Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000519-40.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 29/04/2021
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADENÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA.SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 - Valor da renda per capita muito superior ao teto. Necessidades básicasatendidas. Situação de
extrema vulnerabilidade não verificada.
4 - Inversãodo ônus da sucumbência. Vencida a parte autora, a ela incumbe opagamento de
custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado,
fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos
termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
5 - Apelação do INSS provida.Sentença reformada.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000519-40.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: IVONE EUNICE DE OLIVEIRA BOTASSINI
Advogado do(a) APELADO: KARINE DA SILVA NEVES - MS16150-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000519-40.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: IVONE EUNICE DE OLIVEIRA BOTASSINI
Advogado do(a) APELADO: KARINE DA SILVA NEVES - MS16150-A
R E L A T Ó R I O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se deapelação
interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a r. sentença (Id.:124074639,
págs. 12/16) que julgou procedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação
Continuada, a partir da data do requerimento administrativo, condenando-o ao pagamento dos
honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor das prestações vencidas até
a data da sentença (Súmula 111 do STJ), com juros e correção monetária.
Em suas razões de apelação (Id.:124074639, págs. 18/27), sustenta o INSS:
1 - o não preenchimento do requisitoda miserabilidade, vez que a renda per capita familiar é
superior ao teto legal, devendoa ação ser julgada improcedente;
2 - subsidiariamente, em caso de manutenção da sentença recorrida, quea DIB seja fixada na
data da juntada do último laudo pericial.
Prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei
federal e de preceitos constitucionais.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal pelo regular prosseguimento do feito (Id.:128505264).
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000519-40.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: IVONE EUNICE DE OLIVEIRA BOTASSINI
Advogado do(a) APELADO: KARINE DA SILVA NEVES - MS16150-A
V O T O
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação
interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal,
possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
MÉRITO
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei
8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal
ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo
mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais
pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial,
não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou
desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da
hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com
deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou
em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de
tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a
cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político
pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu
conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao
amparo de pessoas em situação de miséria.
No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da
percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9
do CNJ,que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando
especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2)
desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as
metas1.3“Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados,
para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis
(...)”; e 2.1“Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular
os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos
e suficientes durante todo o ano.”
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser
compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a
ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei
13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as
barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença
de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual
ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente,
para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias
capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de
proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do
benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas
funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e
pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do
benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de
prestação continuada".
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993,
com redação dada pela recente MP 1.023/2020, considere como hipossuficiente para consecução
deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério a ser submetido à
apreciação do Congresso Nacional), fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a
adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social
no Brasil utilizam atualmente o valor demeio saláriomínimo como referencial econômico para a
concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º
10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei
10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP
2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo
Federal (Decreto 3.811/2001).
Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13), com
repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e
Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou,incidenter tantum, a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que
estabelecia a renda familiar mensalper capitainferior a ¼ do salário mínimo para a concessão de
benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da
miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar
Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor demeio
saláriomínimo como referencial econômico.
O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da
miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser
aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício,
consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade
que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma,
Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª
Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel.
Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Assim sendo, o inconformismo da autarquia procede, devendo ser reformada a r. sentença
monocrática (Id.:124074639, págs. 12/16).
Quanto ao requisito etário, encontra-se preenchido, pois a parte autora, nascida em 15/11/1952,
possuihoje 68 anos.
Contudo, no que pertine à miserabilidade,o conjunto probatório dos autos é insuficiente à
demonstração da hipossuficiência exigida pela lei, consoante depreende-se do estudo social
(Id.:124074639, págs. 7/8):
"Informamos a Vossa Excelência que realizamos visita domiciliar e entrevista individual com a
sra. Ivone Eunice Botassini, 66 anos. Esta informou que consigo reside seu esposo Dino
Aparecido Botassini, 74 anos, aposentado por idade.
Referente as condições sociais da família, esta reside em casa alugada (Valor do aluguel R$
1.400,00) de alvenaria, com 01 sala, 01 copa, 01 cozinha, 02 quartos, 01 suíte, 01 banheiro, 01
área de serviço.
A subsistência familiar é suprida com a renda da aposentadoria do sr. Dino com o valor mensal
de 01 salário-mínimo e com a ajuda financeira dos três filhos do casal, isto é, cada filho contribui
com o valor mensal de R$ 300,00. Vale lembrar que a sra. Ivone mencionou que o casal não
conseguiria suprir as necessidades básicas sem a ajuda financeira dos filhos.
(...)
Relatou também que tem sérios problemas de saúde como: problemas cardíacos, hipertensão,
diabetes, artrose e osteoporose. Faz uso dos medicamentos tensaliv 5 mg, sinvastatina 20mg,
Asea HCT 40mg, carvedilol 40 mg, tendo um gasto mensal de R$ 140,00 com compra dos
medicamentos, isto é, alguns dos medicamentos mencionados a sra. Ivone consegue pelo
Sistema Único de Saúde.
(...)
V – PARECER SOCIAL:
Ante o exposto, é de se concluir que a situação descrita no laudo social não habilita a requerente
ao recebimento do Benefício de Prestação Continuada, pois a família não entra nos critérios
financeiros estabelecidos pela lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993 Lei Orgânica da Assistência
Social."
Dito isso, verifica-se que além da aposentadoria percebida pelo cônjuge, o casal recebe auxílio
dos três filhos, no total de R$900,00, de modo queo valor da renda per capta - aproximadamente
um salário mínimo - ultrapassa em muito o teto adotado para análise do benefício atualmente,
qual seja, ½ salário mínimo.
Colho dos autos que o conjunto probatório dos autos é insuficiente à demonstração da
hipossuficiência exigida pela lei, vez que as necessidades básicas estão sendo atendidas, não
ficando evidenciada a situação de extrema vulnerabilidade exigida pela lei.
O benefício assistencial não se presta à complementação da renda familiar, mas, sim,
proporcionar condições mínimas necessárias para a existência digna do indivíduo.
Não comprovada a situação de extrema vulnerabilidade, a improcedência da ação é de rigor.
Assim, inexistindo outras provas em contrário, entendo que a autora não demonstrou preencher
os requisitos legais, notadamente, oque diz respeito à hipossuficiência econômica, de modo que
não faz jus ao benefício assistencial requerido.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas
processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado, fixados em 10% do
valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo
98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à Apelação do INSS, para julgar improcedente a ação,
condenando a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, na forma antes delineada.
É COMO VOTO.
/gabiv/gvillela
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADENÃO COMPROVADA.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA.SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição
Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da
Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do
requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 - Valor da renda per capita muito superior ao teto. Necessidades básicasatendidas. Situação de
extrema vulnerabilidade não verificada.
4 - Inversãodo ônus da sucumbência. Vencida a parte autora, a ela incumbe opagamento de
custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado,
fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos
termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
5 - Apelação do INSS provida.Sentença reformada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à Apelação do INSS, para julgar improcedente a ação,
condenando a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
