Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5867191-31.2019.4.03.9999
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
03/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. IDADE E MISERABILIDADE. DIB. APELAÇÃO
DO INSS IMPROVIDA. APELAÇÃODA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇAREFORMADA
EM PARTE.
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e,
em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos
4 - Do cotejo do estudo social, foi constatado que o núcleo familiar é formado pela requerente e
por sua filha deficiente e, a única fonte de renda da família é o benefício assistencial recebido
pela filha, no importe de um salário mínimo.
5 - A teor do quanto previsto na própria LOAS, o benefício assistencial recebido por outro membro
do núcleo familiar não pode ser computado para a aferição da renda per capita. Nesse sentido,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
conclui-se que a renda per capita é zero. Comprovada a miserabilidade da requerente, por
consequência faz jus ao benefício pretendido.
6 - No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 23/06/2017, data do requerimento
administrativo uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da parte
autora. Precedentes..
7 - Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora provida. Sentença reformada em
parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5867191-31.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOANA MARIA ALICE VILLELA BRAGADINI, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA CAVARZERE DURIGAN - SP245783-N, VERONICA
GRECCO - SP278866-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOANA MARIA ALICE
VILLELA BRAGADINI
Advogados do(a) APELADO: CAMILA CAVARZERE DURIGAN - SP245783-N, VERONICA
GRECCO - SP278866-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5867191-31.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOANA MARIA ALICE VILLELA BRAGADINI, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA CAVARZERE DURIGAN - SP245783-N, VERONICA
GRECCO - SP278866-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOANA MARIA ALICE
VILLELA BRAGADINI
Advogados do(a) APELADO: CAMILA CAVARZERE DURIGAN - SP245783-N, VERONICA
GRECCO - SP278866-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas pela parte autora e pelo INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL – INSS, em ação ajuizada por JOANA MARIA ALICE VILLELA BRAGADINI,
objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição
Federal.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento
dos atrasados de beneplácito assistencial, desde a data do indeferimento administrativo,
acrescidas as diferenças apuradas de correção monetária e juros de mora. Condenou-o, ainda,
no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor das prestações
vencidas até a data da sentença. Foi concedida a tutela antecipada (ID 80043959, p. 1/5).
Em razões recursais, a parte autora pleiteia a modificação da data do início do benefício para a
data do requerimento administrativo, 23/06/2017 (ID 80043963, p. 1/7).
O INSS, por sua vez, pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a demandante
não demonstrou ser hipossuficiente para fins de concessão de benefício assistencial.
Subsidiariamente, requer a fixação da data de início do benefício na data do laudo pericial.
Pleiteia, ainda, no tocante à correção monetária, a aplicação da Lei nº 11.960/2009 (ID
80043969, p. 1/4).
A autora apresentou contrarrazões (ID 80043974, p. 1/8).
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional
Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (ID 132935160, p. 1/4), no sentido do provimento da
apelação da parte autora e do desprovimento do recurso autárquico.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A EXMA. SRA. DES. FED. INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de ação visando a concessão do benefício
assistencial, julgada procedente em primeira instância, concedendo o benefício desde a data
do indeferimento administrativo.
Apela a parte autora pleiteando alteração da DIB para a data do requerimento administrativo,
23.06.2017. Apela a autarquia sob o argumento de que não foi preenchido o requisito de
miserabilidade, imprescindivel à concessão do benefício.
O I. Relator deu provimento à apelação da autarquia, para revogar a tutela antecipada
anteriormente concedida e para reformar a r.sentença, por considerar que de fato, o requisito da
miserabilidade não foi preenchido no caso em voga e considerou prejudicada a apelação da
parte autora
Ouso discordar, respeitosamente.
O núcleo familiar, no caso em exame, é formado pela requerente e por sua filha,
deficiente.Residem em imóvel próprio, mas a única fonte de renda da família é o benefício
assistencial recebido pela filha, no importe de um salário mínimo.
A teor do quanto previsto na própria LOAS, o benefício assistencial recebido por outro membro
do núcleo familiar não pode ser computado para a aferição da renda per capita. Conclui-se
portanto, quea renda per capita é zero. Comprovada a miserabilidade da requerente, por
consequência faz jus aobenefício pretendido.
A Requerente não pode ser penalizada com a retirada do benefício, apenas porque outra
pessoa do núcleo também o recebe, ainda maisnum momento tão dificil como o que assola
nosso país e o mundo: além da própria pandemia, do risco constante de adoecer, todos os
cidadãossão obrigados a lidar com a grave crise econômica consequente,agravando-se ainda
mais a miserabilidade dos mais carentes.
Quanto à DIB, é pacífico o entendimento de que deve ser na data do requerimento
administrativo, como pleiteia a autora em sua Apelação.
Diante do exposto, comprovados os requisitos para a percepção do benefício assistencial, voto
por NEGAR PROVIMENTO à Apelação da autarquia, mantendo a r.sentença por seus próprios
fundamentos e DAR PROVIMENTO à Apelação da parte autora, alterando a DIB para
23.06.2017.
