D.E. Publicado em 09/06/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, dar parcial provimento à apelação da parte autora e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006332-56.2008.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas em face da sentença proferida nos autos da ação em que se pleiteia o reconhecimento de atividade rural sem registro em carteira e a concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para declarar como efetivamente trabalhado pela requerente em atividade rurícola, sem o registro em Carteira Profissional, o período de 16/05/1970 a 31/07/1985 e para condenar a autarquia a implantar em favor da autora o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço a partir da propositura da ação desde que comprovado o recolhimento das contribuições previdenciárias referentes a quatorze anos, sete meses e vinte e seis dias.
Apela a parte autora requerendo o reconhecimento da atividade rural no período de 11/09/1966 a 15/05/1970, bem como a reforma da sentença quanto à determinação de recolhimento das contribuições, os honorários advocatícios e a forma de cálculo do benefício.
Por sua vez apela o INSS sustentando, preliminarmente, a carência de ação em razão da ausência de requerimento administrativo. No mérito, alega que não restou comprovado o labor rural no período pleiteado, sendo indevido o benefício pretendido. Subsidiariamente, requer a reforma da sentença quanto ao termo inicial do benefício.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
É o relatório.
VOTO
Da Preliminar
Quanto à questão do prévio requerimento administrativo, de acordo com o entendimento jurisprudencial adotado por esta Corte Regional, tratando-se de ação de cunho previdenciário, ainda que não se possa condicionar a busca da prestação jurisdicional ao exaurimento da via administrativa, tem-se por razoável exigir que a autora tenha ao menos formulado um pleito administrativo - e recebido resposta negativa - de forma a demonstrar a necessidade de intervenção do Poder Judiciário ante a configuração de uma pretensão resistida.
In casu, todavia, verifica-se que o feito encontra-se sentenciado com análise de mérito, tendo sido julgada procedente a pretensão da autora. Desta forma, ainda que não tenha havido o requerimento administrativo prévio, que em um primeiro momento poderia se caracterizar como um impeditivo para o prosseguimento do feito, nesta fase processual não se mostra razoável a sua exigência, posto que mais do que constituída a lide, já foi declarado o direito. Conduta diversa, nesta situação, iria contra o princípio da razoabilidade.
Assim, rejeito a preliminar.
Passo ao exame do mérito.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição - requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades em razão, sobretudo, da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. A propósito, julgado desta E. Turma e da C. 3ª Seção desta Corte:
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o "início" de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal.
Esse o entendimento esposado em inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça:
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Ademais, é pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira.
A respeito do tema transcrevo o seguinte julgado do STJ:
CTPS e a responsabilidade pelo recolhimento de contribuições
A CTPS constitui prova do período nela anotado, só afastada com apresentação de prova em contrário.
Quanto ao recolhimento das contribuições, preconizava o art. 79, I, da Lei nº 3.807/60 e atualmente prevê o art. 30, I, a, da Lei nº 8.213/91, que é responsabilidade do empregador, motivo pelo qual não se pode punir o empregado urbano pela ausência de recolhimentos, sendo computado o período laborado e comprovado para fins de carência, independentemente de indenização aos cofres da Previdência.
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Caso concreto - elementos probatórios
A parte autora, nascida em 11/09/1952, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural, os seguintes documentos nos quais seu marido é qualificado como lavrador:
- título eleitoral, datado de 17/04/1958 (fls. 26/27);
- certidão de casamento, celebrado em 16/05/1970 (fls. 28);
- certificado de dispensa de incorporação, datado de 12/07/1971 (fls. 29);
- escritura pública de compra e venda de imóvel (fls. 30/31);
- certidão de nascimento dos filhos em 08/04/1971 e 03/11/1979 (fls. 42 e 50);
- declaração cadastral de produtor rural, datadas de 10/06/1986, 29/08/1988 e 16/12/1996 (fls. 43/44 e 48);
- pedido de talonário de produtor (fls. 45/46 e 49);
- nota fiscal de produtor (fls. 51/65).
Colhido o depoimento da autora (fls. 215), esta afirma ter começado a trabalhar aos 12 anos de idade ajudando seus pais em regime de economia familiar em lavouras de café até o ano de 1970 quando se casou. Após o casamento, a autora trabalhou junto de seu marido e cunhados nas terras pertencentes a eles. Declara que continuou a trabalhar na lavoura mesmo enquanto trabalhava em uma malharia. Informa, ainda, que continua a trabalhar na lavoura e que a propriedade da família possuiu quatro alqueires e não possui empregados.
As testemunhas (fls. 213/214), por sua vez, afirmam que conhecem a autora há aproximadamente 35 anos (1972), e que esta sempre trabalhou na lavoura, primeiramente em uma fazenda e após na propriedade rural pertencente à família dela em lavouras de café, milho e feijão. Atestaram ainda que a autora trabalhou em uma malharia, porém nunca deixou de trabalhar na lavoura.
Desse modo, reconheço o trabalho rural exercido pela autora informalmente desde 16/05/1970 (data em que se casou) a 31/07/1985 (data anterior ao seu primeiro registro em CTPS). Esclareço que, pela análise do conjunto probatório, não é possível o reconhecimento dos demais períodos alegados sem registro em CTPS, uma vez que ausente qualquer prova documental ou oral que evidencie a atividade rural da autora nestes períodos.
Assim, considerado todo o tempo constante na CTPS da autora e extrato CNIS até a presente data, somado ao tempo reconhecido de atividade rural, a autora possui 35 anos e 12 dias de atividade laborativa e recolhimento de contribuições. Tendo cumprido a carência prevista no art. 142 da Lei de Benefícios, faz jus à aposentadoria integral por tempo de serviço.
Observo que o tempo de serviço posterior ao ajuizamento deve ser computado, segundo o disposto no art. 493 do CPC/2015, e tendo em vista que tal informação consta no banco de dados (CNIS) da Autarquia, não se trata de fato novo ao INSS.
O termo inicial do benefício deverá ser fixado na data em que a autora completou todos os requisitos legais após o ajuizamento da ação (30 anos de tempo de serviço), conforme planilhas em anexo.
O benefício será calculado nos termos do artigo 29 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.876/99, correspondendo à média dos maiores salários de contribuição, correspondentes a 80% do período contributivo e aplicando-se o fator previdenciário.
Deixo de condenar a autarquia em honorários advocatícios, uma vez que a procedência do pedido baseou-se em período laborado no curso da ação. À época do ajuizamento, a autora não havia preenchido os requisitos para obtenção do benefício, não tendo a autarquia, portanto, dado causa à demanda.
Ante a constatação de que a autora já recebe atualmente o benefício de aposentadoria por idade (NB 150.423.134-9 - DIB 12/09/2012), anote-se a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado ao benefício concedido, a mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei, sendo-lhe concedido o direito de optar pelo benefício que entender mais vantajoso (art. 124, Lei nº 8.213/91).
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da parte autora e à apelação do INSS, para considerar que a autora preencheu todos os requisitos para concessão da aposentadoria integral por tempo de serviço após o ajuizamento da ação, quando deve ser fixado o termo inicial do benefício e para deixar de condenar a autarquia em honorários advocatícios.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 31/05/2016 15:55:33 |