
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002540-97.2021.4.03.6104
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARCIO DE LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTA MARIA FATTORI BRANCATO - SP266866-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCIO DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: ROBERTA MARIA FATTORI BRANCATO - SP266866-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002540-97.2021.4.03.6104
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARCIO DE LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTA MARIA FATTORI BRANCATO - SP266866-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCIO DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: ROBERTA MARIA FATTORI BRANCATO - SP266866-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, pela regra dos pontos (art. 29-C da Lei n. 8.213/1991, incluído pela Lei n. 3.183/2015).
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para enquadrar como atividade especial os períodos de 1º/9/1989 a 31/3/1990, de 1º/8/1990 a 31/8/1990, de 1º/4/1991 a 30/6/1991, de 1º/1/1992 a 31/1/1992, de 2/3/1992 a 28/4/1995 e de 5/5/2000 a 6/8/2002. Condenou a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios fixados nos percentuais mínimos (artigo 85, § 3º, CPC) sobre o valor da causa, observados os benefícios da justiça gratuita.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, no qual requer o reconhecimento da especialidade dos intervalos de 29/4/1995 a 31/12/1995, de 1º/1/1998 a 27/1/2020 e de 5/5/2000 a 8/6/2010, bem como a concessão do benefício em foco.
Não resignada, a autarquia interpôs recurso de apelação, no qual sustenta a impossibilidade do enquadramento de 5/5/2000 a 6/8/2002.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002540-97.2021.4.03.6104
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARCIO DE LIMA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTA MARIA FATTORI BRANCATO - SP266866-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCIO DE LIMA
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos preenchem os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual devem ser conhecidos.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Agente Nocivo Ruído
Os limites legais de tolerância ao ruído são:
(i) até 5/3/1997: acima de 80 dB;
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB;
(iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB.
Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada.
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI.
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso.
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
É oportuno referir que a autarquia não se insurgiu contra o reconhecimento da especialidade dos interstícios de 1º/9/1989 a 31/3/1990, de 1º/8/1990 a 31/8/1990, de 1º/4/1991 a 30/6/1991, de 1º/1/1992 a 31/1/1992, de 2/3/1992 a 28/4/1995, efetuados pela r. sentença, tornando-os incontroversos.
Examinados os autos, verifica-se que é possível o enquadramento, como especial, do interstício de 5/5/2000 a 6/8/2002, pois consta dos autos Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), que informa a exposição habitual e permanente ao agente químico deletério “graxa”, via contato dermal (absorção pela pele), situação que possibilita o reconhecimento da atividade insalutífera em conformidade com os códigos 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999.
Cumpre consignar que o PPRA indica o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI), mas não faz qualquer menção acerca da sua eficácia.
Nesse contexto, a análise probatória revela dúvida razoável quanto à real eficácia do EPI, de forma que a conclusão deve ser favorável ao segurado, nos termos da tese fixada no Tema Repetitivo n. 1.090 do STJ.
Por outro lado, não é possível reconhecer a especialidade dos interregnos de:
(i) 29/4/1995 a 31/12/1995 - não há nenhum elemento de convicção que demonstre a sujeição a agentes nocivos.
(ii) 1º/1/1998 a 27/1/2020 – extrai-se do campo observações do Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP que “os valores de ruído indicados no campo 15.4 são os mais altos encontrados em cada campanha”.
Desse modo, não se vislumbra a sujeição habitual e permanente a agentes nocivos, senão apenas em caráter eventual ou intermitente, mormente se considerado que o requerente exerceu diversos ofícios ao longo do lapso citado.
Efetivamente, o que caracteriza uma atividade como especial é a exposição habitual e permanente a agentes agressivos prejudiciais à saúde, o que não se verifica no intervalo debatido.
Ademais, é inviável, no caso concreto, o enquadramento da especialidade pela indicação genérica de exposição à poeira, uma vez que não comprovada a sujeição nos termos do Anexo 11 da NR 15.
Nesse sentido, é de rigor a improcedência do pedido de reconhecimento da especialidade das atividades desempenhadas nesses interregnos.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do Código de Processo Civil (CPC), os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a existência da especialidade do labor desenvolvido nos lapsos vindicados, deve a parte suplicante juntar aos autos documentos aptos ao seu reconhecimento, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada, o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Efetivamente, não é hipótese de produção de novas provas, em razão da presença nos autos de elementos suficientes ao julgamento da lide.
