
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013220-70.2023.4.03.6105
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDA DONIZETE DE LIMA SILVA
Advogado do(a) APELADO: JULIANA PAVIOTTI - SP484799-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013220-70.2023.4.03.6105
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDA DONIZETE DE LIMA SILVA
Advogado do(a) APELADO: JULIANA PAVIOTTI - SP484799-A
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, pretendendo o reconhecimento de labor especial e a conversão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, desde a DER.
A r. sentença (ID 334479019) consignou em sua parte dispositiva:
“Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado, para reconhecer que a autora exerceu atividades em condições especiais, no período de 01/10/86 a 25/09/13, e condenar o INSS à conversão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 163.095.805-8) em aposentadoria especial (B46), desde 25/09/13. DIP fixada no primeiro dia do mês em curso. Condeno ainda o INSS ao pagamento das diferenças vencidas entre a DIB e a DIP, respeitada a prescrição quinquenal. O índice para correção monetária e juros de mora será a SELIC, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021. Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do representante judicial da parte autora, que fixo no percentual legal mínimo (art. 85, § 3º, do CPC), incidente sobre o valor da condenação. Custas pelo INSS, em reembolso à autora. Indefiro a antecipação dos efeitos da tutela, uma vez que a autora encontra-se em gozo de benefício de aposentadoria e recebe seus proventos de forma regular. Embora se trata de benefício de caráter alimentar, não está evidenciado o perigo de dano. Oportunamente, arquivem-se os autos observadas as cautelas de praxe. Int.”
Em razões recursais (ID 334479026), o INSS insurge-se em parte contra o tempo especial reconhecido na r. sentença e a conversão do benefício em aposentadoria especial. Sustenta sua ilegitimidade de parte para análise de tempo especial de atividade desenvolvida em regime próprio de previdência social. Subsidiariamente, pugna para que os honorários de advogado sejam fixados nos termos da Súmula 111 do STJ.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta instância para decisão.
É o relatório.
cm
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013220-70.2023.4.03.6105
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDA DONIZETE DE LIMA SILVA
Advogado do(a) APELADO: JULIANA PAVIOTTI - SP484799-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
1. DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
O primeiro diploma legal brasileiro a dispor sobre a aposentadoria por tempo de serviço foi a Lei Eloy Chaves, Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Referido benefício era concedido apenas aos ferroviários, possuindo como requisito a idade mínima de 50 (cinquenta) anos, tendo sido suspensa no ano de 1940.
Somente em 1948 tal aposentadoria foi restabelecida, tendo sido mantida pela Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS), que preconizava como requisito para a concessão do benefício o limite de idade de 55 (cinquenta e cinco) anos, abolido, posteriormente, pela Lei nº 4.130, de 28 de agosto de 1962, passando a adotar apenas o requisito tempo de serviço.
A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional nº 1/69, também disciplinaram tal benefício com salário integral, sem alterar, no entanto, a sua essência.
A atual Carta Magna manteve o benefício, disciplinando-o em seu art. 202 (redação original) da seguinte forma:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei:
(...)
§1º: É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher."
Antes da Emenda Constitucional n. 20/98, de 15 de dezembro de 1998, preceituava a Lei nº 8.213/91, nos arts. 52 e seguintes, que o benefício de aposentadoria por tempo de serviço era devido ao segurado que, após cumprir o período de carência constante da tabela progressiva estabelecida pelo art. 142 do referido texto legal, completar 30 anos de serviço, se homem, ou 25, se mulher, iniciando no percentual de 70% do salário-de-benefício até o máximo de 100% para o tempo integral aos que completarem 30 anos de trabalho se mulher, e 35 anos de trabalho se homem.
Na redação original do art. 29, caput, §1º, da Lei de Benefícios, o salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36, apurados no período não superior a 48 meses. Ao segurado que contava com menos de 24 contribuições no período máximo estabelecido, o referido salário corresponde a 1/24 da soma dos salários-de-contribuição.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço foi convertida em aposentadoria por tempo de contribuição, tendo sido excluída do ordenamento jurídico a aposentadoria proporcional, passando a estabelecer, nos arts. 201 e 202 da Constituição Federal:
"Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:
(...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidos as seguintes condições:
I - 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher;
Art. 202 O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
(...)"
Entretanto, o art. 3º da referida Emenda garantiu o direito adquirido à concessão da aposentadoria por tempo de serviço a todos aqueles que até a data da sua publicação, em 16 de dezembro de 1998, tivessem cumprido todos os requisitos legais, com base nos critérios da legislação então vigente.
