
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012223-63.2018.4.03.6105
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SILVIO LUIS VARANELLI
Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRA THYSSEN - SP202570-A
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012223-63.2018.4.03.6105
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SILVIO LUIS VARANELLI
Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRA THYSSEN - SP202570-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Trata-se de agravo interno interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra decisão que negou provimento ao apelo da autarquia, mantendo o reconhecimento da atividade especial dos períodos de 07/08/1989 a 31/05/1992, 08/06/1992 a 31/12/2008, 01/01/2008 a 31/12/2010, 03/12/2015 a 15/04/2016 e 13/07/2016 a 26/10/2016, e a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Em suas razões recursais, o INSS, preliminarmente, requer o sobrestamento do feito até o julgamento definitivo do Tema 1.209 pelo Supremo Tribunal Federal, que trata da possibilidade de reconhecimento de atividade especial por periculosidade. No mérito, argumenta que a exposição à eletricidade deixou de ser considerada agente nocivo para fins previdenciários a partir de 06/03/1997, conforme o Decreto nº 2.172/97, e que o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz, especialmente após 02/12/1998, descaracteriza a especialidade da atividade, conforme jurisprudência do STF. Quanto ao agente ruído, sustenta que os níveis registrados nos períodos analisados estão dentro dos limites legais, não sendo suficientes para enquadramento como atividade especial. O INSS também destaca a ausência de fonte de custeio para benefícios concedidos com base em periculosidade, o que comprometeria o equilíbrio atuarial do sistema previdenciário, violando os arts. 195, §5º e 201 da Constituição Federal. Por fim, requer que, caso não haja provimento ao recurso, sejam enfrentadas expressamente todas as questões e dispositivos legais suscitados, para fins de interposição de recursos excepcionais.
Requer a reconsideração da decisão ou o envio para julgamento do recurso pela C. 8ª Turma desta Corte.
Com as contrarrazões da parte autora (Id 325737879), vieram os autos à conclusão.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012223-63.2018.4.03.6105
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SILVIO LUIS VARANELLI
Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRA THYSSEN - SP202570-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
O recurso autárquico não merece provimento.
Inicialmente, ressalto não ser caso de suspensão do processo, haja vista que a leading case referente ao Tema 1209/STF (RE n.º 1.368.225/RS) diz respeito à atividade especial de vigilante, diversa do caso dos autos que trata de profissional exposto à tensão elétrica superior a 250 Volts.
Nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC, é dever do agravante impugnar de forma específica os fundamentos da decisão agravada, o que não se verifica no presente caso. O recurso reitera argumentos já enfrentados na decisão monocrática, sem apresentar elementos novos capazes de infirmar sua fundamentação.
Registre-se que a decisão guerreada está fulcrada no entendimento firmado em sede de Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.º 1.306.113/SC (Tema 534/STJ), que afirmou a possibilidade de enquadramento especial do trabalho exercido, de modo habitual e permanente, em exposição a tensões elétricas superiores a 250 Volts.
Na mesma linha, a decisão encontra amparo no Tema 210 da TNU:
“Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n. 8.213/91 à tensão elétrica superior a 250 V, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.” (trânsito em julgado em 26/05/2020)
Assim, mesmo com a supressão do agente do rol do Decreto n.º 2.172/97, o entendimento predominante no Tribunal Superior é no sentido de que é possível reconhecer a especialidade de tal labor.
Com relação à alegação de uso de EPI eficaz, na atividade envolvendo contato com produtos químicos, ressalte-se que a parte laborava com exposição, de modo habitual e permanente, a ácido sulfúrico e querosene.
Ressalte-se que, no caso de exposição a agentes químicos, a aferição da especialidade da atividade laborativa exige que se considere, além da habitualidade e permanência da exposição, a natureza e classificação do agente nocivo envolvido. Para tanto, adota-se como parâmetro técnico a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos – LINACH, elaborada pela Fundacentro com base nas diretrizes da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer – IARC, que classifica os agentes cancerígenos em quatro grupos:
• Grupo 1 – Cancerígeno para humanos (evidência suficiente);
• Grupo 2A – Provavelmente cancerígeno (evidência limitada em humanos e suficiente em animais);
• Grupo 2B – Possivelmente cancerígeno (evidência limitada ou menos robusta);
• Grupo 3 – Inclassificável quanto à carcinogenicidade.
A classificação de um agente no Grupo 1 da LINACH representa conclusão científica robusta quanto à sua efetiva carcinogenicidade em humanos, o que justifica, para fins previdenciários, o reconhecimento da presunção de nocividade da exposição habitual, mesmo que haja indicação de EPI eficaz, dada a elevada toxicidade, o potencial cumulativo e a natureza persistente da exposição.