É como voto.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5867191-31.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOANA MARIA ALICE VILLELA BRAGADINI, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: CAMILA CAVARZERE DURIGAN - SP245783-N, VERONICA
GRECCO - SP278866-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOANA MARIA ALICE
VILLELA BRAGADINI
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GRECCO - SP278866-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-
se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a
nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade
individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre
que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem
social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa
e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração
da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas
como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte
redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada,
dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de
1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos
foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio
permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício
de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do
Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção
do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo
vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão
por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia
repetitiva assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre
convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de
provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida
como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode
admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o
seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03,
referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se
considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício
previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a
ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado
e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu
no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado
segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do
benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
Do caso concreto.
Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
pessoa idosa e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por
sua família.
O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 10 de
junho de 2018 (ID 80043952, p. 1/3), informou que o núcleo familiar é formado por esta e a sua
filha.
Residem em imóvel próprio. A casa é de “alvenaria, telhado de barro, com forro de PVC, chão
de piso frio, muros na lateral e grades na frente”. A moradia é constituída por seis cômodos,
sendo dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área externa e banheiro.
A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria do benefício assistencial
recebido pela filha da requerente, ADRIANA CARLA BRAGADINI, no valor de um salário
mínimo (R$ 954,00).
As despesas relatadas, envolvendo gastos com alimentação/higiene, água, energia,
medicamentos e imposto predial, cingiam a aproximadamente R$ 642,00.
A renda per capita familiar, considerado o benefício supra, estaria no limite do parâmetro
jurisprudencial de miserabilidade, de ½ (metade) de um salário mínimo. No entanto, mesmo que
desprezado tal critério, de acordo com os dispêndios detalhados, os rendimentos são
suficientes para fazer frente aos gastos dos seus integrantes.
Ademais, não deve ser ignorado que a filha da requerente já está recebendo o mesmo
beneplácito assistencial ora postulado – cujos valores, em melhor análise, são revertidos para
toda a família – garantindo-lhes, se não o valor ideal, ao menos o mínimo, o essencial para a
sobrevivência e para as suas despesas.
Repisa-se que as condições de habitabilidade são satisfatórias e o mobiliário que guarnece a
residência atende às necessidades básicas da família. A região situa-se em local de fácil
acesso e é dotada de boa infraestrutura, dispondo de “saneamento básico, iluminação pública,
coleta seletiva de lixo” e “atendimento médico”.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar também não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não
fazendo, portanto, a parte autora, jus ao benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada
é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou
seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e
quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco
deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e 10.741/03
vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o dever de
prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um
salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de
miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento
gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a
garantir o mínimo existencial.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata
tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem
por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento
das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no
pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro no percentual mínimo do §3º do artigo
85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à causa, devidamente
atualizado (art. 85, §2º, do CPC).
Havendo a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no §3º
do artigo 98 do CPC, ficará a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a
situação de insuficiência de recursos que a fundamentou.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, para reformar a r. sentença de 1º grau de
jurisdição e, com isso, julgar improcedente o pedido deduzido na inicial, condenada a parte
autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela
autarquia, bem como no pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados no percentual
mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à
causa, devidamente atualizado, suspensa a sua exigibilidade por 5 (cinco) anos, desde que
inalterada a situação de insuficiência de recursos que a fundamentou, restando prejudicada a
apelação da parte autora.
Revogo os efeitos da antecipação da tutela.
Oficie-se ao INSS.
É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. IDADE E MISERABILIDADE. DIB. APELAÇÃO
DO INSS IMPROVIDA. APELAÇÃODA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇAREFORMADA
EM PARTE.
1 - Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e,
em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
3 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência / idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos
4 - Do cotejo do estudo social, foi constatado que o núcleo familiar é formado pela requerente e
por sua filha deficiente e, a única fonte de renda da família é o benefício assistencial recebido
pela filha, no importe de um salário mínimo.
5 - A teor do quanto previsto na própria LOAS, o benefício assistencial recebido por outro
membro do núcleo familiar não pode ser computado para a aferição da renda per capita. Nesse
sentido, conclui-se que a renda per capita é zero. Comprovada a miserabilidade da requerente,
por consequência faz jus ao benefício pretendido.
6 - No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 23/06/2017, data do requerimento
administrativo uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da
parte autora. Precedentes..
7 - Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora provida. Sentença reformada em
parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO
JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À
APELAÇÃO DA AUTARQUIA E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS
TERMOS DO VOTO DA DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA, COM QUEM VOTARAM O DES.
FEDERAL TORU YAMAMOTO E O DES. FEDERAL LUIZ STEFANINI, VENCIDOS O
RELATOR E O DES. FEDERAL PAULO DOMINGUES QUE DAVAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO DO INSS, RESTANDO PREJUDICADA A APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
LAVRARÁ O ACÓRDÃO A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
