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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª TurmaAPELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000786-72.2024.4.03.6183 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS APELANTE: MOACY PEDRO DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: SILAS MARIANO RODRIGUES - SP358829-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I OO Desembargador Federal Jean Marcos (Relator): Trata-se de ação destinada a viabilizar o restabelecimento de benefício por incapacidade, cessado em 25/07/2018. Foi proferida sentença (ID 335989883) que julgou o pedido inicial improcedente por ausência de incapacidade, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e condenou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade. Transcrevo trecho do julgado:
"A qualidade de segurado da parte requerente está comprovada porquanto o pleito se trata de restabelecimento de benefício por incapacidade temporária, cessado em 25/07/2018. A carência de 12 contribuições mensais está, igualmente, patenteada. Quanto à incapacidade, assentou os peritos das áreas de oncologia e ortopedia o seguinte: "Em relação a doença oncológica, qual seja, a neoplasia de próstata tratada com prostatectomia radical em 2018 que evoluiu com incontinência urinária leve, a mesma não justifica a incapacidade. Do ponto de vista oncológico o periciando não apresenta incapacidade laboral". (id 330321256) e "Não detectamos ao exame clínico criterioso atual, justificativas para queixas alegadas pelo periciando, particularmente Lombalgia, Artralgias em Membro Superior Esquerdo, Membro Inferior Esquerdo e Tumor de Próstata. Creditando seu histórico, concluímos evolução favorável para os males referidos (...) Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se que: Não caracterizo situação de incapacidade para atividade laboriosa habitual" (id 356852070). A parte requerente, ciente do laudo negativo da perita da área de oncologia, requereu perícia na área de ortopedia, que, igualmente, não constatou haver incapacidade laborativa para a atividade habitual. Assim, as provas periciais médicas confirmam a regularidade da cessação do benefício de auxílio por incapacidade temporária, pelo que o ato administrativo impugnado não merece reparo."
Apelação da parte autora (ID 335989885) em que requer a reforma da sentença. Alega o cumprimento dos requisitos para a obtenção do benefício. Aponta que sua atividade laborativa é pesada e pode agravar as patologias que possui. Requer a análise das condições pessoais. Subsidiariamente, requer nova perícia. Sem contrarrazões. É o relatório.
V O T OO Desembargador Federal Jean Marcos (Relator): A Constituição Federal de 1988, a teor do preceituado no artigo 201, inciso I, garante cobertura à incapacidade laboral. Dispõe a Lei Federal nº 8.213/91, de 24-07-1991: "Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição. §1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, /às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança. §2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão". "Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. §1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão". Conforme se pode ver, a Lei de Benefícios estabelece que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência. Por sua vez, o auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária) é direito do segurado que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. A implantação de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez exige carência de 12 (doze) contribuições mensais nos termos dos artigos 25, inciso I, da Lei Federal nº 8.213/91. Não se exige carência "nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado", conforme artigo 26, inciso II, da Lei de Benefícios. Também independe de carência, para a concessão dos referidos benefícios, nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por uma das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei. É oportuno observar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no RGPS não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia. A lei determina que para o implemento dos benefícios em tela, é de rigor a existência do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as respectivas contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei Federal nº 8.213, in verbis: "Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; (...) VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo. § 1º. O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. § 2º. Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. § 3º. Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social. § 4º. A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos". Observa-se, desse modo, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso da graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. O §2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de mais 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. Na hipótese de perda de qualidade de segurado, é viável a implantação do benefício mediante prova do cumprimento de metade da carência, conforme artigo 27-A, da Lei Federal nº 8.213/91. Em se tratando de benefícios por incapacidade, a comprovação do fato se faz por meio de prova pericial, salvo se desnecessária em vista de outras provas produzidas (CPC, art. 464). Ainda quanto às provas, é oportuno ressaltar que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, na medida em que, a teor do art. 479 do CPC: "O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito". Contudo, é igualmente certo afirmar que a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que não englobe a questão jurídica em debate, depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. À vista do exposto, examina-se o caso concreto. Quanto à incapacidade, o perito judicial especialista em oncologia, em exame médico realizado em 07/05/2024, assim consignou (ID 335989858): "Bom estado geral, e bom estado nutricional. Marcha claudicante a E Senta e levanta com dificuldade Não permitiu manobras em MSE devido a dor. Dor em manobras da região lombar e em MIE. Cicatriz mediana infraumbelical bem cicatrizada. (...) Ao exame físico apresentou-se com limitação de deambulação, dor e lentidão ao sentar e levantar e não permitiu avaliação de mobilidade de MSE e MIE devido a dor. Em relação a doença oncológica, qual seja, a neoplasia de próstata tratada com prostatectomia radical em 2018 que evoluiu com incontinência