Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5745394-88.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/12/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. VERBA
HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 -Depreende-se do estudo social que as despesas elencadas são inferiores a renda auferida
pelo grupo familiar e as necessidades básicas estão sendo atendidas, não ficando evidenciada a
situação de extrema vulnerabilidade exigida pela lei.
4 - Ademais, consoante informação trazida peloINSSem consulta ao CNIS do genitor da
requerente,observa-se que a renda percebida por ele nos meses posteriores aoestudo social é
superior a R$4.000,00, de modo que o valor da renda per capita supera em muito o teto adotado
para análise do benefício atualmente, qual seja,½ salário mínimo, nãofazendo jus a autora ao
benefício requerido.
5 - Inversão doônus da sucumbência. Vencida a parte autora, a ela incumbe o pagamento de
custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado,
fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos
termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
6 - Tutela antecipada revogada.Apelação do INSS provida. Sentença reformada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5745394-88.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIELA DOS SANTOS SOUZA
REPRESENTANTE: PAOLA CRISTINA DOS SANTOS SOUZA
Advogado do(a) APELADO: MARCIO EMERSON ALVES PEREIRA - SP175890-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5745394-88.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIELA DOS SANTOS SOUZA
REPRESENTANTE: PAOLA CRISTINA DOS SANTOS SOUZA
Advogado do(a) APELADO: MARCIO EMERSON ALVES PEREIRA - SP175890-N,
R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de apelação
interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a r. sentença (Id.:69697795) que
julgou procedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada, a partir da data
do requerimento administrativo, condenando-o ao pagamento dos honorários advocatícios
arbitradosem 10% (dez por cento) do valor das prestações vencidas até a data da sentença
(Súmula 111 do STJ), antecipando, ainda, os efeitos da tutela para imediata implantação do
benefício.
Em suas razões de apelação (Id.:69697806), sustenta o INSS:
1 - a não comprovação da situação de miserabilidade, vez que a renda per capita familiar mostra-
se muito superior ao teto legal, devendo a ação ser julgada improcedente;
2 - subsidiariamente, em caso de manutenção da sentença recorrida, que a DIB seja alterada
para a data da citação e os índices de correção monetária observem as disposições da Lei
n.11.960/09, devendo ser aplicadaa T.R..
Prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei
federal e de preceitos constitucionais.
Pugna pela reforma da sentença.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento da apelação (Id.:126752070).
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5745394-88.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIELA DOS SANTOS SOUZA
REPRESENTANTE: PAOLA CRISTINA DOS SANTOS SOUZA
Advogado do(a) APELADO: MARCIO EMERSON ALVES PEREIRA - SP175890-N,
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal,
possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei
8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo
mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais
pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial,
não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou
desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da
hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com
deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou
em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de
tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao
amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9
do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2)
desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos
e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser
compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença
de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual
ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente,
para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias
capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de
proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de
prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com
redação dada pela recente Lei 13.981/2020, considera como hipossuficiente para consecução
deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar famíliacuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade
que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma,
Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª
Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel.
Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Assim sendo, o inconformismo da autarquia procede, devendo ser reformada a r. sentença
monocrática (Id.:69697795).
No que tange à incapacidade da parte autora, o laudo pericial atestou ser esta total e
permanente, cujos principais trechos destaco a seguir:
“1- O autor padece de alguma enfermidade?
R. Sim.
2- Se positivo, qual enfermidade?
R. Epilepsia e retardo psicomotor.
3- A incapacidade é definitiva ou permanente?
R. incapacidade definitiva.
4- A incapacidade é total ou parcial?
R. incapacidade total.
(...)
4– Existe a possibilidade de regressão da doença, de modo que possa lhe assegura condições
normais de trabalho que venha a lhe garantir o próprio sustento?
R. Não."
Contudo, no que pertine à miserabilidade,o conjunto probatório dos autos é insuficiente à
demonstração da hipossuficiência exigida pela lei, consoante depreende-se do estudo social
(Id.:69697764):
"A genitora, informou que passa por muitas dificuldades, pois, embora seu esposo trabalhe e
aufira renda de R$3.000,00(três mil reais), possuem muitas despesas.
