
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002279-57.2020.4.03.6108
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADAO ALVES CORREA
Advogados do(a) APELADO: AILTON APARECIDO TIPO LAURINDO - SP206383-A, ELAINE IDALGO AULISIO - SP348010-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002279-57.2020.4.03.6108
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADAO ALVES CORREA
Advogados do(a) APELADO: AILTON APARECIDO TIPO LAURINDO - SP206383-A, ELAINE IDALGO AULISIO - SP348010-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos para:
(i) enquadrar como atividade especial os intervalos de 02/06/1980 a 30/04/1983, de 01/07/1983 a 25/02/1984 e de 02/04/2007 a 20/05/2016;
(ii) determinar a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo em DER reafirmada (12/11/2019), com efeitos financeiros a partir da data da sentença;
(iii) fixar os consectários legais.
Inconformado, o INSS interpôs apelação, suscitando a impossibilidade de reconhecimento da atividade especial e a inviabilidade da concessão do benefício pleiteado.
Também requer que seja observada a prescrição quinquenal, juntada de autodeclaração, fixação dos honorários advocatícios nos termos da súmula 111 do STJ e a declaração de isenção de custas.
Ao final, o INSS, prequestionou a matéria para fins recursais, com vistas a possível manejo de recursos aos tribunais superiores.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002279-57.2020.4.03.6108
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADAO ALVES CORREA
Advogados do(a) APELADO: AILTON APARECIDO TIPO LAURINDO - SP206383-A, ELAINE IDALGO AULISIO - SP348010-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Na espécie, não incide a norma prevista no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC (remessa necessária), pois o valor da condenação ou o proveito econômico estimado não ultrapassa mil salários mínimos. Prevalece, nesse ponto, a certeza matemática em detrimento da aplicação automática da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nos termos do princípio tantum devolutum quantum appellatum, passo à análise das questões efetivamente impugnadas pelas partes em recurso.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Agente Nocivo Ruído
Os limites legais de tolerância ao ruído são:
(i) até 5/3/1997: acima de 80 dB;
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB;
(iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB.
Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada.
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI.
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso;
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
Analisados os autos, é possível reconhecer a especialidade dos períodos de 02/06/1980 a 30/04/1983 e de 01/07/1983 a 25/02/1984, pois há Perfis Profissiográfico Previdenciário, os quais comprovam o exercício das funções de tratorista pela parte autora, situação que permite o reconhecimento de sua natureza especial, por enquadramento profissional, possível até 28/4/1995, pois a jurisprudência dominante equipara-o ao "motorista de ônibus" ou "motorista de caminhão". Nesse sentido: TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - Apelação Cível - 5794538-31.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal Paulo Sergio Domingues, julgado em 27/05/2021, DJEN data: 09/06/2021.
Também é viável o enquadramento do interregno de 2/4/2007 a 20/5/2016, pois há PPP que anota a exposição habitual e permanente a ruídos superiores aos limites de tolerância previstos na norma de regência.
A mera indicação, no PPP, de fornecimento EPI considerado eficaz não descaracteriza a nocividade do agente ruído, nos termos do entendimento firmado pelo STF no Tema 555 da repercussão geral.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição e programada
A concessão do benefício previdenciário, independentemente da data do requerimento administrativo e considerado o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época da reunião de todos os requisitos, deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao segurado(a), a ser devidamente analisada na fase de cumprimento de sentença.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime de repercussão geral (RE 630.501/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 21/2/2013, DJe de 23/8/2013, pub. em 26/8/2013).
No caso dos autos, verifica-se que somados os períodos enquadrados, devidamente convertidos, ao montante incontroverso apurado administrativamente, a parte autora contava mais de 35 anos até a data da DER reafirmada, restando preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício deferido, nos termos apurados pela sentença.