Foram contempladas, portanto, três hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da EC n. 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até o mesmo prazo e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
2. DO RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL
Para o reconhecimento da natureza especial da atividade exercida e a conversão desse intervalo especial em comum, cabe ao segurado demonstrar o trabalho em exposição a agentes agressivos, nos termos da lei vigente à época da prestação do trabalho, observando-se o princípio tempus regit actum (Pet 9.194/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
2.1 PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº 9.032/95
Destarte, no período anterior à edição da Lei nº 9.032/95, o direito à aposentadoria especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais naquela ocasião é reconhecido em razão da categoria profissional exercida pelo segurado ou pela sua exposição aos agentes nocivos descritos nos Anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, a ser comprovada por meio da apresentação de SB 40, sem a necessidade de apresentação de laudo técnico, exceção feita à exposição ao ruído.
2.1.1 PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.032/95 ATÉ A EDIÇÃO DO DECRETO Nº 2.172, DE 5 DE MARÇO DE 1997
A comprovação da atividade especial exercida após a edição da Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995 - que promoveu a alteração do art. 57 da Lei n. 8213/91 - se dá com a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, mediante a apresentação do formulário DSS-8030 (antigo SB 40), o qual se reveste da presunção de que as circunstâncias de trabalho ali descritas se deram em condições especiais, não sendo, portanto, imposto que tal documento se baseie em laudo pericial, com exceção ao limite de tolerância para nível de pressão sonora (ruído).
Anote-se que a relação dos agentes nocivos constante do Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, vigoraram até o advento do Decreto Regulamentar nº 2.172/97, de 5 de março de 1997, do Plano de Benefícios, sendo substituído pelo Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999.
Relevante consignar que a partir da Lei nº 9.032/95 não é mais possível o reconhecimento da atividade especial, unicamente, com fulcro no mero enquadramento da categoria profissional.
2.1.2 PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DO DECRETO Nº 2.172, DE 5 DE MARÇO DE 1997 E DEMAIS CONSIDERAÇÕES
Com a edição do Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997, que regulamentou a Medida Provisória nº 1523/96, convertida na Lei nº 9.528/97, é indispensável a apresentação de laudo técnico para a comprovação de atividade especial.
Cabe esclarecer que a circunstância de o laudo não ser contemporâneo à atividade avaliada não lhe retira absolutamente a força probatória, em face de inexistência de previsão legal para tanto e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral (AC 0022396-76.2005.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Candido Moraes, 2ª Turma, e-DJF1 p.198 de 18/11/2014). Súmula 68 da TNU.
Além disso, é de se apontar que o rol de agentes insalubres, como também das atividades penosas e perigosas, não se esgotam no regulamento, tal como cristalizado no entendimento jurisprudencial na Súmula/TFR n. 198:
"Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento."
Nesse sentido, julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 395988, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 18.11.2003, DJ 19.12.2003, p. 630; 5ª Turma, REsp nº 651516, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07.10.2004, DJ 08.11.2004, p. 291.
2.2 USO DO EPI
Em razão do julgamento do Tema 1090 pelo STJ é importante tecer alguns esclarecimentos sobre a questão atinente ao uso e eficácia de EPI - equipamento de proteção individual para fins de neutralizar o agente insalubre a fim de descaracterizar a natureza especial da atividade exercida pelo empregado.
No que concerne ao uso de EPI, é certo que o STF, no julgamento do ARE 664335 (tema 555), assentou a tese de que o reconhecimento de atividade especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o equipamento de proteção individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento. Além disso, restou assentado que, em relação ao ruído o uso de protetor auricular para reduzir o nível aos limites toleráveis não é eficaz para evitar os outros danos ao organismo.
Sobre a prova da eficácia do EPI o STJ em recente julgamento do Tema 1090 firmou a seguinte tese:
“I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido.
II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI.
III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor.”
2.3 DA CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM PARA FINS DE APOSENTADORIA ESPECIAL.
Observo que, em se tratando de aposentadoria especial, são considerados somente os períodos trabalhados nessa condição, descabendo a conversão dos lapsos temporais com a aplicação do fator de conversão respectivo.
Entretanto, é de ressaltar que, para fins de contagem de tempo de serviço objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a teor do julgamento do REsp 1.310.034 e do REsp 1.151.363, ambos submetidos ao regime do art. 543-C do CPC, inexiste óbice para se proceder à conversão de tempo serviço especial em comum, seja antes da Lei 6.887/80, seja após Lei n. 9.711/1998.