Os gastos mensais são relacionados ao pagamento da prestação habitacional: R$1.123,07(um
mil duzentos e vinte três reais e três centavos), parcela do I.P.T.U-Imposto Predial Territorial
Urbano, R$ 39,66 (trinta e nove reais e sessenta e seis centavos); água:R$66,43(sessenta e seis
reais e quarenta e três centavos), energia: R$233,67 (duzentos e trinta e três reais e sessenta e
sete centavos); gás: R$85,00(oitenta e cinco reais), telefone e internet:R$163,63(cento e
sessenta e três e sessenta e três centavos), rede de TV por assinatura:R$40,00 (quarenta reais).
(...)
Na farmácia, adquiriu dívida e não conseguem quitar, paga aproximadamente R$300,00(trezentos
reais) por mês, para abater no valor devido.
No mês anterior gastou aproximadamente R$285,00 (duzentos e oitenta e cinco reais) na
aquisição de roupas.
(...)
A residência é de construção de alvenaria, coberta por laje- ventilador de teto na sala, fiação não
aparente, piso revestido por cerâmica. Dividida, sala/cozinha, dois banheiros, três quartos, área
na frente. Está guarnecida: sofá com dois e três lugares, rack com TV, mesa com seis cadeiras,
armário, mesinha de centro, geladeira, micro ondas, duas camas de casal e dois guarda roupas.
Espaço limpo e organizado, cercada por muro e portão de ferro. É servido por rede de água e
esgoto. A rua é asfaltada.
Possui um veículo Modelo Vectra, ano 98, cor azul e está em nome de Paola (genitora)."
Em que pese a difícil situação vivenciada pela parte autora, colho dos autos que as despesas
elencadas no estudo social são inferiores a renda auferida pelo grupo familiar e as necessidades
básicas estão sendo atendidas, não ficando evidenciada a situação de extrema vulnerabilidade
exigida pela lei.
Ademais, consoante informação trazida peloINSS em consulta ao extrato CNIS do genitor da
requerente (Id.:69697807), observa-se que a renda percebida por ele nos meses posteriores
aoestudo social é superior a R$4.000,00, de modo que o valor da renda per capita supera em
muito o teto adotado para análise do benefício atualmente, qual seja,½ salário mínimo.
O benefício assistencial não se presta à complementação da renda familiar, mas, sim,
proporcionar condições mínimas necessárias para a existência digna do indivíduo.
Assim, inexistindo outras provas em contrário, entendo que a autora não demonstrou preencher
os requisitos legais, notadamente, oque diz respeito à hipossuficiência econômica, de modo que
não faz jus ao benefício assistencial requerido.
Não comprovada a situação de extrema vulnerabilidade, a improcedência da ação é de
rigor.Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de custas e
despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado, fixados
em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos
do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Por conseguinte, revogo aantecipação de tutela anteriormente concedida.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à Apelação do INSS, para julgar improcedente a ação e,
consequentemente, revogaratutela antecipada, condenando a parte autora ao pagamento dos
honorários advocatícios, na forma antes delineada.
É COMO VOTO.
/gabiv/gvillela
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. VERBA
HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 -Depreende-se do estudo social que as despesas elencadas são inferiores a renda auferida
pelo grupo familiar e as necessidades básicas estão sendo atendidas, não ficando evidenciada a
situação de extrema vulnerabilidade exigida pela lei.
4 - Ademais, consoante informação trazida peloINSSem consulta ao CNIS do genitor da
requerente,observa-se que a renda percebida por ele nos meses posteriores aoestudo social é
superior a R$4.000,00, de modo que o valor da renda per capita supera em muito o teto adotado
para análise do benefício atualmente, qual seja,½ salário mínimo, nãofazendo jus a autora ao
benefício requerido.
5 - Inversão doônus da sucumbência. Vencida a parte autora, a ela incumbe o pagamento de
custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado,
fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos
termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
6 - Tutela antecipada revogada.Apelação do INSS provida. Sentença reformada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a ilustre representante do
Ministério Público Federal retificou o parecer proferido para requerer tão somente seja dado
seguimento ao feito, sem se considerar como contrária a posição ministerial. A Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à Apelação do INSS, para julgar improcedente a ação,
consequentemente, revogaratutela antecipada, condenando a parte autoraao pagamento dos
honorários advocatícios, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
