
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135061-19.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MILTON DE OLIVEIRA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARCOS ANTONIO ZANETINI DE CASTRO RODRIGUES - SP76999-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135061-19.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MILTON DE OLIVEIRA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARCOS ANTONIO ZANETINI DE CASTRO RODRIGUES - SP76999-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qual a parte autora busca o reconhecimento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário na forma prevista no artigo 29-C da Lei n. 8.213/1991.
A sentença julgou procedente o pedido para enquadrar como atividade especial os períodos de 4/5/1984 a 19/6/1984, de 1º/12/1992 a 9/4/1996, de 7/10/1996 a 5/12/1996, de 7/12/1996 a 7/11/2000, de 16/3/2001 a 16/5/2007, de 28/11/2008 a 9/11/2011 e de 23/11/2011 a 13/7/2023 e determinar a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário, desde quando implementou os requisitos (9/10/2019), fixados os consectários legais.
Inconformado, o INSS interpôs apelação, na qual arguiu a ocorrência de prescrição quinquenal e, no mérito propriamente dito, sustentou a impossibilidade de reconhecimento da atividade especial, bem como a inviabilidade da concessão do benefício. Impugnou, ainda, o termo inicial dos efeitos financeiros do benefício.
No que se refere aos consectários legais, requereu a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a isenção do pagamento das custas processuais e a compensação dos valores eventualmente pagos na esfera administrativa ou por força de tutela antecipada.
Ao final, o INSS, prequestionou a matéria para fins recursais, com vistas a possível manejo de recursos aos tribunais superiores.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135061-19.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MILTON DE OLIVEIRA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARCOS ANTONIO ZANETINI DE CASTRO RODRIGUES - SP76999-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Na espécie, não incide a norma prevista no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC (remessa necessária), pois o valor da condenação ou o proveito econômico estimado não ultrapassa mil salários mínimos. Prevalece, nesse ponto, a certeza matemática em detrimento da aplicação automática da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nos termos do princípio tantum devolutum quantum appellatum, passo à análise das questões efetivamente impugnadas pela parte em recurso.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Agente Nocivo Ruído
Os limites legais de tolerância ao ruído são:
(i) até 5/3/1997: acima de 80 dB;
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB;
(iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB.
Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada.
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI.
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso.
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
Analisados os autos, é possível reconhecer a especialidade dos períodos de 7/10/1996 a 5/12/1996, de 7/12/1996 a 5/3/1997, de 19/11/2003 a 16/5/2007 e de 23/11/2011 a 13/7/2023 (com a conversão em tempo de serviço comum até a data de 13/11/2019 - EC n. 103/2019), pois consta laudo técnico judicial (ID 334763540) que demonstra o exercício da atividade de "motorista de caminhão" e "de ônibus", com exposição habitual e permanente ao agente nocivo ruído em nível superior aos limites de tolerância fixados em lei.
Contudo, não é possível o enquadramento dos intervalos de:
(i) 4/5/1984 a 19/6/1984 - a ocupação de "servente de pedreiro" apontada no laudo técnico judicial não está prevista nos decretos regulamentadores, nem pode ser caracterizada como insalubre, perigosa ou penosa por simples enquadramento da atividade (até 28/4/1995), sobretudo quando não evidenciado o desempenho do trabalho em edifícios, pontes e barragens, nos moldes do código 2.3.3, do anexo do Decreto n. 53.831/1964.
