
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135460-48.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARISA VIEIRA RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA MANOELA DOS SANTOS - SP369520-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135460-48.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARISA VIEIRA RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA MANOELA DOS SANTOS - SP369520-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de trabalho não anotado em carteira e de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou procedentes os pedidos para:
(i) reconhecer os intervalos de 23/12/1998 a 04/09/2006 e de 03/01/2007 a 16/05/2010;
(ii) enquadrar como atividade especial os intervalos de 21/06/1993 a 10/11/1997, de 23/12/1998 a 04/09/2006, de 03/01/2007 a 16/05/2010, de 17/05/2010 a 12/11/2019 e de 13/11/2019 a 27/10/2023;
(ii) determinar a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (DER 22/10/2019);
(iii) fixar os consectários legais.
Inconformado, o INSS interpôs apelação, suscitando a impossibilidade de reconhecimento e enquadramento da atividade especial e a inviabilidade da concessão do benefício pleiteado. Alegou, ainda, a necessidade de apresentação de declaração de não acumulação de benefícios, nos termos do artigo 24, §§ 1º e 2º, da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019.
No que se refere aos consectários legais, insurgiu-se contra o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação, requereu a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a isenção do pagamento das custas processuais e a compensação dos valores eventualmente pagos na esfera administrativa ou por força de tutela antecipada.
Ao final, o INSS, prequestionou a matéria para fins recursais, com vistas a possível manejo de recursos aos tribunais superiores.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135460-48.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARISA VIEIRA RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA MANOELA DOS SANTOS - SP369520-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Na espécie, não incide a norma prevista no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC (remessa necessária), pois o valor da condenação ou o proveito econômico estimado não ultrapassa mil salários mínimos. Prevalece, nesse ponto, a certeza matemática em detrimento da aplicação automática da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nos termos do princípio tantum devolutum quantum appellatum, passo à análise das questões efetivamente impugnadas pela parte em recurso.
Do Tempo De Serviço Urbano
O artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991 disciplinam a comprovação de tempo de serviço nos seguintes termos:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)"
Ademais, diferentemente da realidade campesina, o trabalho urbano está sujeito à ostensiva fiscalização do Ministério de Trabalho e deixa vários vestígios de sua ocorrência ao decorrer do tempo, os quais podem ser utilizados para demonstrar a efetiva existência de vinculo trabalhista, nos moldes delineados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A ausência de dados no Cadastro Nacional de Informações Social (CNIS) sobre possíveis vínculos empregatícios do segurado, por si mesma, não impede o cômputo do respectivo período de atividade.
Já com relação à veracidade das informações constantes na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), gozam elas de presunção de veracidade juris tantum e, nessa esteira, as regulares anotações nela contidas prevalecem até prova em contrário, nos termos do Enunciado n. 12 do TST.
Também, diante do princípio da automaticidade (artigo 30, I, "a" e "b", da Lei n. 8.212/1991) é responsabilidade do empregador o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias.
Assim, conquanto não absoluta a presunção, as anotações nela contidas prevalecem até prova inequívoca em contrário, nos termos do Enunciado n. 12 do TST.
Ademais, diante do princípio da automaticidade (artigo 30, I, "a" e "b", da Lei n. 8.212/1991) é responsabilidade do empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias.
No caso dos autos, a parte autora não busca o reconhecimento de tempo de serviço com base em registros na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) ou início de prova material corroborada por testemunhas.
Ao contrário, pretende transformar períodos recolhidos como contribuinte individual — especificamente de 1º/1/1999 a 30/11/1999, de 1º/12/1999 a 31/3/2003, de 1º/4/2003 a 31/08/2006, de 1º/10/2006 a 31/10/2006 e de 1º/1/2007 a 31/5/2010 — em vínculo empregatício nos intervalos de 23/12/1998 a 4/9/2006 e de 3/1/2007 a 16/5/2010.
Embora os interregnos regularmente contribuídos possam ser considerados para fins previdenciários, inclusive ter o enquadramento como tempo especial, desde que devidamente comprovados, não é admissível, no âmbito do processo previdenciário, alegar vínculo empregatício com o objetivo de transferir ao suposto empregador a obrigação pelo pagamento das contribuições em interstícios não recolhidos.
