
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009279-58.2023.4.03.6317
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSE ROBERTO HERNANDES
Advogado do(a) APELANTE: PERLA RODRIGUES GONCALVES - SP287899-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009279-58.2023.4.03.6317
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSE ROBERTO HERNANDES
Advogado do(a) APELANTE: PERLA RODRIGUES GONCALVES - SP287899-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço comum e especial, com vistas à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil (CPC). Condenou a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, atualizado monetariamente, ficando suspensa a exigibilidade e execução enquanto não alterada a condição de beneficiário da justiça gratuita (art. 98, §3º., do CPC).
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, no qual exora a procedência integral dos pedidos arrolados na inicial.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009279-58.2023.4.03.6317
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOSE ROBERTO HERNANDES
Advogado do(a) APELANTE: PERLA RODRIGUES GONCALVES - SP287899-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do Tempo De Serviço Como Aluno-aprendiz
Segundo o artigo 55 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)"
A esse respeito, cumpre destacar que a Instrução Normativa (IN) INSS/PRES n. 27/2008 alterou a redação do artigo 113 da IN INSS/PRES n. 20/2007, para readmitir o cômputo, como tempo de serviço ou de contribuição, dos períodos de aprendizado profissional exercidos na condição de aluno-aprendiz até a publicação da Emenda Constitucional n. 20/1998.
Confira-se:
"Art. 113. Os períodos de aprendizado profissional realizados na condição de aluno aprendiz até a publicação da Emenda Constitucional nº 20/98, ou seja, até 16 de dezembro de 1998, poderão ser computados como tempo de serviço/contribuição independentemente do momento em que o segurado venha a implementar os demais requisitos para a concessão de aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social-RGPS, mesmo após a publicação do Regulamento da Previdência Social-RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99. Serão considerados como períodos de aprendizado profissional realizados na condição de aluno aprendiz:
I - os períodos de freqüência às aulas dos aprendizes matriculados em escolas profissionais mantidas por empresas ferroviárias;
II - o tempo de aprendizado profissional realizado como aluno aprendiz, em escolas técnicas, com base no Decreto-Lei nº 4.073, de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Industrial) a saber:
a) período de freqüência em escolas técnicas ou industriais mantidas por empresas de iniciativa privada, desde que reconhecidas e dirigidas a seus empregados aprendizes, bem como o realizado com base no Decreto nº 31.546, de 6 de fevereiro de 1952, em curso do Serviço Nacional da Indústria-SENAI, ou Serviço Nacional do Comércio-SENAC, ou instituições por estes reconhecidas, para formação profissional metódica de ofício ou ocupação do trabalhador menor;
b) período de freqüência em cursos de aprendizagem ministrados pelos empregadores a seus empregados, em escolas próprias para essa finalidade, ou em qualquer estabelecimento de ensino industrial;
III - os períodos de freqüência em escolas industriais ou técnicas da rede federal de ensino, bem como em escolas equiparadas (colégio ou escola agrícola), desde que tenha havido retribuição pecuniária à conta do Orçamento da União, ainda que fornecida de maneira indireta ao aluno, certificados na forma da Lei nº 6.226/75, alterada pela Lei nº 6.864, de 1980, e do Decreto nº 85.850/81;
IV - os períodos citados no inciso anterior serão considerados, observando que:
a) o Decreto-Lei nº 4.073/42, que vigeu no período compreendido entre 30 de janeiro de 1942 a 15 de fevereiro de 1959, reconhecia o aprendiz como empregado, bastando assim à comprovação do vínculo;
b) o tempo de aluno aprendiz desempenhado em qualquer época, ou seja, mesmo fora do período de vigência do Decreto-Lei nº 4.073/42, somente poderá ser computado como tempo de contribuição, se comprovada a remuneração e o vínculo empregatício, conforme Parecer MPAS/CJ nº 2.893/02;
c) considerar-se-á como vínculo e remuneração a comprovação de freqüência e os valores recebidos a título de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros, entre outros".
Dessa forma, tem sido admitida a averbação do tempo de frequência em escolas industriais ou técnicas da rede pública de ensino, desde que comprovados o vínculo com curso profissionalizante e a percepção de retribuição pecuniária, ainda que indireta.
Sobre o tema, há precedentes desta Nona Turma: TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5136097-38.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 23/09/2021, DJEN DATA: 29/09/2021; TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0011891-88.2011.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal NILSON MARTINS LOPES JUNIOR, julgado em 17/08/2023, DJEN DATA: 23/08/2023.