Acerca do tema, confira-se (g.n.):
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REMESSA OFICIAL. NÃO CONHECIMENTO. ERRO MATERIAL RETIFICADO DE OFÍCIO. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA EM PARTE. SERVENTE DE PEDREIRO. RUÍDO. REQUISITOS PARA A APOSENTAÇÃO NÃO PREENCHIDOS. VERBA HONORÁRIA. ARTIGO 86, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC. JUSTIÇA GRATUITA. - De acordo com o artigo 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil/2015, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos. - Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, artigo 496 do NCPC, razão pela qual se impõe o afastamento do reexame necessário. - Ainda, vislumbra-se a ocorrência de erro material na r. sentença, o que, nos termos do inciso I, do art. 494 do Código de Processo Civil, pode ser corrigido a qualquer momento de ofício ou a requerimento das partes. - Assim, é de se corrigir o decisum para que conste no dispositivo o reconhecimento do tempo como especial no período de "23/10/1987 a 30/09/1991", em substituição a "30/09/1987 a 23/10/1987". - A Lei nº 8.213/91 preconiza, no art. 57, que o benefício previdenciário da aposentadoria especial será devido, uma vez cumprida a carência exigida, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. - Foram contempladas três hipóteses distintas à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição: segurados que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da EC n. 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até o mesmo prazo e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais. - O Decreto n. 53.831/64, nos itens 2.3.1, 2.3.2 e 2.3.3, elenca as atividades dos trabalhadores em túneis e galerias; trabalhadores em escavações à céu aberto; trabalhadores em edifícios, barragens, pontes e torres, sendo que a simples menção na carteira de trabalho de labor na construção civil, não é hábil para o reconhecimento pretendido. - Tempo de serviço especial reconhecido em parte. - Não preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição. - Honorários advocatícios a cargo da parte autora, fixados em 10% do valor da causa, observada a gratuidade da justiça. - Remessa oficial não conhecida. Erro material retificado de ofício. Apelação da Autarquia Federal parcialmente provida." (TRF3, Apelação Cível, ApCiv 6073586-55.2019.4.03.9999, Relator: Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, 9ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 02/03/2020)
No tocante ao período in comento, apesar do laudo técnico judicial apontar exposição aos agentes "calor" e "radiações não ionizantes" (sol - fonte natural), tais situações não possibilitam o enquadramento requerido.
A sujeição à "radiação não ionizante", que se trata de simples exposição solar, não conduz, por si só, ao reconhecimento da especialidade do labor nos termos da legislação previdenciária, sobretudo quando consideradas as atividades exercidas pelo requerente.
Esse é o entendimento desta Corte Regional: TRF3 – 9ª Turma, ApCiv 5043232-93.2021.4.03.9999, Relator: Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, DJEN Data: 20/5/2021, TRF3 - 8ª Turma, ApCiv 5313449-17.2020.4.03.9999, Relator: Desembargador Federal David Diniz Dantas, Intimação via sistema Data: 26/2/2021; TRF3 - 10ª Turma, AC n. 0035126-48.2012.4.03.9999, Relator: Desembargador Federal Baptista Pereira, Julgamento: 14/10/2014.
Isso porque o "calor" a que estava submetido era relacionado a meras intempéries climáticas, inidôneo a gerar reconhecimento de tempo especial. É preciso que haja fonte artificial de calor para que seja possível o reconhecimento da atividade especial.
Acerca do tema, trago os seguintes precedentes: TRF3 - APELREEX 00021417020054039999, Juiz Convocado Alexandre Sormani – Turma Suplementar da Terceira Seção, DJF3 DATA: 15/10/2008; TRF3, AC 00466070320154039999, Desembargador Federal Gilberto Jordan – Nona Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 13/2/2017; TRF1 - Recursos 05034573820164058312, Juiz Federal Relator Paulo Roberto Parca de Pinho – 1ª Turma Recursal, Creta - Data: 9/2/2017 - Página N/I.
A exposição à "radiação não ionizante" e ao "calor" provenientes de fonte natural, representada pelos raios solares, por se tratar de elementos próprios da atividade, que atua sobre o trabalhador em níveis normais, não legitimam o reconhecimento da especialidade do trabalho desenvolvido, porquanto não restou evidenciado, por meio da prova técnica carreada aos autos, que incidiam sobre o segurado de modo excepcional ou excessivo.
Da mesma forma, é inviável o reconhecimento da especialidade pela exposição a agentes químicos cimento, cal e argamassa, uma vez que o contato, nas circunstâncias da prestação laboral descritas no laudo técnico, não decorre da fabricação de cimentos (códigos 1.2.10 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e 1.2.12 do anexo do Decreto n. 83.080/1979, 1.0.2 e 1.0.18 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999 e anexos 12 e 13 - Agentes Químicos, da NR-15 - Atividades e Operações Insalubres), mas da mera exposição a materiais de construção relacionados à atividade desempenhada como pedreiro (construção e reparos de obra).
