
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008270-46.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: JOSE JORGE SALES BARBOZA
Advogado do(a) APELANTE: JOSE EDUARDO DO CARMO - SP108928-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008270-46.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: JOSE JORGE SALES BARBOZA
Advogado do(a) APELANTE: JOSE EDUARDO DO CARMO - SP108928-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Trata-se de agravo interno interposto pelo INSS contra decisão monocrática que reconheceu como tempo especial os períodos de trabalho do autor com exposição à eletricidade em tensão superior a 250 volts, e concedeu o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a DER.
Em suas razões recursais, o INSS aduz a necessidade de suspensão do processo, tendo em vista o Recurso Extraordinário representativo de controvérsia n.º 1.368.225/RS (Tema 1209/STF), que versa sobre a nocividade, com risco à integridade física, do segurado em atividade de vigilante, o que, no entender do agravante, se estenderia a outras atividades perigosas. Alega, também, a impossibilidade de enquadramento, a partir de 06/03/1997, da atividade profissional perigosa, por falta de disposição legal e constitucional.
Requer a reconsideração da decisão ou o envio para julgamento do recurso pela C. 8ª Turma desta Corte.
Com as contrarrazões da parte autora (Id 333269404), vieram os autos à conclusão.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008270-46.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: JOSE JORGE SALES BARBOZA
Advogado do(a) APELANTE: JOSE EDUARDO DO CARMO - SP108928-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
O recurso autárquico não merece provimento.
Inicialmente, ressalto não ser caso de suspensão do processo, haja vista que a leading case referente ao Tema 1209/STF (RE n.º 1.368.225/RS) diz respeito à atividade especial de vigilante, diversa do caso dos autos que trata de profissional exposto à tensão elétrica superior a 250 Volts.
Nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC, é dever do agravante impugnar de forma específica os fundamentos da decisão agravada, o que não se verifica no presente caso. O recurso reitera argumentos já enfrentados na decisão monocrática, sem apresentar elementos novos capazes de infirmar sua fundamentação.
Registre-se que a decisão guerreada está fulcrada no entendimento firmado em sede de Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.º 1.306.113/SC (Tema 534/STJ), que afirmou a possibilidade de enquadramento especial do trabalho exercido, de modo habitual e permanente, em exposição a tensões elétricas superiores a 250 Volts.
Na mesma linha, a decisão encontra amparo no Tema 210 da TNU:
“Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n. 8.213/91 à tensão elétrica superior a 250 V, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.” (trânsito em julgado em 26/05/2020)
Assim, mesmo com a supressão do agente do rol do Decreto n.º 2.172/97, o entendimento predominante no Tribunal Superior é no sentido de que é possível reconhecer a especialidade de tal labor.
Ademais, quanto ao reconhecimento do período pretendido, a decisão foi fundamentada nos seguintes termos:
“(...)
Do agente nocivo “ Eletricidade”
No que se refere à eletricidade, esta é considerada como agente nocivo, conforme o item 1.1.8 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64, nos seguintes termos:
“Campo de Aplicação - Eletricidade - Operações em locais com eletricidade em condições de perigo de vida. Serviços e Atividades Profissionais - Trabalhos permanentes em instalações ou equipamentos elétricos com risco de acidentes - Eletricistas, cabistas, montadores e outros; Classificação - Perigoso; Tempo e Trabalho Mínimo - 25 anos; Observações - Jornada normal ou especial fixada em lei em serviços expostos a tensão superior a 250 volts (...).”
Neste ponto, cumpre observar que, não obstante os Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 tenham deixado de prever a eletricidade como agente nocivo para fins previdenciários, a jurisprudência tem entendido que a exposição ao referido agente não deixou de ser perigosa, sendo que o rol de atividades especiais é meramente exemplificativo.
Essa questão restou superada, nos termos do entendimento adotado pelo C. STJ no julgamento do REsp. nº 1.306.113/SC (representativo de controvérsia, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013), que reconhece o caráter exemplificativo do rol de atividades especiais presentes nos regulamentos de benefícios da Previdência Social.
No caso de exposição com alta tensão elétrica (superior a 250 volts), a caracterização como atividade especial não depende da exposição contínua do trabalhador durante toda a jornada de trabalho. O simples contato mínimo com esse agente representa um risco potencial de morte, o que justifica o cômputo especial do tempo de trabalho, conforme entendimento firmado pela Turma Nacional de Uniformização (Tema 210):
“Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 à tensão elétrica superior a 250 V, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.”
