
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003612-13.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ORANDI VALENCIO JUNIOR
Advogado do(a) APELADO: SILAS MARIANO RODRIGUES - SP358829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003612-13.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ORANDI VALENCIO JUNIOR
Advogado do(a) APELADO: SILAS MARIANO RODRIGUES - SP358829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Ação previdenciária ajuizada contra o INSS objetivando o reconhecimento da especialidade de atividades exercidas pelo autor, para fins de concessão de aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (17/6/2016) ou, caso necessário, mediante reafirmação da DER. Requereu a antecipação de tutela.
Gratuidade de justiça deferida (ID 165345709).
O juízo sentenciante julgou procedente o pedido (ID 165345720), para reconhecer o caráter especial das atividades e determinar ao INSS a concessão da aposentadoria pleiteada ao autor, desde a DER. Deferiu a antecipação de tutela, determinando a imediata implantação do benefício.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
O INSS interpôs apelação requerendo a reforma da r. sentença (ID 165345724). Alega impossibilidade de reconhecimento da especialidade no caso de menção genérica a "óleos e graxas" e a "hidrocarbonetos", sendo necessária a indicação da composição daqueles e a especificação destes.
Ofício do INSS comunicando a implantação do benefício (ID 165345728).
O autor apresentou contrarrazões (ID 165346232).
Autos distribuídos nesta Corte em 22/7/2021.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003612-13.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ORANDI VALENCIO JUNIOR
Advogado do(a) APELADO: SILAS MARIANO RODRIGUES - SP358829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Recebo o apelo por atender aos requisitos de admissibilidade.
Considerando a data do requerimento administrativo (17/6/2016), o pedido será apreciado sob as regras vigentes anteriores à EC 103/2019.
Nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91, a aposentadoria especial deve ser concedida ao segurado que, ao ter cumprido o período de carência, trabalhou sujeito a condições que prejudiquem a sua saúde ou integridade física, por um período de 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade exercida.
No tocante ao reconhecimento da especialidade, sabe-se que, até o advento da Lei nº 9.032/95, em 28/04/1995, bastava, para a configuração do caráter especial da atividade exercida pelo segurado, que esta estivesse prevista nos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 como penosa, insalubre ou perigosa.
Dessa forma, o campo de aplicação dos agentes nocivos associava-se ao serviço prestado e, para o reconhecimento da especialidade, era suficiente que o segurado comprovasse o exercício das funções listadas nos anexos trazidos pela lei, independentemente de laudo técnico, bastando a anotação da função em CTPS.
No entanto, a partir de 29/04/1995, com o advento da Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao art. 57 da Lei nº 8.213/91, o simples enquadramento da atividade exercida pelo segurado por categoria profissional prevista nos anexos do decreto regulamentador não mais era bastante. A partir de então, para o reconhecimento da atividade especial, passou-se a exigir a demonstração, mediante formulário padrão (SB-40 e DSS-8030), emitido pelo empregador ou seu preposto, da efetiva exposição, habitual e permanente, ao agente nocivo à saúde ou à integridade física.
A redação original do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 foi alterada pela Lei nº 9.032/95 sem que até então tivesse sido editada lei que estabelecesse a relação das atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, não havendo dúvidas até então que continuavam em vigor os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência: STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482.
Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528/97 e regulamentada pelo Decreto nº 2.172/97, alterou o art. 58 da Lei nº 8.213/91, estabelecendo que a comprovação da especialidade se realizaria por meio de formulário padrão e laudo técnico elaborado por profissional apto. Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no referido decreto.
O Decreto n.º 3.048/99, por sua vez, em seu art. 68, com a redação dada pelo Decreto n.º 4.032/2001, instituiu na legislação pátria o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, dispondo que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
A exigibilidade da elaboração do PPP foi mantida pela legislação sucedânea (art. 148 da Instrução Normativa INSS/DC n.º 84, de 17/12/2002), sendo obrigatório, para fins de validade, que dele conste a identificação do profissional responsável pela elaboração do laudo técnico de condições ambientais em que se baseia.