Vale citar, ainda, o enunciado da Súmula n. 96 do Tribunal de Contas da União (TCU):
"Conta-se para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de trabalho prestado, na qualidade de aluno-aprendiz, em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do Orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros."
No caso dos autos, as certidões emitidas pela "Fundação Zerrenner" (ID 333265916, p. 32/35) comprovam que o requerente cumpriu formação especial (Tecnologia, Desenho Técnico e Iniciação ao Trabalho) integrada ao ensino fundamental e se matriculou no curso de "Técnico em Eletrotécnica", tendo desenvolvido a atividade de aluno-aprendiz nos anos letivos de 1972 a 1975 (720 horas) e de 1976 a 1979 (731 dias letivos).
Os documentos também indicam que a parte autora "recebia, gratuitamente, Assistência Médica e Odontológica, Alimentação e Transporte".
Contudo, no tocante ao período em que a parte autora frequentou curso técnico na condição de aluno-aprendiz, atrelado ao ensino fundamental (de 1972 a 1975) impende destacar que o autor contava, à época, com apenas 10 (dez) anos de idade, sendo que somente em abril de 1972, completou 11 anos.
Ainda que se reconheça a possibilidade de averbação de tempo de aluno-aprendiz quando demonstrada retribuição indireta, é requisito imprescindível a compatibilidade etária com a legislação vigente. A Consolidação da Leis do Trabalho (CLT), mesmo em sua redação original, já vedava o trabalho de menores de 12 (doze) anos (art. 403), prevendo a aprendizagem a partir de idades superiores.
A Constituição Federal de 1988 reforçou tal proteção ao estabelecer idade mínima de 14 (quatorze) anos para o trabalho na condição de aprendiz (art. 7º, XXXIII), de modo que admitir o cômputo de período anterior, em que o autor possuía apenas 10/11 anos, implicaria legitimar prestação incompatível com o ordenamento jurídico.
Assim, o intervalo de 1972 a 1975 não pode ser considerado como tempo de contribuição, devendo ser afastado da contagem.
Desse modo, entendo que, in casu, a exemplo do que ocorre com os demais aprendizes remunerados, somente os 731 dias letivos, nos anos de 1976 a 1979, devem ser computados, para todos os fins previdenciários, nos termos da citada Súmula n. 96.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Agente Nocivo Ruído
Os limites legais de tolerância ao ruído são:
(i) até 5/3/1997: acima de 80 dB;
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB;
(iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB.
Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada.
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI.
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso.
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
Analisados os autos, é possível reconhecer a especialidade apenas do período de 16/9/1985 a 31/8/1990, pois consta Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) que revela, na descrição das atividades, exposição habitual à tensão elétrica superior a 250 volts, bem como à periculosidade decorrente do risco à integridade física do segurado.
Sobre a periculosidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar o REsp n. 1.306.113, sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973, concluiu, ao analisar questão relativa à tensão elétrica superior a 250 volts, pela possibilidade do enquadramento especial, mesmo para período posterior a 5/3/1997, desde que amparado em laudo pericial, por ser meramente exemplificativo o rol de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997 (STJ, REsp n. 1.306.113/SC, Rel. Herman Benjamin, Primeira Seção, J: 14/11/2012, DJe: 7/3/2013).
Cumpre observar, ainda, que a exposição de forma intermitente à tensão elétrica não descaracteriza o risco produzido pela eletricidade, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, por diversas vezes, ainda que não de forma permanente, tem contato com a eletricidade. (STJ, 6º Turma, REsp 658016, Rel. Hamilton Carvalhido, DJU 21/11/2005).
É relevante destacar, ainda, que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente nocivo (ou periculosidade) já é suficiente para a sua caracterização.
Contudo não prospera a contagem diferenciada em relação aos intervalos de 2/10/1980 a 18/8/1982, de 13/5/2002 a 8/10/2004 e de 1º/8/2006 a 14/11/2018, tendo em vista que os Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) coligidos aos autos indicam, tão somente, a sujeição a ruído em níveis inferiores aos limites legais previstos nos decretos, de modo que o trabalho por este fator nocivo não pode ser considerado como especial.
