produzir a prova que entende necessária para comprovação de seu direito, não cabendo ao Judiciário produzir prova em benefício de quaisquer das partes dos autos, salvo comprovada impossibilidade, por exemplo, negativa da empresa em fornecer laudo técnico ou PPP, o que não restou comprovado nos autos.
Ademais, em regra, em se tratando de empresas em atividade, incumbe à parte autora provar suas alegações, instruindo o feito com os documentos exigidos pela lei da época (Laudo, formulários, PPP's).
Em relação às empresas inativas, o eventual deferimento de perícia por similaridade depende de que o autor aponte o estabelecimento similar na qual deverá ser feita a perícia, demonstrando ainda que há efetivamente similaridade entre as atividades desempenhadas e no mesmo período e a real impossibilidade de perícia na empresa empregadora, ressaltando que a prova pericial precisa ser capaz de retratar adequadamente o ambiente de trabalho.
No caso, o autor requereu a produção de prova pericial, sobretudo em relação às empresas inativas. Ou seja, não se quedou inerte e obteve a documentação pretendida, mesmo após o encerramento da instrução processual. O apelante insiste na necessidade de realização de perícia por similaridade porque a empresa havia encerrado suas atividades, o que inviabiliza a obtenção do formulário em comento hígido e completo.
Em sede de decisão interlocutória (ID 220086314), o Juízo de primeira instância determinou a produção de prova testemunhal, uma vez que a profissiografia da parte autora não permite inferir a atividade em que e mesma estava inserida para fins de produção de perícia indireta, na mesma decisão, indeferiu o pedido de depoimento pessoal da parte autora, nos seguintes termos:
“A parte autora pretende a produção de prova pericial para os períodos de 01.07.1979 a 02.02.1980, em que trabalhou na empresa “Condor Veículos Ltda.”, de 05.08.1982 a 15.10.1982, em que laborou na “Astro S/A Indústria e Comércio” e de 23.02.1981 a 28.05.1982, em que trabalhou na “Vulcouro S/A Indústria e Comércio”.
De acordo com a CTPS do autor, ele trabalhou nessas empresas na função de “ajudante geral”, não havendo documentos que indiquem quais atividades exercia.
Desse modo, considerando que não se sabe quais as atribuições de alguém que exerce a função de "ajudante geral" é impossível a realização de perícia, sendo certo que a parte autora deve apresentar rol de testemunhas, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, tendo em vista que as empresas estão baixadas, sob pena de preclusão da prova pretendida.
Indefiro o pedido de depoimento pessoal do autor a fim de esclarecer as atividades prestadas nas empresas “Condor”, “Astro” e “Vulcouro”, haja vista que se trata de pleito inusitado e ilegal, haja vista que o depoimento pessoal a ser prestado é sempre o da parte contrária (art. 385, CPC).
Quanto à empresa “Maggion Indústrias de Pneus e Máquinas Ltda.”, a parte impugna os PPPs sob o argumento de que é notória a existência de outros agentes nocivos que não estão presentes nos PPPs, havendo risco decorrente da insalubridade (químicos), periculosidade (queda de material e queimadura) e penosidade (postura inadequada) e junta PPRA para demonstrar a exposição a agentes químicos (Id. 45758965 e 39311183, pp. 1-55).
Nesse passo, verifica-se que o PPRA juntado pelo autor se refere ao Setor de Conserto de Pneus e Câmaras, ou seja, diverso daqueles em que a parte autora prestou serviços (Manutenção Máquina Borracha, Manutenção Geral Borracha e Caldeira), de modo que tal documento não é apto a infirmar as informações constantes dos PPPs fornecidos pela empregadora.
Assim sendo, intime-se o representante judicial da parte autora, para que, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, apresente rol de testemunhas com relação às empresas “Condor”, “Astro” e “Vulcouro”, sob pena de preclusão da prova pretendida."