2.4 DA CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO COMUM EM ESPECIAL
O direito à conversão do tempo de serviço comum em especial, para fins de concessão de aposentadoria especial, prevaleceu no ordenamento jurídico até a vigência da Lei nº 9.032/95 (28/04/1995) que, ao dar nova redação ao §3º do art. 57 da Lei n. 8.213/91, suprimiu tal possibilidade.
Desta feita, para os pedidos de aposentadoria especial, formulados a partir de 28/04/1995, inexiste previsão legal para se proceder à conversão.
Nesse sentido, a jurisprudência:
"PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO COMUM. CONVERSÃO A ESPECIAL. VEDAÇÃO DA LEI Nº 9.032/95. INCIDÊNCIA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. INVIABILIDADE. COMPLEMENTAÇÃO DE PROVENTOS POR ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECONHECIMENTO.
(...)
IV - A aposentadoria especial requer a prestação de trabalho sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física por 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme o caso. Aplicação do art. 57, caput, da Lei nº 8.213/91, na redação da Lei nº 9.032/95.
V - (...)
VI - Quanto à conversão do tempo de serviço comum ao tipo especial, para fins de concessão de aposentadoria especial, sua viabilidade perdurou até a edição da Lei nº 9.032/95, em virtude da redação então atribuída ao § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
VII - A vedação legal de transformação de tempo de trabalho comum em especial alcança todos os pleitos de benefício formulados a contar da entrada em vigor da nova lei, porquanto o que está protegido seja pelo ato jurídico perfeito, seja pelo direito adquirido, é o reconhecimento da natureza do trabalho prestado (se comum ou especial) em conformidade com legislação vigente à época de seu exercício.
VIII - Não se deve confundir norma de conversão de tempo de serviço com norma de caracterização de atividade laborativa, porque, na hipótese da prestação de labor de natureza comum, não há, por óbvio, condição outra a ser a ela atribuída, sujeitando-se o segurado, por isso, às regras impostas pelo legislador e vigentes quando da reunião dos requisitos necessários à obtenção da prestação de seu interesse, as quais podem depender de múltiplos fatores, sem que se possa extrair violação a qualquer dispositivo constitucional.
IX - Na data do requerimento da aposentadoria por tempo de serviço, deferida na via administrativa em 05 de junho de 1996, já vigorava a proibição para a conversão, em especial, da atividade de natureza comum exercida nos períodos acima mencionados.
X - (...)
XI - Excluída da relação processual a Fundação Cosipa de Seguridade Social, com a extinção do processo, sem julgamento do mérito. Apelação improvida, no tocante ao pleito de conversão da aposentadoria por tempo de serviço para aposentadoria especial" (g.n.).
(AC 2001.03.99.059370-0, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, j. 31.05.2010, DJF3 CJ1 08.07.2010, p. 1257)
2.5 DA FONTE DE CUSTEIO
Ressalto que no julgamento realizado, em sessão de 4/12/14, pelo Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, na Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do E. Ministro Luiz Fux, a Corte Suprema, afastou a alegação, suscitada pelo INSS, de ausência de prévia fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial.
Na ementa daquele julgado constou:
A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/88, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição.
Deveras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma constitucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/88). Precedentes: RE 151.106 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28/09/1993, Primeira Turma, DJ de 26/11/93; RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 03/03/98, Segunda Turma, DJ de 04/09/1998.
Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88, e depois da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou evinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
O E. Relator, em seu voto, deixou bem explicitada a regra que se deve adotar ao afirmar:
"Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88). Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição".
3. AGENTES INSALUBRES
AGENTES BIOLÓGICOS
A exposição a agentes biológicos é considerada prejudicial à saúde, estando prevista no item 1.3.0 do Decreto n.º 53.831/64, 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e 3.0.1 do Decreto nº 2.172/97, cuja sujeição a agentes nocivos é presumida até a Lei nº 9.032/95.
4. DO CASO DOS AUTOS
A parte autora recebe aposentadoria por tempo de contribuição, concedida em 25/09/2013, e requer sua conversão em aposentadoria especial, desde a DER (ID 334479013 - Pág. 1).
A r. sentença reconheceu a especialidade do labor exercido pela demandante, no intervalo de 01/10/86 a 25/09/13, bem como determinou a conversão do benefício em aposentadoria especial, desde a DER.
Insurge-se o INSS em seu apelo, apenas contra o enquadramento do lapso de 01/10/86 a 14/06/98, em que a parte autora laborou como auxiliar de serviços gerais no Centro de Saúde III de Monte Mor, em Regime Próprio de Previdência Social do Estado de São Paulo (ID 334478927 - Pág. 2 e 334478998 - Pág. 9).
