
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5318634-36.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: I. C. F.
REPRESENTANTE: ZILDA CASSIANO FERREIRA
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL RISSATTO MORIS - SP395018-N, GISELE CRISTINA LUIZ MAY - SP348032-N, ALLAN KARDEC MORIS - SP49141-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: MARIA ISABEL RISSATTO MORIS - SP395018-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5318634-36.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: I. C. F.
REPRESENTANTE: ZILDA CASSIANO FERREIRA
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL RISSATTO MORIS - SP395018-N, GISELE CRISTINA LUIZ MAY - SP348032-N, ALLAN KARDEC MORIS - SP49141-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: MARIA ISABEL RISSATTO MORIS - SP395018-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 22.05.2020, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem: "Ante o exposto e o mais que dos autos consta, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado e, em consequência, julgo extinto o processo com julgamento de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Como a parte autora é beneficiária da Justiça Gratuita, não há que se falar em condenação aos encargos da sucumbência, conforme entendimento do E. TRF da 3ª Região. P.I.C."
Apela a parte autora requerendo preliminarmente, a anulação r. sentença por cerceamento de defesa, sustentando que não houve análise minuciosa das provas produzidas nos autos e não fora deferida a produção de prova testemunhal que foi requerida na inicial. No mérito pugna pela reforma da sentença ao fundamento que é portadora de deficiência física que lhe impossibilita o labor, bem como ostenta condição de miserabilidade, preenchendo os requisitos para a concessão do benefício.
Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo afastamento da preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5318634-36.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: I. C. F.
REPRESENTANTE: ZILDA CASSIANO FERREIRA
Advogados do(a) APELANTE: MARIA ISABEL RISSATTO MORIS - SP395018-N, GISELE CRISTINA LUIZ MAY - SP348032-N, ALLAN KARDEC MORIS - SP49141-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: MARIA ISABEL RISSATTO MORIS - SP395018-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Rejeito a preliminar de cerceamento de defesa arguida pelo autor.
O conjunto probatório apresentado é suficiente para o deslinde da causa. Foi regularmente oportunizado à parte autora apresentar quesitos e manifestações acerca das provas periciais produzidas, e ainda que realizada a oitiva de testemunhas, esta não teria o condão de desconstituir os laudos e documentos apresentados.
Passo ao exame do mérito.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“Por seu turno, o estudo social, realizado em 11/11/2019 (fls. 49/50), revela que o autor reside com a mãe, em imóvel alugado de alvenaria, composto por sete cômodos pequenos, cobertos com telha de cerâmica, com forração de laje, com piso de taco e cerâmica, sendo que sobrevivem da pensão alimentícia que o requerente recebe do pai, no valor de R$750,00 e dos rendimentos que a genitora percebe em diárias como cuidadora, no importe de R$700,00. De acordo, ainda, com a assistente social que realizou a visita no domicilio do autor, trata-se de residência modesta, assim como os móveis que a guarnecem, arcando a família com gastos básicos como aluguel, água, luz, gás, alimentação, vestuário, parte do valor dos medicamentos quando não disponíveis no sistema público de saúde e também com babá para os cuidados do autor, nos períodos do dia em que a genitora trabalha como cuidadora, além da manutenção de um veículo. Pois bem, como a família é composta por duas pessoas, a renda “per capita” familiar encontra-se acima de um quarto do valor do salário mínimo, sendo que as demais provas dos autos demonstram que embora sejam difíceis as circunstâncias familiares em que se encontra o autor, sua condição socioeconômica não é compatível com a situação de vulnerabilidade econômica exigida para o deferimento do benefício. Não se pode olvidar que embora não componha o núcleo familiar, o genitor aufere rendimentos na condição de autônomo (fls. 87) e nessa circunstância, além de prestar alimentos ao filho, por ora, não se vislumbra qualquer óbice a que venha em socorro ao filho, de modo a prover eventual necessidade emergencial do requerente. Nesse contexto, tenho que o requerente se encontra inserido em família com condições suficientes a prover o seu sustento, com a dignidade preconizada pela Constituição Federal. É de se observar, ainda, que a finalidade do amparo assistencial não é complementar a renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas permitir a subsistência de idoso ou deficiente em estado de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei. Portanto, não caracterizados os requisitos exigidos para a concessão do benefício, constitui medida de rigor a improcedência do pedido.”
De fato, o estudo social (ID 141589905), elaborado em 11.11.2019, revela que a parte autora reside com sua mãe, Sra. Zilda Cassiano Ferreira, auxiliar de enfermagem, em imóvel alugado, de alvenaria, composta por sete cômodos pequenos, cobertos por telhas cerâmica, forro de laje, piso de taco e cerâmica e quintal murado e calçado. A casa, assim como os móveis que a guarnece são modestos. Possuem um automóvel Fox, ano 2004.
A renda da casa advém da pensão alimentícia que o autor recebe no valor de R$ 750,00 e das diárias da Sra. Zilda, cobrindo folga como cuidadora de idosos, no valor de R$ 700,00, totalizando R$ 1.450,00 mensais.
Informaram despesas com aluguel R$ 600,00, água R$ 21,00, energia elétrica R$ 110,00, alimentação R$ 580,00, gás R$ 75,00, internet R$ 60,00, vestuário R$ 150,00 e Babá R$ 300,00. Medicamentos são fornecidos pelo DHS e SUS, quando não fornecidos gastam em torno de R$ 140,00. Totalizando cerca de R$ 1.896,00.
A perita social emitiu parecer favorável, considerando que a família se encontra em situação vulnerável.
Entretanto, em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a família vive em imóvel que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, rejeito a questão preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à sua apelação e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. O conjunto probatório apresentado é suficiente para o deslinde da causa. Desnecessária a produção de prova testemunhal requerida, pois esta não tem o condão de desconstituir os laudos e documentos apresentados.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Preliminar rejeitada. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a ilustre representante do Ministério Público Federal retificou o parecer proferido para requerer tão somente seja dado seguimento ao feito, sem se considerar como contrária a posição ministerial. A Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a questão preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