Em nova decisão interlocutória (ID 220086321), o juízo de primeiro grau indeferiu a perícia técnica ambiental, tendo em vista que a parte autora informou não possuir testemunhas, nos seguintes termos:
“Id. 48043399: A parte autora informa que não possui testemunha que comprove quais eram as atividades desempenhadas pelo demandante na função de “ajudante geral” nas empregadoras “Condor Veículos Ltda.”, “Astro S/A Indústria e Comércio” e “Vulcouro S/A Indústria e Comércio”, requerendo envio de ofícios às empesas, bem como a produção de prova pericial.
Tendo em vista que as empresas estão baixadas, inviável a expedição de ofícios e, considerando que o autor não possui documentos nem testemunhas, é impossível a realização de perícia técnica ambiental, eis que não se sabe o que o autor, na condição de "ajudante geral", fazia, conforme já salientado na decisão de Id. 47336810.
Intimem-se os representantes judiciais das partes, para eventual manifestação, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, e nada mais sendo requerido, tornem os autos conclusos para sentença.”
Com efeito, na singularidade dos autos, a parte autora, desde o início, requereu a produção de prova pericial, assim como, demonstrou ter diligenciado a obtenção da documentação que, apesar da debilidade, sugere a exposição a risco, o que não pode ser negligenciado e assim deve ser sopesado. Soma-se a isso que os demais elementos residentes nos autos não autorizam a adequada análise do ambiente de trabalho do demandante.
Nesse cenário e considerando que o ramo de atividade dos empregadores são compatíveis com a exposição a agentes nocivos, entendo que o indeferimento da produção da prova pericial configura cerceamento de defesa.
Nesse sentido, julgados recentes da E. Terceira Seção desta C. Corte, nos quais se reconheceu que o acórdão que mantém o indeferimento de requerimento de produção de prova pericial devidamente justificado pela parte e julga improcedente o pedido por insuficiência de provas viola manifestamente a norma jurídica, configurando o cerceamento de defesa:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. INDEFERIDA PROVA PERICIAL NO FEITO SUBJACENTE. VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA. HIPÓTESE CONFIGURADA.
- Pese embora indeferida a realização de prova pericial, a sentença negou a pretensão autoral inicialmente formulada porque “não foram carreados elementos que comprovem o efetivo exercício da atividade (tratorista) ou que esteve exposto a agentes insalubres e em que intensidade”, e o acórdão conservou a rejeição, no mérito, ante a falta de apresentação pela parte de formulário apropriado para a comprovação.
- Nos termos do art. 332 do Código de Processo Civil de 1973, “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”, e, na redação do art. 369 do Código de Processo Civil atual, “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”.
- O impedimento à produção da prova pericial viola manifestamente as normas jurídicas referidas e o próprio art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, texto no qual capitulado o direito do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal.
- Não se mostra razoável rejeitar a produção de uma prova e indeferir o pedido da parte pela insuficiência, justamente, das que foram apresentadas.
- Devolução dos autos ao juízo primitivo, em sede de juízo rescisório, para que possa realizar a prova almejada pelo segurado com vistas à comprovação do direito alegado. (TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5004932-52.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, julgado em 30/11/2022, DJEN DATA: 06/12/2022)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, DO CPC. OUTRO FUNDAMENTO. APOSENTADORIA ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROCEDÊNCIA. ANULAÇÃO DO JULGADO PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO SUBJACENTE.
[...]
3. Da análise dos autos subjacentes, verifica-se que a parte autora pleiteou, já na petição inicial, a realização de perícia técnica em relação às atividades descritas (ID 255020502 - Pág. 122). Em sua réplica, também requereu a realização da prova técnica (ID 255020502 - Pág. 290/316), o que restou indeferido pela r. decisão de ID 255020502 - Pág. 317. Do teor da sentença, constata-se que a análise da efetiva exposição aos agentes nocivos restou limitada ao agente ruído, diante da suficiência do PPP, tendo sido julgado parcialmente procedente o pedido (ID 255020502 - Pág. 346). No recurso de apelação, postulou a parte autora, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa (ID 255020502 - Pág. 354/355), notadamente pela análise da especialidade da atividade ter se limitado ao agente ruído, o que restou afastado no r. voto rescindendo. Nota-se, pois, que a análise da necessidade da prova ficou limitada à prova oral, silenciando a respeito da pertinência da prova pericial técnica requerida.