Essa pretensão, portanto, busca imputar ao empregador responsabilidade previdenciária sem que a relação de trabalho tenha sido previamente discutida Justiça Obreira, órgão competente para tal análise, conforme dispõe o artigo 114 da Constituição Federal.
Desse modo, diante da inadequação da via processual escolhida, impõe-se a extinção dos pedidos sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Agente Nocivo Ruído
Os limites legais de tolerância ao ruído são:
(i) até 5/3/1997: acima de 80 dB;
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB;
(iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB.
Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada.
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI.
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso;
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
Inicialmente, faz-se necessário esclarecer que além dos vínculos de trabalho incontroversos, cabe a análise da especialidade requerida em relação aos interregnos recolhidos como contribuinte individual, excluídas as competências recolhidas abaixo do mínimo, pois inviável é sua consideração para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição sem que se proceda a complementação contributiva pertinente (TRF3, Acórdão 5896284-39.2019.4.03.9999, Classe APELAÇÃO CÍVEL (ApCiv) Relator(a) Juíza Federal Conv. VANESSA VIEIRA DE MELLO, 9T, Data 12/12/2019, Data da publicação 18/12/2019, Fonte da publicação e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/12/2019).
Nessa esteira, analisados os autos, é possível reconhecer a especialidade dos períodos de 21/6/1993 a 10/11/1997, de 1º/1/1999 a 30/11/1999, de 1º/12/1999 a 31/3/2003, de 1º/4/2003 a 31/7/2006, de 1º/1/2007 a 30/4/2010, de 17/5/2010 a 12/11/2019 e de 13/11/2019 a 27/10/2023, em razão da exposição habitual e permanente a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, conforme demonstrado no laudo pericial produzido nos locais de prestação de serviço da parte autora – setor de fiação em indústria têxtil.
Ademais, não há impedimento ao reconhecimento da natureza agressiva da atividade desenvolvida por contribuinte individual, desde que comprovada a efetiva submissão a agentes degradantes, como ocorrido neste caso.
É o que se colhe textualmente do enunciado da Súmula 62 da Turma Nacional de Uniformização (TNU):
"O segurado contribuinte individual pode obter reconhecimento de atividade especial para fins previdenciários, desde que consiga comprovar exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física."
Também não cabe cogitar de prévia fonte de custeio para financiamento da aposentadoria especial ao contribuinte individual, uma vez que o reconhecimento do direito não configura instituição de benefício novo, incidindo, ademais, o princípio da solidariedade, aceitável neste enfoque.
De igual modo, não se sustenta o argumento de que contribuição específica, feita pelo empregador em razão da submissão dos empregados a condições especiais de trabalho (art. 22, II, da Lei n. 8.213/1991), não pode também financiar a aposentadoria especial dos segurados individuais, pois o sistema contributivo, adotado no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), tem como pressuposto a repartição de receitas de fundo único que arrecada e financia os benefícios (princípio da solidariedade).
Esse é o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL AO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. POSSIBILIDADE. RESTRIÇÃO DO ART. 64 DO DECRETO N. 3.048/1999. ILEGALIDADE. CUSTEIO. ATENDIMENTO. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, o segurado contribuinte individual faz jus ao reconhecimento de tempo de serviço prestado em condições especiais, desde que comprove o exercício das atividades prejudiciais à saúde ou à integridade física. 2. A limitação de aposentadoria especial imposta pelo art. 64 do Decreto n. 3.048/1999 somente aos segurados empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual cooperado excede sua finalidade regulamentar. 3. Comprovada a sujeição da segurada contribuinte individual ao exercício da profissão em condições especiais à saúde, não há falar em óbice à concessão de sua aposentadoria especial por ausência de custeio específico diante do recolhimento de sua contribuição de forma diferenciada (20%), nos termos do art. 21 da Lei n. 8.212/1991, e também do financiamento advindo da contribuição das empresas, previsto no art. 57, § 6º, da Lei n. 8.213/1991, em conformidade com o princípio da solidariedade, que rege a Previdência Social. 4. Agravo interno desprovido.” (AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1517362 2015.00.40844-5, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe: 12/5/2017)