Tendo em vista as disposições da EC n. 103/2019 sobre acumulação de benefícios em regimes de previdência social diversos (§§ 1º e 2º do art. 24), é necessária a apresentação de declaração, nos moldes do Anexo I da Portaria PRES/INSS n. 450/2020, na fase de cumprimento do julgado.
Quanto à condenação dos honorários advocatícios, considerado que teve por base o valor dado à causa, não houve o cômputo das parcelas vencidas posteriores à data da sentença.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Dispositivo
Diante do exposto:
I – dou parcial provimento ao recurso, apenas para ajustar os consectários.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5002279-57.2020.4.03.6108 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | ADAO ALVES CORREA |
Ementa: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO POR CATEGORIA PROFISSIONAL. RUÍDO. EPI. INEFICÁCIA PRÁTICA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DIREITO ADQUIRIDO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. CONSECTÁRIOS AJUSTADOS.
I. CASO EM EXAME
-
Ação de conhecimento ajuizada em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de atividade especial e a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
-
Sentença que reconheceu parcialmente os pedidos, concedeu o benefício previdenciário desde a DER reafirmada, fixou efeitos financeiros a partir da sentença e estabeleceu consectários legais.
-
INSS interpôs apelação alegando impossibilidade de reconhecimento de tempo especial, inviabilidade do benefício, prescrição quinquenal, necessidade de autodeclaração, limitação dos honorários conforme Súmula 111 do STJ e isenção de custas.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
-
Há quatro questões em discussão:
(i) definir se é possível reconhecer o tempo especial com base em enquadramento por categoria profissional e em exposição a ruído acima dos limites legais;
(ii) estabelecer se o fornecimento de EPI eficaz descaracteriza a especialidade da atividade;
(iii) verificar se foram preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição;
(iv) ajustar os consectários legais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
Do tempo de serviço especial
5. O enquadramento do tempo especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum é regulada pela norma vigente quando o segurado reúne os requisitos para aposentadoria (STJ, Temas 422 e 546).
6. A EC n. 103/2019 veda a conversão de tempo especial em comum após sua vigência, mas preserva o direito adquirido para períodos anteriores.
Do ruído
7. A exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites legais caracteriza tempo especial, sendo inviável a aplicação retroativa de limites mais benéficos (STJ, Tema 694).
Do EPI
8. STF (Tema 555) e STJ (Tema 1.090): o fornecimento de EPI não descaracteriza o tempo especial quando se tratar de exposição a ruído acima dos limites legais, agentes cancerígenos, biológicos ou periculosos.
9. A mera indicação de fornecimento de EPI tido como eficaz no PPP não é suficiente para afastar a especialidade da atividade.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
10. Preenchidos os requisitos de tempo de contribuição, admite-se a concessão do benefício na forma mais vantajosa ao segurado, nos termos da jurisprudência do STF em repercussão geral (RE 630.501).
Dos consectários
11. Os honorários advocatícios devem incluir as parcelas vencidas até a data da sentença.
12. O INSS é isento de custas no Estado de São Paulo, mas deve ressarcir despesas processuais eventualmente adiantadas pela parte autora.
IV. DISPOSITIVO E TESE
-
Recurso parcialmente provido, apenas para ajustar os consectários.
Tese de julgamento:
-
O tempo de serviço especial deve ser reconhecido conforme a legislação vigente à época da atividade, admitindo-se o enquadramento por categoria profissional até 28/04/1995.
-
A exposição a ruído acima dos limites legais caracteriza atividade especial, ainda que conste fornecimento de EPI tido como eficaz.
-
Preenchidos os requisitos, é devida a aposentadoria por tempo de contribuição, assegurada a condição mais vantajosa ao segurado.
Dispositivos relevantes: Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXVI; artigo 195, § 5º; EC n. 103/2019, artigo 25, § 2º; Lei n. 8.212/1991, artigo 30, inciso I; CPC, artigo 496, § 3º, inciso I; Decretos n. 53.831/1964, 83.080/1979 e 2.172/1997; IN INSS n. 128/2022, artigo 291.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