Ademais, não é possível presumir que houve a exposição habitual e permanente a outros agentes agressivos, quando não indicada em formulário, PPP ou laudo técnico regularmente emitidos em nome do autor. Situação essa que não ocorreu nestes autos.
Especificamente ao lapso de 2/10/1980 a 18/8/1982, a parte autora trouxe aos autos Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e PPP, com a anotação da função de “eletrotécnico".
Essa profissão, contudo, não se encontra contemplada na legislação correlata (enquadramento por categoria profissional até 28/4/1995) e na hipótese, não há nenhum elemento de convicção que demonstre a sujeição a agentes nocivos, sobretudo tensão elétrica superior a 250 volts (código 1.1.8 do anexo do Decreto n. 53.831/1964).
Acerca do tema, trago o seguinte julgado desta Corte Regional (g.n.):
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL. REVISÃO. SERVIÇO COMUM REGISTRADO NA CTPS. AVERBAÇÃO. 1. Até 29/04/95 a comprovação do tempo de serviço laborado em condições especiais era feita mediante o enquadramento da atividade no rol dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. A partir daquela data até a publicação da Lei 9.528/97, em 10/03/1997, por meio da apresentação de formulário que demonstre a efetiva exposição de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais a saúde ou a integridade física. Após 10/03/1997, tal formulário deve estar fundamentado em laudo técnico das condições ambientais do trabalho, assinado por médico do trabalho ou engenheiro do trabalho. Quanto aos agentes ruído e calor, o laudo pericial sempre foi exigido. 2. O reconhecimento e/ou enquadramento do trabalho nas funções de meio oficial eletricista, eletricista e mestre de elétrica, necessita de comprovação da efetiva exposição do trabalhador/segurado à tensão elétrica superior a 250 volts. 3. O tempo de serviço comum assentado na CTPS é de ser averbado e computado como tempo de contribuição com sua repercussão na renda mensal inicial do benefício de aposentadoria. 4. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, é de se aplicar a regra contida no Art. 86, do CPC. 5. Remessa oficial e apelação providas em parte." (APELREEX 00027089820084036183, DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/05/2017 FONTE_REPUBLICACAO.)
Outrossim, não se justificaria o enquadramento desses lapsos no código 2.1.1 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, que abarca atividades na condição de “engenheiro eletricista” - situação não comprovada nestes autos.
Assim, à míngua de comprovação da alegada exposição aos agentes agressivos, é de rigor a improcedência do pedido de reconhecimento da especialidade dos ofícios desempenhados nesses intervalos.
Em síntese, apenas o interstício de 6/9/1985 a 31/8/1990 merece enquadramento como tempo especial.
Da Aposentadoria Por Tempo de Serviço/Contribuição e Programada
Somados os acréscimos decorrentes da conversão em tempo comum dos períodos ora reconhecidos aos demais interstícios incontroversos, observa-se que, em 13/11/2019 (último dia de vigência das regras pré-reforma da Previdência - art. 3º da EC n. 103/2019), a parte autora tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição integral (art. 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com redação dada pela EC n. 20/1998).
Nessa hipótese, o cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 96 pontos (Lei n. 8.213/1991, artigo 29-C, inciso I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Ademais, na data do requerimento administrativo (DER 29/3/2022), o requerente também faz jus às aposentadorias dos artigos 15, 17 e 20 das regras de transição da EC n. 103/2019, conforme a seguinte apuração:
Assim, deverá ser facultada à parte autora, a opção pelo benefício mais vantajoso, consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento, em sede de repercussão geral, do Recuso Extraordinário n. 630.501 (Tema n. 334).
Demais Questões
O termo inicial da concessão do benefício deve ser a data do requerimento administrativo (DER 29/3/2022), porquanto os elementos apresentados naquele momento já permitiam o cômputo dos períodos reconhecidos nestes autos.
Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de ser adotado o seguinte:
(i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal;
(ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
Contudo, desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
Dispositivo
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação supra: (i) reconhecer os dias letivos referentes aos anos de 1976 a 1979 na atividade de aluno-aprendiz; (ii) enquadrar como atividade especial o interstício de 16/9/1985 a 31/8/1990; (iii) determinar a concessão do benefício previdenciário, facultado ao autor, a opção pelo mais vantajoso, desde a data do requerimento administrativo (DER 29/3/2022); (iv) estabelecer os critérios de incidência dos consectários legais.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5009279-58.2023.4.03.6317 |
| Requerente: | JOSE ROBERTO HERNANDES |
| Requerido: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ALUNO-APRENDIZ. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ELETRICIDADE SUPERIOR A 250 VOLTS. ENQUADRAMENTO PARCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
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Ação de conhecimento ajuizada contra o INSS, visando ao reconhecimento de tempo de serviço comum e especial, com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. A sentença julgou improcedente o pedido. Interposta apelação pela parte autora, pretende-se a reforma integral da decisão.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
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As questões em discussão são: (i) definir se os períodos em que o autor atuou como aluno-aprendiz podem ser computados como tempo de contribuição; (ii) estabelecer se determinados intervalos devem ser reconhecidos como tempo especial, em razão de exposição a agentes nocivos; (iii) determinar se, somados os períodos reconhecidos, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição, inclusive sob as regras de transição da EC n. 103/2019.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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O cômputo do tempo de aluno-aprendiz exige comprovação de frequência em curso técnico ou profissionalizante e de retribuição pecuniária, ainda que indireta, admitindo-se benefícios como alimentação, transporte e material escolar.
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É requisito imprescindível a compatibilidade etária, sendo inviável o reconhecimento do período em que o autor contava apenas 10/11 anos de idade, por contrariar o artigo 403 da CLT e o artigo 7º, XXXIII, da CF/1988.
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Admite-se a contagem apenas de um dos períodos requeridos, quando comprovada a atividade de aluno-aprendiz com retribuição indireta, nos termos da Súmula n. 96 do TCU.
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O reconhecimento de tempo especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço, admitindo-se a conversão para comum até a EC n. 103/2019, conforme jurisprudência consolidada (STJ, Temas 422 e 546).
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O agente nocivo eletricidade, em tensão superior a 250 volts, caracteriza atividade especial, mesmo após 5/3/1997, conforme entendimento do STJ (REsp n. 1.306.113/SC).
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A prova coligida somente permite reconhecer como especial um dos intervalos controvertidos, não havendo elementos que atestem a especialidade nos demais.
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Somados os períodos reconhecidos, verifica-se que o autor cumpriu os requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição integral até 13/11/2019 e, na data do requerimento administrativo (DER), também tem direito às aposentadorias dos artigos 15, 17 e 20 das regras de transição da EC n. 103/2019, sendo facultada a opção pelo benefício mais vantajoso, em conformidade com a decisão do STF no RE n. 630.501 (Tema 334).
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O termo inicial do benefício deve ser fixado na DER. A correção monetária e os juros devem observar os parâmetros fixados no RE n. 870.947 (STF), até a promulgação da EC n. 113/2021, quando passa a incidir exclusivamente a Taxa SELIC.
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Invertida a sucumbência, o INSS deve arcar com honorários advocatícios fixados em 10% sobre as parcelas vencidas até a data do acórdão, nos termos do artigo 85 do CPC e da Súmula n. 111 do STJ.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento:
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O tempo de aluno-aprendiz somente pode ser computado como tempo de contribuição quando demonstrada retribuição pecuniária, ainda que indireta, e observada a compatibilidade etária.
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A exposição habitual à tensão elétrica superior a 250 volts caracteriza atividade especial.
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É suficiente o reconhecimento da especialidade em relação a apenas um agente nocivo ou periculosidade para fins de enquadramento diferenciado.
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O segurado que preenche os requisitos para mais de uma regra de aposentadoria tem direito à opção pelo benefício mais vantajoso.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 7º, XXXIII, 195, § 5º, 201, § 7º, I; EC n. 20/1998; EC n. 103/2019, arts. 3º, 15, 17, 20, 25, § 2º; CLT, art. 403; Lei n. 8.212/1991, art. 30, I; Lei n. 8.213/1991, arts. 29-C, 55; Lei n. 9.876/1999; CPC, arts. 85 e 487, I.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE n. 664.335, Tema 555, repercussão geral; STF, RE n. 630.501, Tema 334, repercussão geral; STF, RE nº 870.947, repercussão geral; STJ, REsp n. 1.306.113/SC, Primeira Seção, j. 14/11/2012; STJ, Tema 694, repetitivo; STJ, Tema 1090, repetitivo; TRF3, 9ª Turma, ApCiv n. 5136097-38.2021.4.03.9999, j. 23/09/2021; TRF3, 9ª Turma, ApCiv n. 0011891-88.2011.4.03.6183, j. 17/08/2023.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