Da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45, de 6/8/2010, fazendo referência à Instrução Normativa INSS/DC n.º 99, de 5/12/2003, consta determinação, a partir de 1/1/2004, acerca da obrigatoriedade de elaboração do PPP, pela empresa, para seus empregados, trabalhadores avulsos e cooperados que desempenhem o labor em condições insalubres, prescrevendo que referido documento deveria substituir o formulário até então exigido para a comprovação da efetiva exposição do segurado a agentes nocivos.
Em resumo, tem-se que:
- para funções desempenhadas até 28/04/1995, data que antecede a promulgação da Lei n.º 9.032/95, suficiente o simples exercício da profissão, demonstrável por meio da apresentação da CTPS, para fins de enquadramento da respectiva categoria profissional nos anexos dos regulamentos;
- de 29/04/1995 a 10/12/1997, data em que publicada a Lei nº 9.528/97, necessária a apresentação de formulário padrão (SB-40, DSS-8030 ou DIRBEN-8030) para a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos;
- de 11/12/1997 a 31/12/2003, data estabelecida pelo INSS, indispensável que o formulário venha acompanhado do laudo técnico em que se ampara - ressalvado que, em relação aos agentes nocivos ruído e calor, sempre se exigiu a apresentação de laudo técnico para demonstração do desempenho do trabalho em condições adversas (STJ, AgRg no AREsp 859232, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 26/4/2016);
- a partir de 01/01/2004, o único documento exigido para fins de comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos, inclusive o ruído, será o PPP, em substituição ao formulário e ao laudo técnico pericial, conforme se depreende da conjugação dos arts. 256, inciso IV, e 272, § 1.º, da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45/2010.
Registro que o PPP ou laudo técnico extemporâneo não invalida suas conclusões acerca do reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro, porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
Nesse sentido é o entendimento desta E. Corte Regional:
PREVIDENCIÁRIO. ESPECIAL. RUÍDO. CONTEMPORANEIDADE DO LAUDO PARA PROVA DE ATIVIDADE ESPECIAL. DESNECESSIDADE. HONORÁRIOS. DANOS MORAIS. (..) - Quanto à extemporaneidade do laudo, observo que a jurisprudência desta Corte destaca a desnecessidade de contemporaneidade do laudo/PPP para que sejam consideradas válidas suas conclusões, tanto porque não há tal previsão em lei quanto porque a evolução tecnológica faz presumir serem as condições ambientais de trabalho pretéritas mais agressivas do que quando da execução dos serviços. (..) - Recurso de apelação a que se dá parcial provimento. (AC 0012334-39.2011.4.03.6183, 8" Turma, Desembargador Federal Luiz Stefanin4 DE 19/03/2018)
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁPJO. REVISIONAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. SERRALHEIRO. FUNÇÃO ANÁLOGA À DE ESMERILHADOR. CATEGORIA PROFISSIONAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. COMPROVAÇÃO. OBSERVÂNCIA DA LEI VIGENTE À ÉPOCA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE. EPI. PPP EXTEMPORÂNEO. IRRELEVANTE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATICIOS. REVISÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
(..) VI - O fato de os PPP's ou laudo técnico terem sido elaborados posteriormente à prestação do serviço não afasta a validade de suas conclusões, vez que tal requisito não está previsto em lei e, além disso, a evolução tecnológica propicia condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços. (..) XII - Apelação do réu e remessa oficial parcialmente providas. (AC/ReeNec 0027585-63.2013.4.03.6301, 10ª Turma, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento)
Na mesma linha, temos a Súmula n°68, da Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, cujo enunciado é o seguinte: "O laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado".
Impende frisar que eventuais falhas ou equívocos no preenchimento do PPP não o tornam, de plano, absolutamente imprestável como prova ou são, necessariamente, suficientes para descaracterizar o reconhecimento da atividade especial. Isso porque não seria razoável prejudicar o segurado por eventual irregularidade de tal formulário, haja vista que não é o responsável por sua elaboração, senão a própria empresa empregadora, sem contar que a responsabilidade pela fiscalização cabe ao INSS, conforme § 3º do art. 58 da Lei nº 8.213/91.