Ademais, inexistindo dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas atividades laborativas, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o julgamento da causa.
Destarte, deve ser reconhecida a especialidade do intervalo de 5/5/2000 a 6/8/2002.
Da Aposentadoria Por Tempo de Serviço/Contribuição e Programada
Somados os períodos enquadrados nestes autos aos lapsos incontroversos, a parte autora não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, pois não se faz presente o requisito temporal na data da EC n. 20/1998, consoante o artigo 52 da Lei n. 8.213/1991, no último dia de vigência das regras pré-reforma da Previdência - artigo 3º da EC 103/2019 e nem na data do requerimento administrativo (DER 27/1/2020), nos termos do artigo 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 103/2019 ou pelas regras de transição nela previstas.
Ainda que admitida a reafirmação da DER, conforme tese firmada no Tema Repetitivo n. 995 do STJ (REsp n. 1.727.063/SP, 1.727.064/SP e 1.727.069/SP), não é o caso de deferimento do benefício postulado, porquanto não preenchido o requisito temporal em momento posterior.
Diante da impossibilidade do princípio da reformatio in pejus, fica mantida a verba honorária nos termos fixados na sentença.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Dispositivo
Diante do exposto, nego provimento às apelações das partes.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5002540-97.2021.4.03.6104 |
| Requerente: | MARCIO DE LIMA e outros |
| Requerido: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e outros |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÕES CÍVEIS. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. AGENTES QUÍMICOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. RECURSOS DESPROVIDOS.
I. CASO EM EXAME
-
Ação de conhecimento ajuizada contra o INSS em que a parte autora busca o reconhecimento de períodos de atividade especial para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, pela regra dos pontos (artigo 29-C da Lei n. 8.213/1991).
-
Sentença de parcial procedência para reconhecer como especial determinados interstícios laborais e condenar a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, observada a gratuidade da justiça.
-
A autora apelou requerendo o reconhecimento de outros períodos e a concessão da aposentadoria. O INSS interpôs apelação contestando um dos períodos reconhecidos na sentença.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
-
Há duas questões em discussão:
(i) definir se é possível o reconhecimento da especialidade dos períodos indicados pela parte autora e impugnados pela autarquia, diante da legislação aplicável e da prova produzida;
(ii) verificar se, a partir da soma dos períodos reconhecidos, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição.
III. RAZÕES DE DECIDIR
-
No caso concreto, comprovada por PPRA a exposição habitual e permanente a agente químico deletério, sem prova de eficácia dos EPIs, deve-se reconhecer o período como especial.
-
Inviável o reconhecimento da especialidade em determinados períodos diante da ausência de prova de exposição habitual e permanente a agentes nocivos.
-
Somados os períodos incontroversos e os ora reconhecidos, a parte autora não preenche o requisito temporal para aposentadoria por tempo de contribuição, nem mesmo mediante reafirmação da DER (Tema 995 do STJ).
-
Mantida a verba honorária nos termos da sentença.
IV. DISPOSITIVO E TESE
-
Recursos desprovidos.
Tese de julgamento:
-
O reconhecimento de atividade especial depende da comprovação de exposição habitual e permanente a agentes nocivos, não bastando provas genéricas ou intermitentes.
-
A concessão de aposentadoria por tempo de contribuição exige o preenchimento integral dos requisitos temporais e contributivos previstos na legislação de regência e nas regras de transição da Emenda Constitucional n. 103/2019.
Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, artigo 195, § 5º; Emenda Constitucional n. 103/2019, artigos 19, § 1º, inciso I, e 25, § 2º; Lei n. 8.213/1991, artigos 29-C e 52; Lei n. 8.212/1991, artigo 30, inciso I; Código de Processo Civil, artigo 373, inciso I, e artigo 85, § 3º.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE n. 664.335, Tema 555 da Repercussão Geral; STJ, REsp n. 1.306.113/SC, Tema 422; REsp n. 1.151.363/MG, Tema 546; REsp n. 1.398.260/PR, Tema 694; REsp n. 1.727.063/SP, Tema 995; STJ, Tema 1.090.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