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SEGURADO INDIVIDUAL. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES PREJUDICIAIS À SAÚDE OU INTEGRIDADE FÍSICA. POSSIBILIDADE. 1. O art. 57 da Lei n. 8.213/91, que regula a aposentadoria especial, não faz distinção entre os segurados, abrangendo também o segurado individual (antigo autônomo), estabelecendo como requisito para a concessão do benefício o exercício de atividade sujeita a condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física do trabalhador. 2. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os benefícios criados diretamente pela própria Constituição, como é o caso da aposentadoria especial (art. 201, § 1º, CF/88), não se submetem ao comando do art. 195, § 5º, da CF/88, que veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio. Precedente: RE 151.106 AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/09/1993, DJ 26-11-1993 PP-25516 EMENT VOL-01727-04 PP-00722. 3. O segurado individual faz jus ao reconhecimento de tempo de serviço prestado em condições especiais, desde que seja capaz de comprovar o exercício de atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos moldes previstos à época em realizado o serviço - até a vigência da Lei n. 9.032/95 por enquadramento nos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979 e, a partir da inovação legislativa, com a comprovação de que a exposição aos agentes insalubres se deu de forma habitual e permanente. 4. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 1473155/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe: 03/11/2015)
Dessa forma, não há óbice para o enquadramento da atividade especial do segurado contribuinte individual.
Assim, deve ser reconhecida a especialidade dos intervalos de 21/6/1993 a 10/11/1997, de 1º/1/1999 a 30/11/1999, de 1º/12/1999 a 31/3/2003, de 1º/4/2003 a 31/7/2006, de 1º/1/2007 a 30/4/2010, de 17/5/2010 a 12/11/2019 e de 13/11/2019 a 27/10/2023.
Da Aposentadoria Por Tempo De Serviço/Contribuição e Programada
A concessão do benefício previdenciário, independentemente da data do requerimento administrativo e considerado o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época da reunião de todos os requisitos, deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao segurado(a), a ser devidamente analisada na fase de cumprimento de sentença.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime de repercussão geral (RE 630.501/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 21/2/2013, DJe de 23/8/2013, pub. em 26/8/2013).
No caso dos autos, verifica-se que somados os períodos enquadrados, devidamente convertidos, ao montante incontroverso apurado administrativamente, a parte autora contava mais de 33 anos até a DER (27/10/2023), restando preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício deferido, nos termos apurados na planilha:
Demais Questões
Quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros concessão, considerado o fato de que o reconhecimento integral da especialidade somente foi possível nestes autos, através da produção de laudo pericial, a questão foi submetida ao rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para resolução da seguinte controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo n. 1.124 (Recursos Especiais n. 1.905.830/SP, 1.912.784/SP e 1.913.152/SP – data da afetação: 17/12/2021):
“Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
Há determinação de suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal (art. 1.037, II, do CPC).
Não obstante, esta Nona Turma tem entendido não haver óbice ao prosseguimento da marcha processual, por ser possível a identificação da parte incontroversa e da parte controvertida da questão afetada, sendo o alcance dos efeitos financeiros uma das consequências da apreciação de mérito, passível de ser tratada na fase de cumprimento do julgado.
Esse entendimento favorece a execução e a expedição de ofício requisitório ou precatório da parte incontroversa do julgado, nos termos do artigo 535, § 4º, do CPC e do Tema n. 28 da Repercussão Geral (RE n. 1.205.530).
Assim, fixo o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Tendo em vista as disposições da EC n. 103/2019 sobre acumulação de benefícios em regimes de previdência social diversos (§§ 1º e 2º do art. 24), é necessária a apresentação de declaração, nos moldes do Anexo I da Portaria PRES/INSS n. 450/2020, na fase de cumprimento do julgado.