De fato, neste caso, o INSS é parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente demanda, no que tange ao reconhecimento da especialidade do labor, como auxiliar de serviços gerais em unidade de saúde vinculada ao Estado de São Paulo, no período de 01/10/1986 a 14/07/1998, em Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), nos termos da Certidão de Tempo de Contribuição – CTC (IDs 334478998 - Pág. 9/11), devendo eventual pedido ser formulado ao órgão expedidor da referida Certidão de Tempo de Contribuição.
Nesse sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. PARCIAL ENQUADRAMENTO. PERÍODO DE TRABALHO EM REGIME PRÓPRIO. ILEGITIMIDADE DE PARTE DO INSS. PRESENTES OS REQUISITOS.
- Não compete à autarquia previdenciária o exame da especialidade aventada e sim ao próprio ente federativo, no qual a parte autora desenvolveu as atribuições vinculadas ao RPPS, atestar a insalubridade e, ao expedir a certidão de tempo de serviço para fins de contagem recíproca, mencionar a atividade em sua totalidade, já incluindo os acréscimos decorrentes da conversão.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
(...)
- Apelação do INSS não provida.
- Apelação da parte autora não provida” (TRF3, Nona Turma, AC 5285151-15.2020.4.03.9999; Rel. Des. Fed. DALDICE SANTANA, j. em 17.06.21, DJEN DATA: 24/06/2021).
"PREVIDENCIÁRIO - REVISIONAL DE BENEFÍCIOS - ALTERAÇÃO DE COEFICIENTE DE CÁLCULO DE BENEFÍCIO - RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL - INSALUBRIDADE - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL - APELAÇÃO DO INSS PROVIDO - PREQUESTIONAMENTO.
- Prestando, o autor, serviços em condições especiais, nos termos da legislação vigente à época, anterior à edição do Decreto nº 2.172/97, faz jus à conversão do tempo de serviço prestado sob condições especiais em comum, para fins de aposentadoria, a teor do já citado art. 70 do Decreto 3.048/99.
- Cabe ao ente federativo em que o autor desenvolveu a atividade vinculada ao regime próprio de previdência, atestar a especialidade e, ao exarar a certidão de tempo de serviço para fins de contagem recíproca, mencionar a atividade na sua totalidade, já incluindo os acréscimos decorrentes da conversão.
- Não observada esta exigência, e entendendo o segurado malferência ao direito do enquadramento, deve demonstrar sua irresignação na justiça competente para processar e julgar causas ajuizadas em face do ente em que prestou serviço, na hipótese, a Justiça Estadual.
- Ante o óbice instransponível em apreciar a especialidade aventada, face à incompetência absoluta da Justiça Federal, é improcedente o pleito de majoração do benefício.
(...)."
(TRF/3ª Região; APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002678-03.2004.4.03.9999/SP; 2004.03.99.002678-7/SP; RELATORA: Des. Federal EVA REGINA; D.E. Publicado em 14/2/2011)
No mais, não obstante a ilegitimidade passiva do INSS para o reconhecimento de período de atividade especial laborado em Regime Próprio de Previdência Social, o Instituto é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda quanto ao pedido de conversão de aposentadoria por tempo de contribuição concedida no RGPS em aposentadoria especial.
Desta forma, mantém-se o reconhecimento do tempo de serviço laborado no RPPS como tempo comum, já considerado pelo INSS na via administrativa, conforme relacionado no “Resumo De Documentos Para Cálculo De Tempo De Contribuição”, em ID 334478998 - Pág. 14.
Excluído o tempo de serviço especial no período de 01/10/86 a 14/06/98, a parte autora conta com 15 anos e 26 dias de tempo de serviço especial, insuficientes para a conversão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial.
Diante disso, deverá ser procedido o recálculo da RMI do benefício, com base nos novos parâmetros decorrentes da presente revisão do benefício, considerando o período incontroverso, de 15/06/1998 a 25/09/2013, observada a prescrição quinquenal.
Fica o INSS autorizado a compensar valores eventualmente pagos administrativamente ao autor no período abrangido pela presente condenação, efetivados a título de benefício previdenciário que não pode ser cumulado com o presente.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
PREQUESTIONAMENTO
Por derradeiro, cumpre salientar que, diante de todo o explanado, a r. sentença de primeiro grau não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento apresentado pelo INSS em seu apelo.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para julgar extinto o processo sem resolução do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento da especialidade no período de 01/10/1986 a 14/06/1998, conforme art. 485, VI, do CPC/2015 e para reformar em parte a sentença de primeiro grau e julgar improcedente o pedido de conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, ressalvado o direito à revisão da RMI do benefício, observando-se os honorários advocatícios estabelecidos.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5013220-70.2023.4.03.6105 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | APARECIDA DONIZETE DE LIMA SILVA |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL PRESTADA EM REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RPPS). ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. REVISÃO DA RMI. PARCIAL PROVIMENTO.
