Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5349111-42.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
14/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 17/05/2021
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADENÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. VERBA
HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 -As netas e o bisneto da autora não integram o núcleo familiar, sendo este composto apenas
pela requerente e seu cônjuge.Valor da renda per capita muito superior ao teto. Residência com
boas condições de uso e higiene.Necessidades básicasatendidas. Situação de extrema
vulnerabilidade não verificada.
4 - Inversãodo ônus da sucumbência. Vencida a parte autora, a ela incumbe opagamento de
custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado,
fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos
termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
5 - Tutela antecipada revogada.Apelação do INSS provida.Sentença reformada.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5349111-42.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JANDIRA PINHOLATO BOMBONATO
Advogados do(a) APELADO: JOSE ANTONIO STECCA NETO - SP239695-N, JOSE
ROBERTO STECCA - SP239115-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5349111-42.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JANDIRA PINHOLATO BOMBONATO
Advogados do(a) APELADO: JOSE ANTONIO STECCA NETO - SP239695-N, JOSE
ROBERTO STECCA - SP239115-A
R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se deapelação
interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a r. sentença (Id.:145745803)
que julgou procedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada, a partir
da data do requerimento administrativo, condenando-o ao pagamento dos honorários
advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa, com juros e correção
monetária, antecipando, ainda,os efeitos da tutela para imediata implantação do benefício.
Em suas razões de apelação (Id.:145745817), sustenta o INSS:
1 - o não preenchimento do requisitoda miserabilidade, vez que,sendo o núcleo familiar
composto por apenas duas pessoas, arenda per capita familiar é superior ao teto legal de 1/4
do salário mínimo, devendoa ação ser julgada improcedente;
2 - subsidiariamente, em caso de manutenção da sentença recorrida, quea DIB seja fixada na
data do estudo social.
Prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei
federal e de preceitos constitucionais.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento da apelação (Id.:148776919).
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5349111-42.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JANDIRA PINHOLATO BOMBONATO
Advogados do(a) APELADO: JOSE ANTONIO STECCA NETO - SP239695-N, JOSE
ROBERTO STECCA - SP239115-A
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade
formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as
demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício
assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja
segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a
comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que
hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com
previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas
voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta
9 do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e
2) desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros,
nutritivos e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve
ser compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a
presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei
atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida
independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de
circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele
que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial
de prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei
8.742/1993, com redação dada pela recente MP 1.023/2020, considere como hipossuficiente
para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério a
ser submetido à apreciação do Congresso Nacional), fato é que a jurisprudência entende
bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas
de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio saláriomínimo como
referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa
Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à
Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à
Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002),
Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13),
com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou,incidenter tantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensalper capitainferior a ¼ do salário mínimo para a concessão
de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar
Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio
saláriomínimo como referencial econômico.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de
miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp
319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no
REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp
1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
No caso dos autos, o inconformismo da autarquia procede, devendo ser reformada a r.
sentença monocrática (Id.:145745803).
Quanto ao requisito etário, encontra-se preenchido, pois a parte autora, nascida em16/03/1949,
possui hoje 72anos.
Contudo, no que pertine à miserabilidade,o conjunto probatório dos autos é insuficiente à
demonstração da hipossuficiência exigida pela lei, consoante depreende-se do estudo social
(Id.:46280245):
"Através do estudo social realizado verificou-se que a unidade familiar da Autora, nos exatos
termos do artigo 20, § 3º da Lei 8.742/93, é composta apenas por ela e seu marido. Porém, há
que se considerar que vivem sob o mesmo teto suas duas netas Gabriele e Isabele e seu
bisneto Miguel.
Segundo declarações da Autora, o pai de suas netas, seu filho Nelson está morando na Bolívia
e deixou as meninas sob os cuidados dela. A neta Gabriele tem um filho de um ano de idade
que também reside com a família da Autora.
A Autora não aufere renda. Suas netas não desenvolvem atividade remunerada. A neta Isabele
ainda é menor de idade e Gabriele tem dificuldade para se integrar no mercado de trabalho
tendo em vista que tem problemas nos rins e constantemente é internada para tratamento.
Segundo a Autora os pais de suas netas em nada contribuem para o sustento delas, de modo
que a única renda da família se refere ao valor de aproximadamente R$ 1.900,00 (fls. 30) sendo
este o valor da aposentadoria auferida pelo marido da Autora."
Por força do disposto no art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, as netas Gabriele (21 anos),Isabele (16
anos)e o bisneto Miguel (1 ano)não integram o núcleo familiar, sendo este composto apenas
pela requerente e seu cônjuge.
Assim sendo, aconsiderando quea renda familiar é de R$1.900,00, observa-se que o valor da
renda per capita (R$950,00) supera em muito o teto adotado para análise do benefício
atualmente, qual seja,½ salário mínimo.
Dito isso, em que pese a situação difícil enfrentada pela parte autora e a vida modesta que tem,
depreende-se do estudo social que coabita em residência com boas condições de uso e higiene
(Id.:145745794 e Id.:145745795), havendo possibilidade das suas necessidades básicas serem
supridas pela família,não ficando evidenciada a situação de extrema vulnerabilidade exigida
pela lei.
O benefício assistencial não se presta à complementação da renda familiar, mas, sim,
proporcionar condições mínimas necessárias para a existência digna do indivíduo.
Assim, inexistindo outras provas em contrário, entendo que a autora não demonstrou preencher
os requisitos legais, notadamente, oque diz respeito à hipossuficiência econômica, de modo que
não faz jus ao benefício assistencial requerido.
Não comprovada a situação de extrema vulnerabilidade, a improcedência da ação é de rigor.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas
processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado, fixados em 10% do
valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo
98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Por conseguinte, revogo aantecipação de tutela anteriormente concedida.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à Apelação do INSS, para julgar improcedente a ação e,
consequentemente, revogaratutela antecipada, condenando a parte autora ao pagamento dos
honorários advocatícios, na forma antes delineada.
É COMO VOTO.
/gabiv/gvillela
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADENÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. VERBA
HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 -As netas e o bisneto da autora não integram o núcleo familiar, sendo este composto apenas
pela requerente e seu cônjuge.Valor da renda per capita muito superior ao teto. Residência com
boas condições de uso e higiene.Necessidades básicasatendidas. Situação de extrema
vulnerabilidade não verificada.
4 - Inversãodo ônus da sucumbência. Vencida a parte autora, a ela incumbe opagamento de
custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado,
fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução,
nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária
gratuita.
5 - Tutela antecipada revogada.Apelação do INSS provida.Sentença reformada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à Apelação do INSS, para julgar improcedente a ação e,
consequentemente, revogar a tutela antecipada, condenando a parte autora ao pagamento dos
honorários advocatícios, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