Portanto, se do PPP consta a identificação do subscritor, pelo seu nome completo e NIT, e cujas informações foram atestadas por profissional devidamente habilitado, tais elementos são suficientes para presumir a legitimidade do emissor do documento, bem como das conclusões por ele atestadas, cuja prova contrária recai sobre o réu. Mera irregularidade formal não prejudica a comprovação das condições especiais da atividade. (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5007878-83.2020.4.03.6105. Relator(a): Desembargador Federal OTAVIO HENRIQUE MARTINS PORT. Órgão Julgador: 10ª Turma. Data do Julgamento: 09/11/2022. Intimação via sistema DATA: 16/11/2022; ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5006527-88.2019.4.03.6112. Relator(a): Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN. Órgão Julgador: 9ª Turma. Data do Julgamento: 20/07/2022. DJEN DATA: 26/07/2022; ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5001062-27.2017.4.03.6126. Relator(a): Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR. Órgão Julgador: 10ª Turma. Data do Julgamento: 30/04/2020. Data da Publicação/Fonte: e - DJF3 Judicial 1 DATA 05/05/2020; Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1785112 / SP 0036459-35.2012.4.03.9999. Relator(a): DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI. Órgão Julgador: OITAVA TURMA. Data do Julgamento; 06/05/2019. Data da Publicação/Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/05/2019)
Havendo omissão no PPP no que tange à forma de exposição aos agentes nocivos (habitualidade e permanência), deve ser considerada a interpretação mais benéfica ao trabalhador, já que a ausência de campos específicos no formulário para tais apontamentos não deve prejudicar o segurado, o que autoriza, através da descrição da atividade nele contida, o reconhecimento de que esta exposição se deu de modo habitual e permanente, pois o ônus de provar a ausência desses requisitos é do INSS (AR 5009211-23.2018.4.03.0000, 3.ª Seção, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini, e-DJF3 1 7/5/2020).
Além disso, a habitualidade e permanência para fins de reconhecimento de atividade especial não pressupõem que a exposição ao agente nocivo seja contínua e ininterrupta durante toda a jornada de trabalho, mas sim aquela ínsita ao desenvolvimento das atividades exercidas pelo trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. (REsp 1.578.404/PR, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1ª Turma, DJe 25.09.2019).
Manifestando-se acerca do tema, a 3.ª Seção desta Corte definiu que se considera exposição permanente aquela que é indissociável da prestação do serviço ou produção do bem, esclarecendo mostrar-se despiciendo que a exposição ocorra durante toda a jornada de trabalho, mas sendo necessário que esta ocorra todas as vezes em que este é realizado (AR 5009211-23.2018.4.03.0000, 3.ª Seção, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini, e-DJF3 1 7/5/2020).
No que diz respeito ao uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), há que se observar o que restou decidido pelo STJ no julgamento do Tema 1.090, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 2082072/RS e outros), no qual se firmou a seguinte tese (ainda não transitada em julgado):
Tese Firmada
I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido.
II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI.
III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor.
É preciso destacar, nessa seara, o julgamento do ARE 664335, no qual o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". Sendo assim, para que o EPI seja considerado eficaz é necessário que ele seja capaz de neutralizar a nocividade.
Ressalto que, para períodos anteriores a de 3 de dezembro de 1998, quando entrou em vigor a Lei 9.732, sequer havia no âmbito do direito previdenciário o uso eficaz do EPI como fator de descaracterização da atividade especial. A exigência de informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância só passou a existir com o advento da Medida Provisória 1.729, convertida na Lei nº 9.732 /98, alterando a redação do § 2º do art. 58 da Lei nº 8.213 /1991, conclusão extraída, inclusive, do §6º do art. 238 da IN nº 45 do INSS (TNU - PEDILEF n.º 0501309-27.2015.4.05.8300/PE).
Relativamente aos períodos posteriores, há de se verificar, in casu, conforme definido no Tema 1.090 do STJ "se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor" (grifei).
