
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004576-81.2022.4.03.6103
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ISAIAS CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALERIANI DE TOLEDO ALMEIDA - SP260401-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004576-81.2022.4.03.6103
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ISAIAS CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALERIANI DE TOLEDO ALMEIDA - SP260401-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para apenas enquadrar como atividade especial o interstício de 6/3/1997 a 8/3/2015 e, por fim, condenou o autor ao pagamento dos honorários advocatícios.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, no qualexora a procedência integral dos pedidos arrolados na inicial, com o enquadramento da atividade especial do período de 7/2/1990 a 10/9/1996 e a obtenção do benefício previdenciário.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004576-81.2022.4.03.6103
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ISAIAS CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: LUCAS VALERIANI DE TOLEDO ALMEIDA - SP260401-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Na espécie, não incide a norma prevista no artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC (remessa necessária), pois o valor da condenação ou o proveito econômico estimado não ultrapassa mil salários mínimos. Prevalece, nesse ponto, a certeza matemática em detrimento da aplicação automática da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nos termos do princípio tantum devolutum quantum appellatum, passo à análise das questões efetivamente impugnadas pela parte em recurso.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Agente Nocivo Ruído
Os limites legais de tolerância ao ruído são:
(i) até 5/3/1997: acima de 80 dB;
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB;
(iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB.
Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada.
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI.
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso.
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
Analisados os autos, é possível reconhecer a especialidade do único período controvertido de 7/2/1990 a 10/9/1996, pois constam formulários-padrão e laudo técnico que revelam a exposição habitual e permanente a ruído acima do limite de tolerância previstos nas normas regulamentares.
Desse modo, o intervalo supracitado deve ser enquadrado como especial, juntamente com o lapso incontroverso de 6/3/1997 a 8/3/2015.
Da Aposentadoria Especial
Somados os períodos de atividade especial reconhecidos judicial e administrativamente (de 12/9/1996 a 5/3/1997), a parte autora completou os 25 (vinte e cinco) anos de tempo especial exigidos para a concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Todavia, deve ser observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991 e nos termos do julgamento do Tema 709 do STF.
Demais Questões
O termo inicial dos efeitos financeiros da concessão do benefício deve ser a data do requerimento administrativo (DER 10/8/2015), porquanto os elementos apresentados naquele momento já permitiam o cômputo dos períodos reconhecidos nestes autos.
Outrossim, afasto a alegação de prescrição quinquenal, tendo em vista que não transcorreu período superior a cinco anos entre a data da conclusão do processo administrativo (13/12/2018) e o ajuizamento desta ação (5/9/2022).
Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de se adotar o seguinte:
(i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal;
(ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
Contudo, desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Invertida a sucumbência, condena-se o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
Dispositivo
Diante do exposto, dou provimento ao recurso de apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação supra: (i) também enquadrar como atividade especial o intervalo de 7/2/1990 a 10/9/1996; (ii) determinar a concessão da aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (DER 10/8/2015); (iii) estabelecer os critérios de incidência dos consectários.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5004576-81.2022.4.03.6103 |
| Requerente: | ISAIAS CARVALHO |
| Requerido: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. EPI. ENQUADRAMENTO RECONHECIDO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
-
Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em que a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial e a concessão de aposentadoria especial. A sentença reconheceu apenas parte do período como especial e julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o autor ao pagamento de honorários. Em apelação, a parte autora requer o enquadramento de período adicional como especial e a concessão do benefício.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
-
As questões em discussão são: (i) definir se o período controvertido pode ser reconhecido como tempo de serviço especial em razão de exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites legais; (ii) estabelecer se, somados os períodos reconhecidos, o autor faz jus à concessão de aposentadoria especial.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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O enquadramento da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço, sendo válida a conversão de tempo até a alteração promovida pela Emenda Constitucional n. 103.
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Os limites de tolerância ao ruído fixados pela legislação não podem ser aplicados retroativamente, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça.
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O uso de EPI somente afasta a especialidade quando comprovada sua eficácia plena, o que não ocorre em relação ao agente ruído, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
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No caso concreto, os documentos técnicos apresentados comprovam exposição habitual e permanente a ruído acima do limite de tolerância, autorizando o reconhecimento do período controvertido como especial.
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Somados os períodos reconhecidos judicial e administrativamente, o autor completou o tempo mínimo de atividade especial exigido para a concessão da aposentadoria especial, com efeitos financeiros desde a data do requerimento administrativo.
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Os consectários devem observar os critérios fixados: aplicação da correção monetária e juros conforme jurisprudência consolidada até a Emenda Constitucional n. 113, e, a partir de então, incidência exclusiva da Taxa SELIC.
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O INSS deve arcar com honorários advocatícios, fixados em 10% sobre as parcelas vencidas até a data do acórdão, admitida a redução na fase de execução se o valor ultrapassar 200 salários mínimos.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Recurso provido.
Tese de julgamento:
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O reconhecimento de tempo de serviço especial deve observar a legislação vigente à época da prestação da atividade.
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O fornecimento de EPI não descaracteriza a especialidade em casos de exposição a ruído acima dos limites de tolerância.
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Comprovado o exercício do tempo mínimo em atividade especial, o segurado tem direito à concessão da aposentadoria especial desde a DER.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 195, § 5º; EC n. 103/2019, arts. 19, § 1º, I, e 25, § 2º; CPC, art. 496, § 3º, I, e art. 85; Lei n. 8.212/1991, art. 30, I; Lei n. 8.213/1991, arts. 57 e § 8º; Lei n. 6.899/1981; EC n. 113/2021, art. 3º.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE n. 664.335 (Tema 555, Repercussão Geral); STF, RE n. 870.947 (Repercussão Geral); STF, RE n. 579.431 (Repercussão Geral); STF, RE n. 791.961 (Tema 709, Repercussão Geral); STJ, REsp repetitivo (Tema 422); STJ, REsp repetitivo (Tema 546); STJ, REsp repetitivo (Tema 694); STJ, REsp repetitivo (Tema 1.090).
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