Até 30/06/2020, antes da entrada em vigor do Decreto nº 10.410/2020, a regulamentação previdenciária (art. 68 do Decreto nº 3.048/1999, na redação anterior) não previa regra normativa expressa sobre a eficácia do EPI como fator de neutralização da nocividade, o que permitia, na prática administrativa e judicial, reconhecer a especialidade da atividade sempre que houvesse exposição habitual a agentes listados nos Grupos 1, 2A ou 2B da LINACH, independentemente da proteção registrada.
O marco temporal de 01/07/2020, por sua vez, corresponde à entrada em vigor do Decreto nº 10.410/2020, que alterou substancialmente o artigo 68 do Regulamento da Previdência Social, introduzindo o §4º, com a seguinte redação:
“Art. 68, §4º. Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição.”
Nesse contexto, os agentes classificados nos Grupos 2A e 2B da LINACH passaram a depender de verificação técnica concreta quanto à eficácia da proteção individual, não sendo mais presumida sua nocividade a partir de 01/07/2020.
Em contraposição, os agentes do Grupo 1 mantêm a presunção de nocividade, mesmo após o novo decreto, justamente por se tratar de substâncias cuja periculosidade à saúde humana já se encontra cientificamente comprovada e reconhecida em nível normativo nacional (LINACH).
No caso dos autos, é sabido que querosene contém benzeno, que é classificado como um agente cancerígeno, do Grupo 1, de modo que a alegação de EPI eficaz não é apta a afastar o reconhecimento da especialidade.
No que tange à alegação de ruído dentro dos limites legais, entendo inexistir óbice ao enquadramento como especial, de atividade exposta a esse agente nocivo em patamares exatos, isto é, 80, 90 e 85 decibéis.
Isso porque, seja qual for a metodologia utilizada ou por mais moderno que seja o aparelho de medição, sua precisão nunca é absoluta, havendo uma margem de erro, inclusive em função da própria calibração do aparelho.
Ademais, considerando a natureza social que permeia o direito previdenciário, seria excessivamente rigoroso deixar de reconhecer a atividade especial do segurado exposto a níveis de ruído equivalentes ao limite que o próprio legislador estabeleceu como prejudicial à saúde.
Esse entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte Regional:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. PRELIMINAR. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. NÍVEL PREJUDICIAL. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
(...)
II - Deve ser mantido o reconhecimento da especialidade do intervalo controverso de 19.11.2003 a 30.10.2005 (85 dB), vez que o autor esteve exposto a ruído em patamar prejudicial (Decreto nº 4.882/2003 e 3.048/1999 - código 2.0.1). Como consignado na decisão agravada, é irrelevante o fato de o empregado estar exposto a ruído igual ou acima de 85 decibéis, ante a impossibilidade técnica de se verificar que aquele seria menos prejudicial do que este último.
(...)
IV – Preliminar rejeitada. Agravo interno (art. 1.021, CPC/2015) interposto pelo INSS improvido. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000584-76.2016.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 24/02/2021, Intimação via sistema DATA: 26/02/2021)
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. NÍVEL DE RUÍDO IGUAL AO LIMITE LEGAL MÍNIMO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. POSSIBILIDADE.
(...).
7- Consigne-se que, de 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
8- A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
9- Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
(...).
12- Entendo inexistir óbice ao reconhecimento do tempo de serviço especial no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, não obstante o PPP tenha apontado a exposição a ruído equivalente a 90 dB(A), pois, por mais moderno que possa ser o aparelho que faz a medição do nível de ruído do ambiente, a sua precisão nunca é absoluta, havendo uma margem de erro tanto em razão do modelo de equipamento utilizado, como em função da própria calibração.
13- Diante da natureza social de que se reveste o direito previdenciário, seria de demasiado rigor formal deixar de reconhecer a atividade especial ao segurado exposto a ruído equivalente ao limite estabelecido pelo próprio legislador como nocivo à saúde. 14- Razoável considerar a atividade como sendo especial em casos como o dos autos, em que tenha sido apurado o nível de ruído igual ao limite estipulado pela legislação previdenciária.
(...).
21- Apelo da parte autora provido.”. (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0030899-10.2015.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 21/08/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020)
Para mais, a alegada inexistência de fonte de custeio não é óbice ao reconhecimento da atividade especial, consoante entendimento firmado pelo E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo n.º 664.335/SC. Confira-se a Ementa do julgado embargado, neste tocante:
“A tese da inexistência de custeio não é óbice ao reconhecimento do tempo especial, conforme entendimento firmado pelo STF (ARE 664.335), uma vez que o direito à aposentadoria especial tem fundamento constitucional e encontra previsão na legislação previdenciária vigente.