É oportuno referir que a simples informação de que o segurado estava exposto a álcalis cáusticos (cimento, cal e argamassa) não enseja o reconhecimento da especialidade, pois os decretos regulamentares garantem aposentadoria especial apenas para aqueles que trabalham na extração/fabricação do cimento e não para aqueles que somente manuseiam o material.
Esse é o entendimento desta Corte Regional: TRF3 - ApCiv 0019266-36.2014.4.03.9999, Processo Antigo Formatado: 2014.03.99.019266-8, Relator: Desembargador Federal Carlos Delgado, 7ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data:13/10/2020; TRF3- ApelRemNec 5305842-50.2020.4.03.9999, Processo Antigo Formatado: 53058425020204039999, Relator: Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, 9ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 Data: 24/11/2020; TRF3- ApCiv 5003619-71.2018.4.03.6119, Processo Antigo Formatado: 50036197120184036119, Reator: Desembargador Federal Toru Yamamoto, 7ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 Data: 03/11/2020.
Nesse contexto, não há nos autos qualquer elemento de convicção que demonstre a sujeição a agentes nocivos.
Com efeito, cabia à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura, o que não fez.
Desse modo, não resta evidenciada a insalubridade asseverada durante esse interregno, de modo que deve ser considerado como tempo comum.
(ii) 1º/12/1992 a 9/4/1996 - a profissão de "inspetor" apontada na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) não se encontra contemplada na legislação correlata (enquadramento por categoria profissional até 28/4/1995) e na hipótese, não há nenhum elemento de convicção que demonstre a sujeição a agentes nocivos.
O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) coligido aos autos não indica a sujeição a qualquer fator de risco que possibilite o enquadramento pretendido.
Apesar do laudo técnico judicial apontar exposição habitual e permanente a ruído superior aos limites de tolerância previstos em lei, constata-se que a atividade analisada foi a de motorista de ônibus, atividade essa não exercida pelo autor nesse interregno.
Assim, incabível se afigura o reconhecimento da excepcionalidade do ofício desempenhado nesse período, à míngua de comprovação do exercício da atividade em condições degradantes.
(iii) 6/3/1997 a 7/11/2000, de 16/3/2001 a 18/11/2003 e de 28/11/2008 a 9/11/2011 ("motorista de ônibus") - em razão da exposição a nível de ruído inferior aos limites de tolerância, conforme demonstrado no laudo técnico judicial e no PPP.
Especificamente em relação ao interstício de 28/11/2008 a 9/11/2011, embora o laudo técnico judicial realizado por similaridade revele exposição a ruído em nível superior aos limites de tolerância, o PPP apresentado pela autora no ID 334762880, p. 55 indica sujeição a esse mesmo agente nocivo, mas em nível inferior dos limites estabelecidos nos decretos regulamentares.
Nesse contexto, considerando que a análise pericial do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) foi realizada in loco nas dependências da empresa "Pluma Conforto e Turismo S/A", conclui-se que o referido laudo possui maior robustez probatória. Isso decorre do fato de que a perícia direta, conduzida no ambiente efetivo de trabalho, permite ao perito avaliar com precisão as condições reais a que o segurado esteve exposto, abrangendo fatores ambientais, operacionais e organizacionais.
Em contraposição, a perícia indireta, elaborada em outra empresa, limita-se a inferências ou analogias, carecendo da mesma força probatória, justamente por não retratar de forma fidedigna a realidade do ambiente laboral específico do segurado. Dessa forma, em observância aos princípios da primazia da realidade e da busca da verdade material, deve prevalecer o laudo produzido diretamente no local de trabalho da empresa em questão.
Nesse contexto, em razão da análise pericial do PPP ter ocorrido "in loco" na empresa "Pluma Conforto e Turismo S/A", tal perícia prevalece sobre àquela efetuada de forma indireta em outra empresa.