Quanto à eficácia do EPI, vale dizer que, por ocasião do julgamento do ARE 664335, o STF assentou as seguintes teses: a) “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial"; b) "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Destaco, ainda, que o uso de equipamento de proteção individual não descaracteriza a natureza especial da atividade a ser considerada, uma vez que tal tipo de equipamento não elimina os agentes nocivos à saúde que atingem o segurado em seu ambiente de trabalho, mas somente reduz seus efeitos. Nesse sentido, precedentes desta E. Corte (AC nº 2000.03.99.031362-0/SP; 1ª Turma; Rel. Des. Fed. André Nekatschalow; v.u; J. 19.08.2002; DJU 18.11) e do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp 584.859/ES, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julgado em 18/08/2005, DJ 05/09/2005 p. 458.
Contudo, cabe ressaltar que, para descaracterização da atividade especial em razão do uso de EPI, há necessidade de prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado.
Da fonte de custeio
De outra parte, não há falar em ausência de prévia fonte de custeio para o reconhecimento da atividade especial e sua conversão em tempo de serviço comum, haja vista que a obrigação do desconto e o recolhimento das contribuições no que tange à figura do empregado são de responsabilidade exclusiva de seu empregador, inclusive no tocante ao recolhimento do Seguro de Acidente do Trabalho, cabendo ao INSS fiscalizar e exigir o cumprimento de tal obrigação.
Do caso concreto
No presente caso, a parte autora demonstrou haver laborado em atividade especial nos períodos de 01/03/2007 a 30/11/2008, 01/01/2009 a 31/01/2014 e de 01/04/2014 a 17/01/2019. É o que comprova o Perfi Profissiográfico Previdenciário – PPP, emitido pela empresa “EDP São Paulo - Distribuição de Energia S.A”, trazendo a conclusão de que a parte autora desempenhou as atividades profissionais, com exposição à eletricidade, com tensão acima de 250 volts, que encontram classificação no código 1.1.8 do Anexo III do Decreto nº 53.831/64.
Observe-se que o PPP apresentado deve ser reconhecido como idôneo, encontrando-se formalmente em ordem, constando o nome dos responsáveis técnicos e o número do registro no respectivo Conselho de Classe, bem como carimbo e assinatura do responsável pela empresa, tendo trazido a profissiografia, com a descrição das atividades desenvolvidas pelo autor de maneira detalhada, indicando exposição à eletricidade, com tensão acima de 250 volts, não havendo qualquer elemento capaz de afastar a consideração dos agentes nele relatados. Outrossim, caberia à autarquia previdenciária comprovar eventual falsidade das anotações nele contidas. Em não fazendo, restam as mesmas incólumes e aptas a comprovar as atividades e os agentes ali mencionados.
Nesse sentido já decidiu esta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. ELETRICIDADE. IMPLEMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À APOSENTAÇÃO. (…)
- O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado sob o rito do art. 543-C do CPC, sedimentou o caráter meramente exemplificativo das normas regulamentadoras que estabelecem as atividades e os agentes nocivo, reiterando a possibilidade de enquadramento do trabalho exposto à eletricidade após o Decreto n.º 2.172/97, que a suprimiu do rol de agentes (REsp 1.306.113/SC)
- Admite-se como especial a atividade realizada com exposição ao agente nocivo eletricidade, desde que a tensão elétrica seja superior a 250 volts.
- Inteligência do disposto no Decreto nº 53.381/64, item 1.1.8.
- Os períodos especiais superam 25 anos, a permitir a concessão da aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei n.º 8.213/91.
- Quanto ao termo inicial, o benefício é devido desde a data do requerimento administrativo. (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL 5003847-77.2020.4.03.6183, 8ª Turma, Relatora Desembargadora Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, Julgamento: 08/08/2024, DJEN Data: 13/08/2024)
Assim, restou devidamente comprovados nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos acima indicados, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição ao agente nocivo supra.
(...)
Cumpre ressaltar que o período em que a parte autora trabalhou com registro em CTPS é suficiente para garantir-lhe o cumprimento do período de carência, na data do requerimento administrativo, nos termos do art. 142 da Lei nº 8.213/91.
