
| D.E. Publicado em 02/04/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, rejeitar a questão preliminar arguida pelo INSS e, no mérito, dar parcial provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006034-80.2011.4.03.6112/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou benefício previdenciário de auxílio doença, previstos nos artigos 42 e 59/63 da Lei n. 8213/91, ou ainda, de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
A sentença prolatada em 02.12.2014 julgou procedente o pedido inicial nos termos que seguem: "Ao fio do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para o fim de: a) Condenar o INSS a implantar o benefício assistencial de prestação continuada em favor da parte autora, desde 30.05.2011; b) Condenar o INSS a pagar à parte autora as prestações em atraso, devidamente corrigidas e acrescidas de juros de mora, em conformidade com os itens 4.3.1 e 4.3.2 do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/2010, CJF, atualizado pela Resolução nº 267/2013 do CJF, descontados eventuais valores pagos administrativamente ou por força da antecipação dos efeitos da tutela; e c) Condenar o INSS a pagar à parte autora honorários advocatícios que fixo em 10% (cinco por cento) do valor da condenação (art. 20, 4º do CPC), não incidindo sobre as parcelas que se vencerem após a prolação desta sentença (cf. Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça). Custas indevidas. A decisão de fls. 52/53, que antecipou os efeitos da tutelar jurisdicional pleiteada, fica expressamente mantida. Sentença não sujeita ao reexame necessário, com fulcro no art. 475, 2º do Código de Processo Civil. P.R.I. Intime-se o Ministério Público Federal.".
Apela o INSS requerendo preliminarmente a extinção do feito nos termos do art. 267, V do CPC/1973, ante a ocorrência da coisa julgada. No mérito pugna pela improcedência do pedido, eis que não comprovada a condição de deficiente da parte autora. Subsidiariamente, requer a fixação do termo final do benefício na data do laudo médico pericial elaborado no processo que tramitou perante o juízo da Comarca de Rosana/SP.
Com a apresentação de contrarrazões os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou provimento parcial do apelo da autarquia.
É o relatório.
VOTO
Rejeito a preliminar arguida pelo INSS.
Consoante o disposto no artigo 301, §3º, do Código de Processo Civil/1973: "há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba mais recurso".
O caráter social do Direito Previdenciário, as questões de saúde que permeiam muitas das ações que versam sobre benefícios previdenciários e assistenciais - cuja melhora ou agravamento provocam a modificação dos fatos - e a variedade dos lapsos temporais que se verificam entre análise administrativa e à apreciação judicial (incluindo os momentos em que são realizadas as perícias médicas e/ou sociais), recomendam uma visão das normas processuais atenta a tais peculiaridades.
Nessa perspectiva verifico que este feito foi ajuizado em 19.08.2011, pleiteando a concessão do benefício assistencial desde a data do seu pedido administrativo ocorrido em 30.05.2011 (fls. 20). Nesse passo, em 22.09.2011 foi realizada perícia médica judicial assinalando a existência de incapacidade para o trabalho.
O extrato do sistema PLENUS, que ora faço juntar, indica que em 30.01.2012 a parte autora pleiteou o benefício assistencial administrativamente novamente, e após a sua negativa ajuizou demanda judicial perante o juízo estadual da Comarca de Rosana/SP, que foi julgada improcedente, eis que o laudo médico pericial elaborado em 07.08.2013 informou a inexistência de incapacidade para o trabalho.
Verifico que os feitos referem-se a pedidos administrativos distintos, e os laudos médicos periciais guardam entre si lapso temporal de dois anos, razão pela qual não há que se falar em incidência da coisa julgada.
Passo ao exame do mérito.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme cópia do documento de identidade de fls. 11, tendo a parte autora nascido em 07 de novembro de 1983, contava com 27 anos de idade no momento do pedido administrativo, e assim, o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade da postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29 que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
A autora alega que é portadora de enfermidades que a impedem de trabalhar.
O laudo médico pericial realizado em 30.09.2011 (fls. 31/34) revela que a parte autora é portadora de alcoolismo crônico e apresenta histórico compatível com epilepsia. Informa a existência de incapacidade total e permanente, asseverando que "Em função de ter sido já moradora de rua, carregando um fardo de miséria social pelo abandono e pobreza e ainda por ser alcoólatra e epilética e fazer uso continuo de anticonvulsivante, a redução da capacidade laborativa é total e permanente."
Assim, atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua: "Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social realizado em 18.04.2012 (fls. 48/50) indica que a autora reside em casa própria (sem documentação) com quatro filhos menores de idade, com três quartos, sala, cozinha e banheiro, sem forro e com piso de cimento bruto. Consta ainda que a Prefeitura do Município de Rosana/SP realizou obras no imóvel a fim de garantir a salubridade da residência e que a casa está guarnecida com móveis e utensílios em estado crítico, e apresenta estado de limpeza e higiene precário.
Informa que a renda da casa é de R$ 278,00 advindo dos programas sociais Renda Cidadã e Bolsa Família, e que recebem benefícios eventuais como cesta básica e talões de água e energia, concluindo que: "Diante da história de vida relatada conclui-se que a Srª Regiane não apresenta condições favoráveis para realizar atividades laborativas, bem como condições para manter sua família com o mínimo necessário para a sobrevivência."
O estudo social indica a existência de vulnerabilidade socioeconômica e de saúde, assinalando a necessidade de aporte financeiro para que a autora possa manter a si e sua família.
Desta forma, considerando conjunto probatório que se apresenta nos autos, verifico estarem preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
Entretanto, considerando o teor da sentença proferida no processo n. 0050556-96.2012.8.26.0515 que tramitou perante o juízo da Comarca de Rosana/SP e transitou em julgado em 03.12.2014, fixo o termo final do benefício ora concedido em 07.08.2013, data do laudo médico pericial que apurou a inexistência de incapacidade para o trabalho.
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Nesse passo, acresço que os embargos de declaração opostos perante o STF contra tal julgado tem por objetivo único a modulação dos seus efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, pelo que o excepcional efeito suspensivo concedido por meio da decisão proferida em 24.09.2018 e publicada no DJE de 25.09.2018, surtirá efeitos apenas no tocante à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, que deverá ser observado quando da liquidação do julgado.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, rejeito a preliminar arguida pelo INSS, e no mérito dar parcial provimento à sua apelação, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10078 |
| Nº de Série do Certificado: | 112317020459EA07 |
| Data e Hora: | 26/03/2019 14:25:48 |