urinária leve, a mesma não justifica a incapacidade. Do ponto de vista oncológico o periciando não apresenta incapacidade laboral. Sugiro que seja avaliado por médico ortopedista.". Foi determinada perícia com médico ortopedista, conforme recomendação (ID 335989869). O exame ortopédico, realizado em 26/02/2025, assim consignou (ID 335989877): "VII. Exame Físico Bom estado geral, corado, hidratado, eupneico, afebril, ativo, destro, marcha normal. Exame Clínico do Membro Superior Esquerdo * Geral: Sem limitação da rotação externa a abdução, sem crepitações, sem atrofias musculares. * Teste específico: Teste provocativos (Duplay, Jobe, Yergasson, Patte, Neer, Halkins) - Todos negativos. * Testes de Phalen, Phalen invertido, Tinel e Finkelstein - Todos negativos. Exame Clínico Da Coluna Lombar Inspeção: Normal. * Mobilidade com restrição de 1/5 da amplitude, compatível com faixa etária e de não praticante de atividades físicas regulares. * Musculaturas paravertebrais eutróficas, eutônicas, simétricas e sem contraturas; eixo longitudinal da coluna sem desvio escoliótico ou posturas viciosas. * Sinal de Laségue: Negativo bilateralmente. * Marcha Sensibilizada: Sem déficits detectáveis. * Manobra de Adams: Negativa para escoliose. * Manobra de Galeazzi: Negativa para encurtamento de membros inferiores. * Teste de Brudzinski: Negativo para irritação meníngea. Exame Clínico Do Membro Inferior Esquerdo: * Geral: Sem crepitação, sem derrame articular, flexo-extensão com amplitude preservada (Valor de referencia normal: 0-130º). * Patologias Meniscais: Testes meniscais (Apley, Mac Murrar) - Todos Negativos. * Patologias Ligamentares: Stress em valgo e varo teste da gaveta anterior e posterior, Lacmann, Jerk Test, Godfrey - Todos negativos. (...) Não detectamos ao exame clínico criterioso atual, justificativas para queixas alegadas pelo periciando, particularmente Lombalgia, Artralgias em Membro Superior Esquerdo, Membro Inferior Esquerdo e Tumor de Próstata. Creditando seu histórico, concluímos evolução favorável para os males referidos. (...) Não caracterizo situação de incapacidade para atividade laboriosa habitual (...) c) Causa provável da(s) doença/moléstia(s)/incapacidade. R: Degenerativo." O perito concluiu pela ausência de incapacidade. Embora o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, nos termos dos artigos 436 do CPC/1973 e 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas, por se tratar de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das partes. É perfeitamente possível que uma pessoa esteja doente sem, contudo, encontrar-se incapaz para o desempenho de uma atividade ou ocupação. Por outro lado, é possível que uma lesão ou doença prejudique o desempenho de determinada função laboral, mas que não cause prejuízo a outro tipo de atividade. Torna-se obrigatório para se determinar a presença ou não de incapacidade laboral tanto o entendimento da atividade laboral quanto a caracterização da doença ou lesão. No caso concreto, a parte autora é motorista e alega sentir dores nas costas e dificuldade de deambulação. Ao exame pericial mais recente, apresentou-se com marcha normal e amplitude de movimentos preservadas. O perito especialista em ortopedia conclui que suas dificuldades resultam de sua idade - desgaste natural. Assim sendo, não é devido o benefício por incapacidade temporária ou definitiva, porque não há prova da incapacidade, nos termos dos artigos 42 e 59, da Lei Federal nº. 8.213/91. Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, majoro os honorários advocatícios em 1% (um por cento), sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade, em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita, conforme, o § 3º, do artigo 98, do Código de Processo Civil. Por tais fundamentos, nega provimento à apelação da parte autora. É o voto. E M E N T A
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO PARA RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORAL COMPROVADA. DOENÇA NÃO SE CONFUNDE COM INCAPACIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA. I. CASO EM EXAME 1. Ação ajuizada com o objetivo de restabelecer benefício por incapacidade temporária, cessado em 25/07/2018. Sentença de improcedência fundamentada na ausência de incapacidade laboral, com condenação da parte autora em honorários advocatícios, cuja exigibilidade foi suspensa em razão da gratuidade. A parte autora apelou, alegando cumprimento dos requisitos legais, gravidade das patologias, necessidade de análise das condições pessoais e, subsidiariamente, pleiteando nova perícia. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em definir se a parte autora comprovou incapacidade laboral que justifique o restabelecimento de benefício previdenciário por incapacidade temporária. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio por incapacidade temporária depende da comprovação de incapacidade laboral mediante perícia médica, nos termos dos arts. 42 e 59 da Lei nº 8.213/91. 4. O juiz não está vinculado ao laudo pericial, mas sua desconsideração exige elementos robustos em sentido contrário, inexistentes no caso (CPC, art. 479). 5. A perícia médica em oncologia constatou inexistência de incapacidade decorrente de neoplasia de próstata, sugerindo avaliação ortopédica. 6. O laudo ortopédico concluiu pela ausência de incapacidade, apontando evolução favorável das patologias e queixas compatíveis com desgaste natural da idade. 7. A mera existência de doença não se confunde com incapacidade laborativa, sendo imprescindível a prova de que esta inviabiliza o exercício da atividade habitual. 8. No caso concreto, a autora, motorista, apresentou marcha normal, amplitude preservada e não demonstrou limitações que impeçam o trabalho, inexistindo fundamento para restabelecer o benefício. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A doença, por si só, não caracteriza incapacidade para fins previdenciários. 2. O benefício por incapacidade exige prova robusta de inaptidão laboral, a ser demonstrada por perícia médica idônea. 3. O juiz pode se afastar das conclusões do laudo pericial, mas somente mediante elementos convincentes em sentido contrário. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, I; Lei nº 8.213/91, arts. 15, 25, I, 26, II, 27-A, 42, 59 e 151; CPC/2015, arts. 464, 479, 85, § 11, e 98, § 3º. Jurisprudência relevante citada: Não há precedentes expressamente citados no acórdão. A C Ó R D Ã OVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
JEAN MARCOS
Desembargador Federal | ||||||
