Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
0000122-70.2013.4.03.6003
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
09/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/09/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL.HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pela parte autora. Cerceamento de defesa
não caracterizado. O laudo pericial foi elaborado com boa técnica e forneceu ao Juízo os
elementos necessários à análise da demanda. Ausência de elementos aptos a descaracterizar o
laudo pericial
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000122-70.2013.4.03.6003
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: IZILA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELANTE: PAULO ROBERTO IGLESIAS ROSA - MS7630-A, JORGE
MINORU FUGIYAMA - MS11994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000122-70.2013.4.03.6003
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: IZILA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELANTE: PAULO ROBERTO IGLESIAS ROSA - MS7630-A, JORGE
MINORU FUGIYAMA - MS11994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 29.07.2016, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem:
“Diante do exposto, julgo improcedente o pedido da parte autora, e declaro resolvido o processo
pelo seu mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC/2015. Condeno a parte autora a pagar
honorários advocatícios no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), com base no art. 85 do
CPC/2015, ficando, entretanto, suspensa essas obrigação pelo período de até 5 (cinco) anos, ao
término, dos quais deve ser extinta, caso persista o estado de miserabilidade, nos termos do
artigo 12 da Lei, n° 1.o60/50 e do art. 98, § 3°, do CPC/ 2015. Fixo os honorários do defensor
dativo nomeado à folha 14, Dr. Jorge Fugiyama, OAB/MS 11.994-A, no valor máximo da tabela, a
serem pagos após o trânsito em julgado. Defiro a prioridade na tramitação do feito, conforme
requerido às folhas 96/100, com fulcro no art. 1.048, inciso I, do Código de Processo Civil de
2015. Transitada em julgado, ao arquivo. P.R.I.”
Apela a parte autora requerendo preliminarmente a nulidade do laudo de estudo social e a
realização de um estudo social atualizado. No mérito aduz que preenche os requisitos para a
concessão do benefício.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000122-70.2013.4.03.6003
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: IZILA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELANTE: PAULO ROBERTO IGLESIAS ROSA - MS7630-A, JORGE
MINORU FUGIYAMA - MS11994-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Rejeito a preliminar de nulidade da sentença.
O laudo social foi elaborado com boa técnica e forneceu ao Juízo os elementos necessários à
análise da demanda. Não se vislumbram no laudo as inconsistências alegadas. A conclusão
desfavorável à parte autora não desqualifica, por si só, a perícia.
Verifica-se que a perita nomeada pelo Juízo "a quo" realizou a visita social e entrevistou os
moradores facultando-lhes expor e apresentar os documentos que achar pertinentes,
evidenciando conhecimento técnico e diligência. Ademais, nota-se que os questionamentos
apresentados pela parte autora estão contemplados no laudo, sendo desnecessária a
complementação da perícia.
Passo ao exame do mérito.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“Registradas essas premissa, passa-se à análise do caso concreto. Para a aferição da alegada
deficiência, a autora foi submetida a exame médico pericial, cujo laudo resultante atesta que ela é
portadora de sequela de câncer de mama, apresentando lindefema de membro superior direito,
com limitações discretas ao aos movimentos; além de nefrolitiase e esteatose hepática (fls.
102/107). Diante desse quadro clínico, o perito concluiu incapacidade total e definitiva para o
trabalho.
(...) Por outro lado, o laudo socioeconômico de fls. 121/128 revela que a postulante reside na
companhia de seu esposo e de um dos filhos em um imóvel próprio, (...) A casa foi construída de
alvenaria e tem piso cerâmico, sendo composta por três quartos, sala banheiros cozinha e
lavanderia.
(...) De seu turno, os documentos de fls. 150/158, juntados pelo MPF, comprovam que o esposo
do demandante recebia salário de R$ 1.183,87, cumulado com proventos de aposentadoria no
valor de R$ 880,00. Dessa forma, mesmo que ele tenha sido demitido em 07.05.2016 (fls.
173/178), os efeitos financeiros de sua alta remuneração ainda perduram, elidindo a
caracterização da miserabilidade. Com efeito, deve-se sopesar que desde maio de 2015, quando
se concedeu a aposentadoria por idade ao cônjuge (fls. 157), a renda do casal superou o patamar
de R$ 2.000,00, correspondente ao dobro do montante necessário à sobrevivência da família (fls.
125/126) Assim, o recente desemprego do marido da autora, não teria, por ora, o condão de
configurar a hipossuficiência.”
De fato, o estudo social (ID 90143314), elaborado em 14.04.2015, revela que a parte autora
reside com seu marido, Severino Mariano, de 70 anos em casa própria, de alvenaria, composta
por três quartos, uma sala, um banheiro, uma cozinha e uma lavanderia, em boas condições de
conservação e higiene. O bairro onde residem é localizado na periferia, com fornecimento de
água encanada e energia elétrica, sem esgoto, sem asfalto e sem transporte coletivo. Os móveis
e eletrodomésticos ofertam conforto aos moradores do local.
A renda da casa advém da aposentadoria do esposo, no valor de um salário mínimo. Constam
ainda vínculos empregatícios após a concessão da aposentadoria por idade, conforme
demonstram o extrato CNIS (ID122776862).
Informaram despesas com água R$ 110,00, gás R$ 50,00, energia elétrica R$ 190,00,
alimentação R$ 400,00, farmácia R$ 140,00 e recarga de celular R$ 12,00 totalizando R$ 902,00.
A perita social emitiu parecer desfavorável, conforme transcrevo:
“A partir dos dados colhidos através do estudo social, constatamos que, no momento, não é real a
condição de hipossuficiência da requerente, objeto desta ação profissional no processo da perícia
socioeconômica”
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as
necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a
família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da
existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que
as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento,
como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Tem-se ainda que a autor possui três filhos (Selma, Gilmar e William) com vida independente,
que em caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pela parte autora e, no
mérito NEGO PROVIMENTO à sua apelação, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de
Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença,
nos termos da fundamentação exposta..
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL.HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pela parte autora. Cerceamento de defesa
não caracterizado. O laudo pericial foi elaborado com boa técnica e forneceu ao Juízo os
elementos necessários à análise da demanda. Ausência de elementos aptos a descaracterizar o
laudo pericial
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar de nulidade da sentença arguida pela parte autora e, no
mérito NEGAR PROVIMENTO à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