(...) 2. A ausência de contribuição adicional pela empresa empregadora não obsta o reconhecimento de atividade especial para fins de concessão de benefício previdenciário."
Vê-se, assim, que o agravo interno não trouxe argumento capaz de modificar as razões expostas na decisão ora combatida, em uma nítida tentativa de rediscussão da matéria enfrentada e rechaçada monocraticamente. Se traduz, assim, em mero inconformismo quanto ao que foi decidido, não merecendo procedência.
Consequentemente, a manutenção da decisão monocrática agravada é medida que se impõe.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno para manter na íntegra o julgado monocrático.
É como voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5012223-63.2018.4.03.6105 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | SILVIO LUIS VARANELLI |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. ATIVIDADE ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A ELETRICIDADE SUPERIOR A 250 VOLTS, PRODUTOS QUÍMICOS CANCERÍGENOS E RUÍDO. RECURSO DO INSS DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
- Agravo interno interposto pelo INSS contra decisão que manteve o reconhecimento da atividade especial nos períodos laborados pelo segurado, em razão da exposição a eletricidade superior a 250 volts, a agentes químicos nocivos (ácido sulfúrico e querosene, contendo benzeno) e a ruído, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
- Há quatro questões em discussão: (i) definir se caberia a suspensão do processo em razão do Tema 1209/STF; (ii) estabelecer se a exposição a eletricidade superior a 250 volts pode ser considerada atividade especial mesmo após o Decreto nº 2.172/97; (iii) determinar se a utilização de EPI eficaz descaracteriza a especialidade quando o agente químico é reconhecidamente cancerígeno; (iv) verificar se a exposição a ruído em níveis iguais ao limite legal pode ser considerada nociva para fins de reconhecimento de tempo especial.
III. RAZÕES DE DECIDIR
- A suspensão do processo não se aplica, pois o Tema 1209/STF trata de vigilantes, enquanto o caso versa sobre eletricidade acima de 250 volts.
- O STJ, no Tema 534, admite o reconhecimento da especialidade em caso de exposição habitual e permanente a tensões elétricas superiores a 250 volts, ainda que excluídas do rol do Decreto nº 2.172/97.
- A TNU, no Tema 210, reafirma a possibilidade de enquadramento especial da atividade em razão da eletricidade, desde que a exposição seja indissociável da função exercida.
- Quanto aos agentes químicos, o contato habitual com substâncias classificadas no Grupo 1 da LINACH (como o benzeno, presente no querosene) gera presunção de nocividade, não afastada pelo uso de EPI.
- A regulamentação anterior ao Decreto nº 10.410/2020 não condicionava o reconhecimento da especialidade à eficácia do EPI para agentes cancerígenos do Grupo 1.
- A exposição a ruído nos níveis limítrofes de 80, 85 e 90 dB deve ser considerada nociva, em razão da margem de erro das medições e da proteção social inerente ao direito previdenciário.
- O STF já assentou que a ausência de contribuição adicional pelo empregador não impede o reconhecimento de tempo especial (ARE 664.335/SC).
- O agravo interno não apresenta impugnação específica e apenas reitera argumentos já afastados, configurando mero inconformismo.
IV. DISPOSITIVO E TESE
- Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
- O Tema 1209/STF, relativo a vigilantes, não se aplica a trabalhadores expostos a eletricidade acima de 250 volts.
- A exposição habitual e permanente a tensões elétricas superiores a 250 volts caracteriza atividade especial, ainda que não prevista no rol regulamentar.
- A exposição a agentes químicos classificados no Grupo 1 da LINACH mantém a presunção de nocividade, mesmo com alegação de uso de EPI eficaz.
- O ruído medido em nível igual ao limite de tolerância legal deve ser considerado nocivo em razão da margem de erro técnica e da proteção social do direito previdenciário.
- A inexistência de fonte de custeio específico não impede o reconhecimento do tempo especial para fins de concessão de benefício previdenciário.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 195, §5º, e 201; CPC, art. 1.021, §1º; Lei 8.213/91, art. 57, §3º; Decretos nº 2.172/97, nº 3.048/1999 (art. 68), nº 4.882/2003 e nº 10.410/2020.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.306.113/SC (Tema 534, representativo de controvérsia); TNU, Tema 210 (julgado em 26/05/2020); STF, ARE nº 664.335/SC; TRF3, ApCiv nº 5000584-76.2016.4.03.6183, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Sérgio do Nascimento, j. 24/02/2021; TRF3, ApCiv nº 0030899-10.2015.4.03.9999, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Delgado, j. 21/08/2020.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