Nos casos específicos da exposição ao agente agressivo vibração de corpo inteiro (VCI), minha compreensão é pela impossibilidade de se considerar as atividades de “motorista” como de natureza especial, uma vez que esse fator de risco, conquanto previsto nos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999, refere-se às atividades pesadas, desenvolvidas com perfuratrizes e marteletes pneumáticos.
Nessa esteira, veja-se a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte: TRF 3ª Região, Sétima Turma, Ap - Apelação Cível - 2142297 - 0004104-95.2015.4.03.6141, Rel. Desembargador Federal Paulo Domingues, Julgado em 08/04/2019, e-DJF3: 23/4/2019.
Ademais, não é possível presumir que houve a exposição habitual e permanente a outros agentes agressivos, quando não indicada em formulário, PPP ou laudo técnico regularmente emitidos em nome do autor.
Desse modo, constata-se que a parte autora não se desincumbiu dos ônus que lhe cabia quando instruiu a peça inicial (artigo 373, I, do CPC), de trazer à colação formulários ou laudos técnicos certificadores das condições insalutíferas do labor, indicando a exposição com permanência e habitualidade.
Não se desincumbindo o requerente do ônus de comprovar o exercício de atividades em condições insalubres (fato constitutivo do seu direito), o referido pedido deve ser julgado improcedente.
Assim, incabível se afigura o reconhecimento da excepcionalidade dos ofícios desempenhados nesses lapsos, à míngua de comprovação do exercício da atividade em condições degradantes.
Em síntese, apenas os intervalos de 1º/12/1992 a 9/4/1996, de 7/10/1996 a 5/12/1996, de 7/12/1996 a 5/3/1997, de 19/11/2003 a 16/5/2007, de 28/11/2008 a 9/11/2011 e de 23/11/2011 a 13/7/2023 (com conversão em tempo de serviço comum até 13/11/2019 - EC n. 103/2019)devem ser enquadrados como especiais e somados aos lapsos incontroversos.
Da Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição e Programada
A concessão do benefício previdenciário, independentemente da data do requerimento administrativo e considerado o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época da reunião de todos os requisitos, deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao segurado(a), a ser devidamente analisada na fase de cumprimento de sentença.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime de repercussão geral (RE 630.501/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 21/2/2013, DJe de 23/8/2013, pub. em 26/8/2013).
No caso dos autos, verifica-se que o requisito da carência restou cumprido e a parte autora possui mais de 35 (trinta e cinco) anos de profissão até a data fixada na sentença, em 9/10/2019, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988), consoante a seguinte apuração:
O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 96 pontos (Lei n. 8.213/1991, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Demais Questões
Afasto a alegação de prescrição quinquenal, tendo em vista que não transcorreu período superior a cinco anos entre a data do requerimento administrativo (DER) e o ajuizamento desta ação.
Quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros da condenação, a questão foi submetida ao rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para resolução da seguinte controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo n. 1.124 (Recursos Especiais n. 1.905.830/SP, 1.912.784/SP e 1.913.152/SP – data da afetação: 17/12/2021):
“Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
Há determinação de suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal (art. 1.037, II, do CPC).
Não obstante, esta Nona Turma tem entendido não haver óbice ao prosseguimento da marcha processual, por ser possível a identificação da parte incontroversa e da parte controvertida da questão afetada, sendo o alcance dos efeitos financeiros uma das consequências da apreciação de mérito, passível de ser tratada na fase de cumprimento do julgado.
Esse entendimento favorece a execução e a expedição de ofício requisitório ou precatório da parte incontroversa do julgado, nos termos do artigo 535, § 4º, do CPC e do Tema n. 28 da Repercussão Geral (RE n. 1.205.530).
Assim, fixo o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
Afasto a alegação de prescrição quinquenal, tendo em vista que não transcorreu período superior a cinco anos entre a data do requerimento administrativo (DER) e o ajuizamento desta ação.
No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remeto à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Os demais consectários não foram objeto de questionamento nas razões recursais, de modo que se mantêm à luz do julgado a quo.
Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Dispositivo
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação supra: (i) delimitar o enquadramento da atividade especial aos intervalos de 7/10/1996 a 5/12/1996, de 7/12/1996 a 5/3/1997, de 19/11/2003 a 16/5/2007 e de 23/11/2011 a 13/7/2023; (ii) estabelecer que a parte autora tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição integral, com a incidência do fator previdenciário; (iii) fixar os efeitos financeiros da condenação desde a data da citação (parte incontroversa da questão afetada), observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ; (iv) isentar a autarquia das custas processuais.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5135061-19.2025.4.03.9999 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | MILTON DE OLIVEIRA SILVA |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA DE ÔNIBUS. EXPOSIÇÃO A RUÍDO ACIMA DOS LIMITES LEGAIS. RECONHECIMENTO PARCIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. INCIDÊNCIA DO FATOR PREVIDENCIÁRIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
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Ação de conhecimento ajuizada em face do INSS visando ao reconhecimento de períodos de atividade especial para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição sem incidência do fator previdenciário. A sentença julgou procedente o pedido. O INSS interpôs apelação alegando prescrição quinquenal, ausência de comprovação da especialidade, impossibilidade de concessão do benefício e questionando os consectários legais.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
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As questões em discussão são: (i) verificar a ocorrência de prescrição quinquenal; (ii) definir os períodos de atividade especial passíveis de reconhecimento; (iii) estabelecer o direito à aposentadoria por tempo de contribuição e a incidência do fator previdenciário; (iv) fixar o termo inicial dos efeitos financeiros e os consectários legais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço, e a conversão do tempo especial em comum é regida pela norma vigente na data em que o segurado preenche os requisitos para aposentadoria.
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A exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites legais autoriza o reconhecimento da especialidade, conforme Tema Repetitivo 694 do STJ.
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O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) não afasta a especialidade quando não comprovada sua eficácia na neutralização da nocividade, segundo o Tema 555 do STF e o Tema 1.090 do STJ.
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A ausência de fonte de custeio específica não impede o reconhecimento da atividade especial, em razão dos princípios da solidariedade e da automaticidade da filiação previdenciária.
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A exposição a radiação solar, calor natural ou manuseio de cimento e cal não configura atividade especial, por não representar agente nocivo em níveis superiores aos tolerados legalmente.
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Reconhecida a especialidade apenas nos períodos em que comprovada a exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites legais.
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A parte autora preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, com incidência do fator previdenciário, por não atingir a pontuação exigida para afastamento do cálculo redutor.
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O termo inicial dos efeitos financeiros é fixado na data da citação, observando-se o que vier a ser definido pelo STJ no Tema Repetitivo 1.124.
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A autarquia é isenta de custas processuais, mas não do ressarcimento de despesas eventualmente adiantadas pela parte vencedora.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento:
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O reconhecimento de atividade especial depende de prova técnica contemporânea que demonstre exposição habitual e permanente a agentes nocivos acima dos limites legais.
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O uso de EPI não afasta a especialidade quando não comprovada sua eficácia na neutralização da nocividade.
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A exposição a agentes naturais, como sol e calor, ou ao manuseio de cimento e cal, não configura atividade especial.
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O termo inicial dos efeitos financeiros da condenação é a data da citação, sem prejuízo do que vier a ser decidido pelo STJ no Tema Repetitivo 1.124.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, artigos 195, § 5º, e 201, § 7º; Lei n. 8.213/1991, artigos 29-C e 57; Lei 8.212/1991, artigo 30, inciso I; CPC, artigos 373, inciso I, 496, § 3º, inciso I, e 1.037, inciso II.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 664.335 (Tema 555 da Repercussão Geral); STJ, REsp 1.306.113 (Tema 694 dos Recursos Repetitivos); STJ, REsp 1.828.606 (Tema 1.090 dos Recursos Repetitivos); STJ, RE 630.501/RS (Repercussão Geral); STJ, REsp 1.905.830/SP (Tema 1.124 dos Recursos Repetitivos).
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