4. A realização da perícia técnica pretendida pelo autor seria fundamental para o adequado esclarecimento dos fatos. Todavia, em tendo sido negada essa possibilidade, afigura-se-me que não se poderia rechaçar a sua pretensão com fundamento exatamente em insuficiência de provas, especialmente quando se sabe a grande dificuldade que os trabalhadores têm para obter diretamente das empresas tais tipos de documentos.
5. Configurada a violação ao artigo 5º, LV, da Constituição da República ("aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"), nos termos do artigo 966, V, do Código de Processo Civil.
[...] (Sessão de 25.05.2023. AR 5004539-30.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO)
Desse modo, é aceita a realização de perícia indireta no caso em que comprovada a extinção da empresa. Contudo, não é possível a esta Turma se pronunciar, sob pena de supressão de instância, com violação ao duplo grau de jurisdição, tendo em vista que falta ao Juízo a quo determinar a realização de prova pericial indireta judicial.
Desse modo, a sentença proferida não pode fundar-se em premissa que validasse a sua conclusão. Não havendo tal informação nos autos, não é possível a formação de uma convicção meritória razoável acerca da pretensão inicial.
Entendo que a decisão mais justa do ponto de vista processual, que contempla o princípio do devido processo legal em sua faceta conhecida por “paridade de armas”, é a anulação da sentença para a continuação da instrução probatória.
Entretanto, saliento que para os períodos em que houve a apresentação de prova documental, a perícia é desnecessária, tendo em vista que a matéria é de direito.
Não parece legítimo postular ao Poder Judiciário diretamente uma perícia judicial para comprovar a presença de agentes nocivos no ambiente de trabalho em empresas que estão em atividade, funcionando regularmente, tendo, inclusive, feito a entrega de PPP. É preciso, isto sim, que o segurado busque acertar a sua relação laboral com as empregadoras, as quais tem a obrigação legal de informar sobre a presença de agentes nocivos no ambiente de trabalho.
Anulada a r. sentença, devem os autos retornarem ao Juízo de origem para regular processamento, oportunizando-se a nomeação de perito judicial especializado para a produção da prova pericial, por similaridade, cabendo às partes formularem os quesitos necessários ao deslinde dos lapsos laborais declinados na fundamentação e indicarem assistente técnico.
Por tais razões, reconheço o cerceamento de defesa a fim de anular a r. sentença vergastada, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem, para regular processamento do feito, a fim de que seja realizada a prova pericial para aferir a especialidade das atividades exercidas pelo requerente nos períodos de 01.07.1979 a 02.02.1980, em que trabalhou na empresa Condor Veículos Ltda., de 05.08.1982 a 15.10.1982, em que laborou na Astro S/A Indústria e Comércio e de 23.02.1981 a 28.05.1982, em que trabalhou na Vulcouro S/A Indústria e Comércio.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da pare autora para acolher a preliminar de cerceamento de defesa e anular a r. Sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem, a fim de que seja realizada prova pericial, para deslinde dos lapsos laborais controversos declinados na fundamentação, nos termos expendidos acima.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE LABOR EXERCIDO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. ANULAÇÃO DA R. SENTENÇA, COM O RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA PRODUÇÃO DA PROVA. PRELIMINAR ACOLHIDA. ANÁLISE DO MÉRITO DA APELAÇÃO PREJUDICADA.
1. Constitui cerceamento do direito constitucional de defesa o indeferimento de prova pericial, requerida pela parte autora no curso da relação processual, que objetivava a demonstração de eventuais condições especiais de labor. Anulação da r. sentença, com o retorno dos autos ao Juízo de origem para produção da prova.
2. Preliminar acolhida. Apelação da parte autora parcialmente provida.