Desse modo, ainda que haja anotação da utilização de equipamento de proteção individual - EPI no Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, admite-se a contagem especial dos períodos requeridos, diante da particularidade do caso, se restou dúvida sobre a sua real eficácia, impondo-se decisão favorável ao autor.
No que se refere aos agentes, para a exposição a "ruído", o EPI sempre será considerado insuficiente, nos termos da tese firmada junto ao Tema 555 do STF:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (grifei)
No caso de exposição a agentes químicos, a aferição da especialidade da atividade laborativa exige que se considere, além da habitualidade e permanência da exposição, a natureza e classificação do agente nocivo envolvido. Para tanto, adota-se como parâmetro técnico a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos - LINACH, elaborada pela Fundacentro com base nas diretrizes da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer - IARC, que classifica os agentes cancerígenos em quatro grupos:
- Grupo 1 - Cancerígeno para humanos (evidência suficiente);
- Grupo 2A - Provavelmente cancerígeno (evidência limitada em humanos e suficiente em animais);
- Grupo 2B - Possivelmente cancerígeno (evidência limitada ou menos robusta);
- Grupo 3 - Inclassificável quanto à carcinogenicidade.
A classificação de um agente no Grupo 1 da LINACH representa conclusão científica robusta quanto à sua efetiva carcinogenicidade em humanos, o que justifica, para fins previdenciários, o reconhecimento da presunção de nocividade da exposição habitual, mesmo que haja indicação de EPI eficaz, dada a elevada toxicidade, o potencial cumulativo e a natureza persistente da exposição.
Até 30/06/2020, antes da entrada em vigor do Decreto nº 10.410/2020, a regulamentação previdenciária (art. 68 do Decreto nº 3.048/1999, na redação anterior) não previa regra normativa expressa sobre a eficácia do EPI como fator de neutralização da nocividade, o que permitia, na prática administrativa e judicial, reconhecer a especialidade da atividade sempre que houvesse exposição habitual a agentes listados nos Grupos 1, 2A ou 2B da LINACH, independentemente da proteção registrada.
O marco temporal de 01/07/2020, por sua vez, corresponde à entrada em vigor do Decreto nº 10.410/2020, que alterou substancialmente o artigo 68 do Regulamento da Previdência Social, introduzindo o § 4º, com a seguinte redação:
"Art. 68, § 4º. Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição."
Nesse contexto, os agentes classificados nos Grupos 2A e 2B da LINACH passaram a depender de verificação técnica concreta acerca da eficácia da proteção individual, não sendo mais presumida sua nocividade a partir de 01/07/2020. Em contraposição, os agentes do Grupo 1 mantêm a presunção de nocividade, mesmo após o novo decreto, justamente por se tratar de substâncias cuja periculosidade à saúde humana já se encontra cientificamente comprovada e reconhecida em nível normativo nacional (LINACH).
Dessa forma, firmam-se os seguintes critérios objetivos para análise da especialidade de atividades com exposição a agentes químicos cancerígenos:
- Até 30/06/2020, considera-se presumida a nocividade da exposição a agentes listados nos Grupos 1, 2A e 2B da LINACH, ainda que haja menção à eficácia do EPI, dispensando-se, nesses casos, prova da ineficácia da proteção;
- A partir de 01/07/2020, somente os agentes do Grupo 1 da LINACH permanecem sujeitos à presunção de nocividade, sendo suficiente, para o reconhecimento do tempo especial, a comprovação da exposição habitual e permanente;
- Para os agentes constantes dos Grupos 2A e 2B, a partir da mesma data, é necessária a análise do PPP e dos documentos técnicos, no sentido de verificar quais EPIs foram fornecidos, e se há correlação direta entre a proteção registrada e o agente descrito. Ausente essa correspondência técnica, afasta-se a presunção de eficácia da proteção, e é possível o reconhecimento da especialidade;
- Por fim, agentes que não constem de nenhum dos grupos da LINACH, ou que sejam considerados inclassificáveis (grupo 3), não ensejam o reconhecimento da atividade especial a partir de 03/12/1998 (data da publicação da medida provisória 1.729 que, convertida na Lei nº 9.732/98, passou a exigir a informação sobre o equipamento no laudo técnico de condições ambientais do trabalho), caso conste do PPP a indicação de EPI eficaz, salvo prova técnica específica da ineficácia da proteção.