I. Caso em exame
1. Apelação interposta pelo INSS contra sentença que reconheceu a especialidade das atividades exercidas pela autora no período de 01/10/1986 a 25/09/2013 e determinou a conversão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 163.095.805-8) em aposentadoria especial (B46), desde a DER.
2. O INSS sustenta ilegitimidade para análise de atividade especial prestada em Regime Próprio de Previdência Social do Estado de São Paulo, bem como o indeferimento do pedido de conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial.
II. Questão em discussão
3. A controvérsia consiste em definir: (i) se o INSS possui legitimidade para reconhecer tempo especial exercido em Regime Próprio de Previdência Social; (ii) se a exclusão do período de 01/10/1986 a 14/06/1998 implica ausência de tempo mínimo necessário para conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial; (iii) se, diante da exclusão do período, é cabível a revisão da RMI do benefício.
III. Razões de decidir
4. Com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço foi convertida em aposentadoria por tempo de contribuição, tendo sido excluída do ordenamento jurídico a aposentadoria proporcional, passando a estabelecer o artigo 201 da Constituição Federal o direito à aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, ao completar 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher.
5. Entretanto, o art. 3º da referida Emenda garantiu o direito adquirido à concessão da aposentadoria por tempo de serviço a todos aqueles que até a data da sua publicação, em 16 de dezembro de 1998, tivessem cumprido todos os requisitos legais, com base nos critérios da legislação então vigente.
6. Ao segurado inscrito perante o Regime Geral de Previdência Social anteriormente à promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, mas que, nessa data (16 de dezembro de 1998), ainda não tivesse preenchido os requisitos necessários à sua aposentação, mesmo na forma proporcional, aplicam-se as regras de transição estabelecidas pelo art. 9º da referida normação constitucional.
7. Foram contempladas, portanto, três hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da EC 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até o mesmo prazo; e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
8. Configurada a ilegitimidade passiva do INSS quanto ao reconhecimento da especialidade do período de trabalho que ocorreu sob as normas do Regime Próprio de Previdência Social, impondo-se, de ofício, a extinção do processo, sem resolução do mérito, quanto à pretensão relativa ao período retro mencionado, ex vi do art. 485, VI, do CPC/2015, à falta de pressuposto de existência da relação processual.
9. O tempo de serviço no RPPS pode ser computado como tempo comum, já considerado administrativamente pelo INSS.
10. Excluído o período de 01/10/1986 a 14/06/1998, a autora permanece com apenas 15 anos e 26 dias de atividade especial, insuficientes para concessão da aposentadoria especial.
11. Mantém-se, contudo, o direito à revisão da RMI do benefício, com base no período especial incontroverso (15/06/1998 a 25/09/2013), observada a prescrição quinquenal e autorizada a compensação de valores pagos administrativamente.
12. Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
IV. Dispositivo e tese
13. Recurso parcialmente provido para extinguir o processo, sem resolução do mérito, quanto ao período de 01/10/1986 a 14/06/1998, e julgar improcedente o pedido de conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, assegurada a revisão da RMI do benefício.
Tese de julgamento: “1. O INSS é parte ilegítima para reconhecer a especialidade de período laborado em Regime Próprio de Previdência Social, competindo ao órgão de origem expedir Certidão de Tempo de Contribuição com a devida classificação. 2. O tempo de serviço em RPPS pode ser computado como tempo comum. 3. A exclusão do período reconhecido em RPPS implica ausência de tempo mínimo para aposentadoria especial, subsistindo apenas o direito à revisão da RMI do benefício, com base no período especial incontroverso.”
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Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, § 9º; CPC/2015, art. 485, VI; Lei nº 8.213/1991, art. 57.
Jurisprudência relevante citada: STF, ADIn nº 1.664-0, Rel. Min. [indicar], Plenário, j. [data]; TRF3, AC 5285151-15.2020.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, 9ª Turma, j. 17.06.2021; TRF3, AC 0002678-03.2004.4.03.9999/SP, Rel. Des. Fed. Eva Regina, j. 14.02.2011.
ACÓRDÃO
Desembargador Federal