No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remeto à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Dispositivo
Diante do exposto:
I – extingo parcialmente o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, em relação ao pedido de reconhecimento do vínculo empregatício durante os períodos de 23/12/1998 a 4/9/2006 e de 3/1/2007 a 16/5/2010, diante da ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo;
II – no mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação: (i) delimitar o enquadramento das atividades especiais aos intervalos de 21/6/1993 a 10/11/1997, de 1º/1/1999 a 30/11/1999, de 1º/12/1999 a 31/3/2003, de 1º/4/2003 a 31/7/2006, de 1º/1/2007 a 30/4/2010, de 17/5/2010 a 12/11/2019 e de 13/11/2019 a 27/10/2023; (ii) fixar os efeitos financeiros da concessão desde a data da citação (parte incontroversa da questão afetada), observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ; (iii) ajustar os demais consectários.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5135460-48.2025.4.03.9999 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | MARISA VIEIRA RODRIGUES |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO E ATIVIDADE ESPECIAL. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. AGENTE NOCIVO RUÍDO. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. EXTINÇÃO PARCIAL SEM MÉRITO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
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Ação de conhecimento ajuizada contra o INSS, em que a parte autora postulou o reconhecimento de períodos laborados sem registro em CTPS e de atividade especial, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. A sentença julgou procedente o pedido, reconhecendo vínculos e atividades especiais, concedendo o benefício desde a DER e fixando consectários. O INSS apelou, arguindo impossibilidade de reconhecimento dos vínculos, ausência de especialidade, necessidade de declaração de não acumulação de benefícios (EC n. 103/2019), além de insurgências quanto aos consectários.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
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Há três questões em discussão:
(i) definir se é possível o reconhecimento de vínculo empregatício em períodos recolhidos como contribuinte individual em ação previdenciária;
(ii) estabelecer se os períodos laborados pela parte autora, inclusive como contribuinte individual, podem ser reconhecidos como tempo especial em razão da exposição a ruído acima dos limites legais;
(iii) fixar o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação e ajustar os consectários legais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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O reconhecimento de vínculo empregatício em períodos de contribuição individual não pode ser discutido em ação previdenciária, devendo ser previamente analisado pela Justiça do Trabalho (CF, artigo 114). A tentativa de imputar ao suposto empregador o recolhimento previdenciário caracteriza inadequação da via processual, impondo a extinção parcial sem resolução de mérito (CPC, artigo 485, IV).
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A atividade especial deve ser reconhecida conforme a legislação vigente à época da prestação do serviço, sendo válida a conversão para tempo comum até a EC n. 103/2019 (STJ, Temas 422 e 546).
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A exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites legais autoriza o reconhecimento da especialidade, independentemente do fornecimento de EPI, em razão da impossibilidade de neutralização integral do agente nocivo (STF, Tema 555; STJ, Tema 1.090).
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O contribuinte individual também pode ter reconhecida a atividade especial, desde que comprovada a efetiva exposição a agentes nocivos, em respeito ao princípio da solidariedade e à jurisprudência consolidada do STJ (REsp 1.473.155/RS; AgInt no REsp 1.517.362/PR).
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O termo inicial dos efeitos financeiros da condenação deve ser fixado na data da citação, diante da afetação da matéria no Tema 1.124 do STJ, ressalvando-se a definição final para a fase de cumprimento de sentença.
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O INSS é isento de custas no Estado de São Paulo, mas deve restituir eventuais valores adiantados pela parte autora. A declaração de não acumulação de benefícios (EC n. 103/2019, artigo 24, §§ 1º e 2º) deve ser apresentada em cumprimento de sentença. Os honorários advocatícios serão fixados na fase de execução, observada a Súmula n. 111 do STJ.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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Extinção parcial do processo, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de reconhecimento de vínculo empregatício. Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento:
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O reconhecimento de vínculo empregatício não pode ser pleiteado em ação previdenciária, competindo à Justiça do Trabalho sua análise.
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O contribuinte individual faz jus ao reconhecimento de atividade especial, desde que comprovada a exposição a agentes nocivos.
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A exposição a ruído acima dos limites legais caracteriza atividade especial, ainda que haja fornecimento de EPI.
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O termo inicial dos efeitos financeiros de benefício concedido judicialmente com base em prova não submetida à esfera administrativa deve ser fixado na data da citação, ressalvada a decisão final no Tema 1.124 do STJ.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, artigos 114, 195, § 5º, e 201, § 1º; EC n. 103/2019, artigo 24, §§ 1º e 2º, e artigo 25, § 2º; Lei n. 8.213/1991, artigos 55 e 57; Lei n. 8.212/1991, artigo 30, I; CPC, artigos 485, IV, e 496, § 3º, I.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