No que concerne aos limites legais para o agente físico ruído, em suma, até 05/03/1997, são considerados especiais os períodos em que o segurado esteve submetido a ruído acima de 80dB, vide Decreto nº 53.831/64. Entre 06/03/1997 e 18/11/2003, com o advento do Decreto nº 2.172/97, a especialidade deve ser reconhecida para exposições acima de 90dB. Já a partir de 19/11/2003, quando editado o Decreto nº 4.882/03, o reconhecimento se dá para ruído superior a 85 dB.
No tocante aos agentes químicos, importante salientar que a apuração da nocividade é realizada mediante avaliação qualitativa e não quantitativa, não sendo necessária para caracterização da especialidade a análise de sua concentração no ambiente de trabalho, dado que a exposição habitual a tais fatores é suficiente para prejudicar a saúde ou integridade física do trabalhador. (ApReeNec - 5840848-95.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 09/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/03/2020; - ApReeNec - 0001361-69.2010.4.03.6115, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 19/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/03/2018; - ApCiv - 5004772-78.2017.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 07/10/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/10/2019).
Essas premissas fixadas, passo à análise do caso concreto.
Diante do indeferimento do pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição na via administrativa (ID 165345700 - Pág. 91; ID 165345700 - Pág. 261), pretende a parte autora o reconhecimento judicial de períodos de atividade especial, os quais, somados aos períodos já reconhecidos administrativamente, resultariam em tempo suficiente à concessão de aposentadoria especial, desde a DER (17/6/2016) ou, caso necessário, mediante reafirmação da DER.
Para tanto, juntou cópia da CTPS (ID 165345700 - Pág. 8 a 55) e dos Perfis Profissiográficos Previdenciários (ID 165345700 - Pág. 145; 165345700 - Pág. 79; ID 165345700 - Pág. 154; ID 165345704).
Pois bem.
Os interregnos de 13/3/1987 a 13/4/1987 e 8/6/1987 a 15/6/1990, em que o autor exerceu a atividade de Ferramenteiro nas empresas AEGIS SEMICONDUTORES LTDA e SANKYO MÁQUINAS INDUSTRIAIS LTDA, são passíveis de enquadramento pela categoria profissional no código 2.5.2 do Decreto nº 53.831/64 e nos códigos 2.5.1 e 2.5.3 do Anexo II do Decreto 83.080/79.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SENTENÇA CONDICIONAL. NULIDADE. ATIVIDADES ESPECIAIS COMPROVADAS. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
(...)
III. Razões de decidir
3. Inicialmente, na hipótese em análise, a sentença condicional implica negativa de prestação jurisdicional adequada, ocasionando sua nulidade, uma vez que a r. sentença, concedeu "benefício que lhe for mais benéfico, nos termos da lei, caso a medida preconizada no item (i) implicar a existência de tempo mínimo relativo ao benefício, desde a data em que a parte autora implementou os requisitos para aposentar-se."
4. Sendo assim, deve ser declarada a nulidade da sentença.
5. Entretanto, tendo em vista que o feito se encontra devidamente instruído e em condições de imediato julgamento, impõe-se a apreciação, por este Tribunal, da matéria discutida nos autos, nos moldes do artigo 1.013, §3º, inciso II, do CPC.
