
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016491-13.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SYLVIA TRUDES PEREIRA DA SILVA VISSOTTO
Advogado do(a) APELADO: RUBENS GONCALVES MOREIRA JUNIOR - SP229593-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016491-13.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SYLVIA TRUDES PEREIRA DA SILVA VISSOTTO
Advogado do(a) APELADO: RUBENS GONCALVES MOREIRA JUNIOR - SP229593-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qual a parte autora busca o reconhecimento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou procedente o pedido para:
(i) enquadrar como atividade especial os intervalos de 1º/1/2001 a 8/5/2006, de 16/10/2006 a 1º/2/2012 e de 19/6/2017 a 19/9/2019;
(ii) determinar a concessão do benefício de aposentadoria nos termos do artigo 17 da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019, desde a data do requerimento administrativo (DER 29/11/2022), fixados os consectários legais.
Inconformado, o INSS interpôs apelação, na qual arguiu a ocorrência de prescrição quinquenal.
No mérito propriamente dito, sustentou a impossibilidade de reconhecimento da atividade especial, bem como a inviabilidade da concessão do benefício pleiteado. Alegou, ainda, a necessidade de apresentação de declaração de não acumulação de benefícios, nos termos do artigo 24, §§ 1º e 2º, da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019.
No que se refere aos consectários legais, requereu a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a isenção do pagamento das custas processuais e a compensação dos valores eventualmente pagos na esfera administrativa ou por força de tutela antecipada.
Ao final, o INSS, prequestionou a matéria para fins recursais, com vistas a possível manejo de recursos aos tribunais superiores.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016491-13.2024.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SYLVIA TRUDES PEREIRA DA SILVA VISSOTTO
Advogado do(a) APELADO: RUBENS GONCALVES MOREIRA JUNIOR - SP229593-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Na espécie, não incide a norma prevista no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC (remessa necessária), pois o valor da condenação ou o proveito econômico estimado não ultrapassa mil salários mínimos. Prevalece, nesse ponto, a certeza matemática em detrimento da aplicação automática da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nos termos do princípio tantum devolutum quantum appellatum, passo à análise das questões efetivamente impugnadas pela parte em recurso.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Agente Nocivo Ruído
Os limites legais de tolerância ao ruído são:
(i) até 5/3/1997: acima de 80 dB;
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB;
(iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB.
Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada.
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI.
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso.
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
Analisados os autos, é possível reconhecer a especialidade dos períodos de 1º/1/2001 a 8/5/2006, de 16/10/2006 a 1º/2/2012 e de 19/6/2017 a 19/9/2019, pois a parte autora logrou demonstrar, via Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), o desempenho das atividades de analista de laboratório e de microbiologia em ambiente hospitalar e em laboratório especializado, com exposição habitual e permanente a agentes biológicos (vírus, fungos e bactérias), fato que permite o enquadramento nos termos dos códigos 3.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999.
Diante das circunstâncias que envolvem a prestação laboral em exame, especialmente considerando que as atividades desempenhadas abrangem a realização de testes e análises clínicas em ambiente ambulatorial, impõe-se reconhecer que a utilização do EPI não se revela apta a eliminar ou neutralizar, de forma eficaz, a nocividade dos agentes a que o trabalhador se encontra exposto.
Tal constatação harmoniza-se com a prova dos autos e foi expressamente ressaltada na sentença, a qual destacou a insuficiência do EPI como medida de proteção plena diante da natureza do risco inerente à atividade desenvolvida.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos interregnos debatidos, restando mantida a sentença nesse aspecto.
Da Aposentadoria Por Tempo De Serviço/Contribuição e Programada
A concessão do benefício previdenciário, independentemente da data do requerimento administrativo e considerado o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época da reunião de todos os requisitos, deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao segurado(a), a ser devidamente analisada na fase de cumprimento de sentença.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime de repercussão geral (RE 630.501/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 21/2/2013, DJe de 23/8/2013, pub. em 26/8/2013).
Somados os períodos especiais ora reconhecidos aos lapsos incontroversos, na data do requerimento administrativo (DER 29/11/2022), a parte autora faz jus à aposentadoria conforme o artigo 17 das regras de transição da EC n. 103/2019, conforme planilha anexa à sentença.
Demais Questões
Afasto a alegação de prescrição quinquenal, tendo em vista que não transcorreu período superior a cinco anos entre a data do requerimento administrativo (DER) e o ajuizamento desta ação.
Quanto à base de cálculo dos honorários advocatícios, esta não merece reparos, pois já fixada consoante a Súmula n. 111 do STJ, nos termos da pretensão recursal do INSS.
Assim, fica mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Os demais consectários não foram objeto de questionamento nas razões recursais, de modo que se mantêm à luz do julgado a quo.
Tendo em vista as disposições da EC n. 103/2019 sobre acumulação de benefícios em regimes de previdência social diversos (§§ 1º e 2º do art. 24), é necessária a apresentação de declaração, nos moldes do Anexo I da Portaria PRES/INSS n. 450/2020, na fase de cumprimento do julgado.
Ademais, possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados nesse momento.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Dispositivo
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5016491-13.2024.4.03.6183 |
| Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
| Requerido: | SYLVIA TRUDES PEREIRA DA SILVA VISSOTTO |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. INEFICÁCIA DO EPI. REQUISITOS PREENCHIDOS. ARTIGO 17 DAS REGRAS DE TRANSIÇÃO DA EC N. 103/2019. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
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Apelação interposta pelo INSS em face da sentença que acolheu os pedidos de enquadramento da atividade especial e de concessão do benefício previdenciário. Argui a ocorrência da prescrição quinquenal, a ausência de prova da especialidade, a necessidade de declaração de não acumulação de benefícios e revisão de alguns consectários.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
-
As questões em discussão são:
(i) incidência da prescrição quinquenal;
(ii) reconhecimento de atividade especial pela exposição a agentes biológicos;
(iii) exigência de declaração de não acumulação de benefícios;
(iv) fixação dos consectários legais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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A prescrição quinquenal não alcança o direito ao benefício, mas apenas parcelas vencidas, inexistentes na hipótese.
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A exposição habitual e permanente a agentes biológicos autoriza o enquadramento como atividade especial.
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O fornecimento de EPI não descaracteriza a especialidade quando se tratar de agentes biológicos, dada sua ineficácia prática.
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A concessão da aposentadoria segue a regra de transição do artigo 17 da EC n. 103/2019, prevalecendo a condição mais benéfica ao segurado.
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Honorários advocatícios majorados, observada a Súmula n. 111 do STJ; INSS isento de custas, sem prejuízo do ressarcimento de despesas processuais adiantadas pela parte.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
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A prescrição quinquenal não prejudica o direito ao benefício previdenciário.
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A exposição habitual a agentes biológicos caracteriza atividade especial.
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O uso de EPI não neutraliza a nocividade dos agentes biológicos.
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A aposentadoria deve observar a regra de transição mais vantajosa prevista na EC n. 103/2019.
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Honorários advocatícios majorados, com isenção de custas ao INSS, ressalvado o ressarcimento.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 195, § 5º; EC n. 103/2019, arts. 17 e 24; CPC, arts. 85 e 496; Lei n. 8.212/1991, art. 30, I; Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE n. 664.335 (Tema 555 RG); STJ, Tema 1.090; STJ, Temas 422, 546 e 694; STJ, Súmula n. 111.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
