Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5081302-82.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/06/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 29/06/2021
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADENÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. VERBA
HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 - Valor da renda per capita muito superior ao teto. Despesasinferiores a renda auferida pelo
grupo familiar e necessidades básicasatendidas. Situação de extrema vulnerabilidade não
verificada.
4 - Inversãodo ônus da sucumbência. Vencida a parte autora, a ela incumbe opagamento de
custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado,
fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos
termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
5 - Tutela antecipada revogada.Apelação do INSS provida.Sentença reformada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5081302-82.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEONOR CASSIMIRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: NOEMI COSTA PEREIRA LEITE - SP384499-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081302-82.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEONOR CASSIMIRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: NOEMI COSTA PEREIRA LEITE - SP384499-N
R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se deapelação
interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a r. sentença (Id.:158315052)
que julgou procedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada, a partir
da data do requerimento administrativo, condenando-o ao pagamento dos honorários
advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor das prestações vencidas até a data da
sentença (Súmula 111 do STJ), com juros e correção monetária, antecipando, ainda,os efeitos
da tutela para imediata implantação do benefício.
Em suas razões de apelação (Id.:158315060), sustenta o INSS:
1 - o não preenchimento do requisitoda miserabilidade, vez que a renda per capita familiar é
superior ao teto legal, devendoa ação ser julgada improcedente;
2 - subsidiariamente, em caso de manutenção da sentença recorrida, que os critérios de juros e
correção monetária sejam alterados e que a DIB seja fixada na data da citação.
Semcontrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação (Id.:158799193).
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081302-82.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LEONOR CASSIMIRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: NOEMI COSTA PEREIRA LEITE - SP384499-N
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade
formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as
demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício
assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja
segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a
comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas
com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que
hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com
previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas
voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta
9 do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e
2) desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros,
nutritivos e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve
ser compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a
presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei
atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida
independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de
circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele
que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial
de prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei
8.742/1993, com redação dada pela recente MP 1.023/2020, considere como hipossuficiente
para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério a
ser submetido à apreciação do Congresso Nacional), fato é que a jurisprudência entende
bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas
de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio saláriomínimo como
referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa
Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à
Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à
Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002),
Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13),
com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou,incidenter tantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensalper capitainferior a ¼ do salário mínimo para a concessão
de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar
Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio
saláriomínimo como referencial econômico.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de
miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp
319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no
REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp
1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
No caso dos autos, o inconformismo da autarquia procede, devendo ser reformada a r.
sentença monocrática (Id.:158315052).
Quanto ao requisito etário, encontra-se preenchido, pois a parte autora, nascida em 21/07/1946,
possui hoje 74anos.
Contudo, no que pertine à miserabilidade,o conjunto probatório dos autos é insuficiente à
demonstração da hipossuficiência exigida pela lei.
Segundo informações do estudo social (Id.:158315043), o núcleo é formado pela autora e seu
cônjuge, que percebe um benefício de aposentadoria por invalidez no valor de um salário
mínimo. Residem em casa própria, simples, em bom estado de conservação. As despesas são
de R$854,00. Ainda, recebem eventualmente auxílio dosfilhos para a compra demedicamentos.
Contudo, segundo o extrato CNIS juntadopelo INSS (Id.:158315061, pág. 4), o benefício
previdenciário do marido da autora é, na verdade, de R$1.419,00.
Com isso, observa-se que o valor da renda per capita (R$709,50) supera em muito o teto
adotado para análise do benefício atualmente, qual seja,½ salário mínimo.
Cumpre ressaltar que não é o caso de aplicar por analogia o artigo 34 do Estatuto do Idoso, vez
que o valor da aposentadoria do cônjuge da autora é superior a um salário mínimo, devendoser
considerada no cômputoda apuração da renda per capta para concessão do benefício.
Ademais, colho dos autos que as despesas elencadas no estudo social são inferiores a renda
auferida pelo grupo familiar e as necessidades básicas estão sendo atendidas, não ficando
evidenciada a situação de extrema vulnerabilidade exigida pela lei.
O benefício assistencial não se presta à complementação da renda familiar, mas, sim,
proporcionar condições mínimas necessárias para a existência digna do indivíduo.
Assim, inexistindo outras provas em contrário, entendo que a autora não demonstrou preencher
os requisitos legais, notadamente, oque diz respeito à hipossuficiência econômica, de modo que
não faz jus ao benefício assistencial requerido, sendo de rigor a improcedência da ação.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas
processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado, fixados em 10% do
valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo
98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Por conseguinte, revogo aantecipação de tutela anteriormente concedida.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à Apelação do INSS, para julgar improcedente a ação e,
consequentemente, revogaratutela antecipada, condenando a parte autora a arcar com o ônus
da sucumbência, na forma antes delineada.
É COMO VOTO.
/gabiv/gvillela
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADENÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. VERBA
HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 - Valor da renda per capita muito superior ao teto. Despesasinferiores a renda auferida pelo
grupo familiar e necessidades básicasatendidas. Situação de extrema vulnerabilidade não
verificada.
4 - Inversãodo ônus da sucumbência. Vencida a parte autora, a ela incumbe opagamento de
custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado,
fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução,
nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária
gratuita.
5 - Tutela antecipada revogada.Apelação do INSS provida.Sentença reformada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à Apelação do INSS, para julgar improcedente a ação e,
consequentemente, revogar a tutela antecipada, condenando a parte autora a arcar com o ônus
da sucumbência, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