Desta forma, a parte autora alcançou 36 anos e 01 dia, na data do requerimento administrativo (22/07/2019), sendo, portanto, devido o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição, disciplinado pelo artigo 201, § 7º, da Constituição Federal e artigos 52 e seguintes da Lei nº 8.213/91, tendo em vista o preenchimento dos requisitos após a Emenda Constitucional nº 20/98, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 95 pontos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, nos termos do art. 54 da Lei 8.213/1991, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria.“
Vê-se, assim, que o agravo interno não trouxe argumento capaz de modificar as razões expostas na decisão ora combatida, em uma nítida tentativa de rediscussão da matéria enfrentada e rechaçada monocraticamente. Se traduz, assim, em mero inconformismo quanto ao que foi decidido, não merecendo procedência.
Consequentemente, a manutenção da decisão monocrática agravada é medida que se impõe.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno para manter na íntegra o julgado monocrático. De ofício, corrijo o erro material constante da decisão monocrática, para constar que os períodos de 01/03/2007 a 30/11/2008, 01/01/2009 a 31/01/2014 e de 01/04/2014 a 17/01/2019 , tratam de labor especial, e não labor rural como constou.
É como voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5008270-46.2021.4.03.6183 |
| Requerente: | JOSE JORGE SALES BARBOZA |
| Requerido: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO À ELETRICIDADE SUPERIOR A 250 VOLTS. POSSIBILIDADE. ROL EXEMPLIFICATIVO. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
- Agravo interno interposto pelo INSS contra decisão monocrática que reconheceu como tempo especial os períodos laborados pelo segurado em atividade com exposição à eletricidade em tensão superior a 250 volts, concedendo-lhe aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
- Há duas questões em discussão: (i) definir se o processo deveria ser suspenso em razão do Tema 1209/STF, relativo a vigilante; (ii) estabelecer se é possível o reconhecimento de tempo especial em atividade com exposição à eletricidade superior a 250 volts, mesmo após a exclusão do agente nocivo pelo Decreto nº 2.172/97.
III. RAZÕES DE DECIDIR
- O Tema 1209/STF, referente à atividade de vigilante, não se aplica ao caso concreto, que versa sobre eletricidade, razão pela qual não cabe suspensão do processo.
- O art. 1.021, §1º, do CPC exige a impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada, o que não ocorreu, pois o INSS apenas reiterou alegações já enfrentadas.
- O STJ, no Tema 534 (REsp 1.306.113/SC), fixou que o rol de atividades especiais é meramente exemplificativo, admitindo o reconhecimento de tempo especial pela exposição a tensões elétricas superiores a 250 volts.
- A TNU, no Tema 210, assentou que o contato com eletricidade superior a 250 volts caracteriza atividade especial independentemente do tempo mínimo de exposição, dada a periculosidade intrínseca.
- A jurisprudência entende que o uso de EPI não afasta, por si só, a especialidade da atividade, salvo prova de neutralização integral do agente nocivo.
- O PPP apresentado pelo autor é idôneo e comprova a efetiva exposição ao agente eletricidade acima de 250 volts, cabendo ao INSS impugnar sua veracidade, o que não ocorreu.
- O tempo especial reconhecido, somado ao tempo comum, assegura ao autor o direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição, com aplicação do art. 201, §7º, da CF/1988 e dos arts. 52 e seguintes da Lei nº 8.213/91.
IV. DISPOSITIVO E TESE
- Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
- O Tema 1209/STF, relativo à atividade de vigilante, não se aplica a casos de exposição à eletricidade.
- O rol de agentes nocivos previsto nos regulamentos previdenciários é meramente exemplificativo.
- A exposição habitual a tensões elétricas superiores a 250 volts caracteriza tempo especial, independentemente de tempo mínimo de exposição.
- O uso de EPI não descaracteriza a atividade especial, salvo se demonstrada a neutralização integral do agente.
- O PPP constitui prova idônea para comprovação da atividade especial, salvo impugnação fundamentada.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, §7º; CPC/2015, art. 1.021, §1º; Lei nº 8.213/91, arts. 29-C, I, 52, 54, 57 e 142; Decreto nº 53.831/64, item 1.1.8.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 04.12.2014; STJ, REsp 1.306.113/SC (Tema 534), Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 14.11.2012; TNU, Tema 210, trânsito em julgado em 26.05.2020.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