6. No presente caso, da análise dos Perfis Profissiográfico Previdenciários e laudo técnico judicial acostados aos autos (ID310962874), de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividade especial nos seguintes períodos:
- de 01/09/1987 a 10/09/1988, vez que trabalhou como "serviços gerais", ficando exposto de modo habitual e permanente a produtos químicos: poeiras minerais nocivas, enquadrada pelo código 1.2.11, Anexo III do decreto nº 53.831/64; código 1.2.10, Anexo I do decreto nº 83.080/79; código 1.0.17 do Anexo IV do decreto nº 2.172/97 e 1.0.17 do Anexo IV do decreto nº 3.048/99 (laudo técnico, ID 310962874)
- de 01/02/1989 a 30/11/1993, uma vez que trabalhou como 'ferramenteiro', na empresa Manzato & Machini Ltda., atividade enquadrada por equiparação, na categoria profissional do código 2.5.2 do Decreto nº 53.831/64, item 2.5.1 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e item 2.5.3 do Anexo II do Decreto 83.080/79, bem como nos termos da Circular nº 15 do INSS, de 08/09/1994, a qual determina o enquadramento das funções de ferramenteiro, torneiro mecânico, fresador e retificador de ferramentas, no âmbito de indústrias metalúrgicas, no código 2.5.3 do anexo II do Decreto n. 83.080/79 (CTPS - id 310962836 - Pág. 6).
- e de 01/06/1998 a 12/08/2019, vez que trabalhou como "ferramenteiro" realizando as mesmas funções por todo período decorrido, ficando exposto de modo habitual e permanente a produtos químicos (hidrocarbonetos) graxa óleo mineral, entre outros, enquadrada pelo código 1.2.11, Anexo III do decreto nº 53.831/64; código 1.2.10, Anexo I do decreto nº 83.080/79; código 1.0.17 do Anexo IV do decreto nº 2.172/97 e 1.0.17 do Anexo IV do decreto nº 3.048/99 (Num. 3139218 - Pág. 1/3). (laudo técnico, fls. 32/35)
7. Desta forma, computando-se os períodos de atividade especial ora reconhecidos, até o requerimento administrativo (20/08/2019), perfazem-se mais de 25 (vinte e cinco) anos de atividades exclusivamente especiais, suficientes ao exigido pelo artigo 57 da Lei nº 8.213/91.
(...)
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5010632-77.2025.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 25/03/2025, DJEN DATA: 01/04/2025) (grifei)
Quanto ao período de 16/6/1997 a 4/4/2003, laborado na empresa METALÚRGICA MAUSER INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, possível o reconhecimento da especialidade somente até 2/12/1998, pela exposição ao agente químico “óleo de corte” (código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97). A partir de 3/12/1998, a menção genérica ao agente, somada à indicação de EPI eficaz, impede a caracterização da especialidade, uma vez que, ausente a especificação da composição do óleo, não há como afirmar que se está diante de agente previsto na LINACH. Ademais, incabível o enquadramento por exposição a ruído, visto que o PPP (ID 165345700 - Pág. 145) indica ruído de 83,14 dB(A), abaixo do limite de tolerância.
Do mesmo modo, não é possível o reconhecimento do caráter especial do intervalo de 19/4/2010 a 8/6/2016, laborado na empresa CENNEBRAS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, porquanto o PPP (ID 165345704) indica exposição a ruído abaixo do limite de tolerância, bem como faz menção genérica a "hidrocarbonetos (óleo e graxa)" e indica uso de EPI eficaz.
Por fim, de rigor o reconhecimento da especialidade do período de 8/9/2004 a 9/3/2007, laborado na empresa FERRAMENTARIA E ESTAMPARIA ROSTH LTDA, tendo em vista que os PPPs (ID 165345700 - Pág. 79; ID 165345700 - Pág. 154) indicam exposição a ruído acima do limite de tolerância.
Ante o exposto, impõe-se a reforma da r. sentença para computar os interregnos de 3/12/1998 a 4/4/2003 e 19/4/2010 a 8/6/2016 como tempo comum.
Diante do novo cenário, o autor totaliza, na data do requerimento administrativo (17/6/2016), 17 anos, 1 mês e 25 dias de tempo especial, não fazendo jus à aposentadoria especial.
Considerando que não houve exercício de atividade especial após a data do requerimento administrativo, não há que se falar em reafirmação da DER.
Invertida a sucumbência, fica a parte autora condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observada a suspensão de sua exigibilidade em razão da gratuidade de justiça.
Revogo a tutela antecipada concedida na sentença, determinando a devolução dos valores percebidos precariamente, nos termos do que restou definido pelo STJ no âmbito do Tema 692.
Isso posto, dou parcial provimento ao apelo, para, nos termos da fundamentação, computar os interregnos de 3/12/1998 a 4/4/2003 e 19/4/2010 a 8/6/2016 como tempo comum e indeferir o pedido de concessão de aposentadoria especial formulado na inicial, ficando revogada a tutela antecipada concedida na sentença.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5003612-13.2020.4.03.6183 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | ORANDI VALENCIO JUNIOR |
Ementa: Direito previdenciário. Apelação cível. Aposentadoria Especial. Ferramenteiro. Ruído. Agentes químicos. Hidrocarbonetos. Óleos e graxas. Menção genérica. EPI eficaz. Recurso parcialmente provido.
I. Caso em exame
1. Ação previdenciária ajuizada contra o INSS visando ao reconhecimento de atividades especiais desempenhadas pelo autor, para fins de concessão de aposentadoria especial desde a DER (17/6/2016) ou, subsidiariamente, mediante reafirmação da DER. O juízo de origem julgou procedente o pedido, reconhecendo o caráter especial das atividades e determinando a concessão da aposentadoria, com implantação imediata do benefício. O INSS apelou, sustentando ausência de comprovação da especialidade diante de menções genéricas a agentes químicos ("óleos e graxas", "hidrocarbonetos").
II. Questão em discussão
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a atividade de ferramenteiro, exercida antes de 28/4/1995, enseja enquadramento pela categoria profissional; e (ii) saber se os documentos apresentados comprovam a efetiva exposição habitual e permanente do segurado a agentes nocivos
III. Razões de decidir
3. Até 28/04/1995, o enquadramento da atividade especial pode ocorrer por categoria profissional, bastando a anotação em CTPS nos termos dos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79.
4. A partir de 29/04/1995, exige-se a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos por meio de formulários e laudos técnicos, evoluindo para a obrigatoriedade do PPP a partir de 01/01/2004.
5. A classificação de um agente químico no Grupo 1 da LINACH representa conclusão científica robusta quanto à sua efetiva carcinogenicidade em humanos, o que justifica, para fins previdenciários, o reconhecimento da presunção de nocividade da exposição habitual, mesmo que haja indicação de EPI eficaz, dada a elevada toxicidade, o potencial cumulativo e a natureza persistente da exposição.
6. Menções genéricas a agentes químicos, como "óleo de corte" ou "hidrocarbonetos", sem especificação da composição, quando acompanhadas da indicação de EPI eficaz, não permitem o reconhecimento da especialidade, uma vez que não há como afirmar que se está diante de substância prevista na LINACH.
7. No caso concreto, reconhece-se a especialidade dos períodos de 13/3/1987 a 13/4/1987 e 8/6/1987 a 15/6/1990 (ferramenteiro, enquadramento por categoria profissional), 16/6/1997 a 2/12/1998 (agente químico - óleo de corte) e 8/9/2004 a 9/3/2007 (ruído acima do limite legal). Afasta-se o reconhecimento da especialidade nos períodos de 3/12/1998 a 4/4/2003 e de 19/4/2010 a 8/6/2016, diante de ruído abaixo dos limites e menções genéricas a agentes químicos, com indicação de EPI eficaz.
8. Computados os períodos reconhecidos, o autor totaliza 17 anos, 1 mês e 25 dias de tempo especial até a DER, insuficientes para a concessão da aposentadoria especial.
IV. Dispositivo e tese
9. Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento: “1. Menções genéricas a agentes químicos, sem especificação da composição, quando acompanhadas da indicação de EPI eficaz, não permitem o reconhecimento da especialidade, uma vez que não há como afirmar que se trata de substância prevista na Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos - LINACH.”
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Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.213/91, arts. 57 e 58; Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79; Decreto nº 3.048/99, art. 68, § 4º; Decreto nº10.410/2020.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 664335, Rel. Min. Luiz Fux, Pleno; STF, Tema 555; STJ, Tema 1090 (REsp 2082072/RS); TRF3, ApCiv 5010632-77.2025.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
