
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5324140-90.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: APARECIDA IZABEL ANDRADE SCARPELINI
Advogados do(a) APELANTE: MAURICIO CAETANO VELO - SP290639-N, JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5324140-90.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: APARECIDA IZABEL ANDRADE SCARPELINI
Advogados do(a) APELANTE: MAURICIO CAETANO VELO - SP290639-N, JOSE BRUN JUNIOR - SP128366
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 13.07.2020, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, nos termos que seguem: “Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido inicial, e extingo o processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade processual. Publique-se. Intimem-se.”
Apela a parte autora requerendo preliminarmente, a anulação r. sentença, a fim de que seja determinada a complementação do laudo Social. No mérito alega para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação da autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5324140-90.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: APARECIDA IZABEL ANDRADE SCARPELINI
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pelo autor.
O conjunto probatório apresentado é suficiente para o deslinde da causa. Foi regularmente oportunizado à parte autora apresentar quesitos e manifestações acerca das provas periciais produzidas.
Passo ao exame do mérito.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“O relatório do estudo social (fls. 138/155), realizado em 17 de setembro de 2019, demonstrou que a autora não possui renda e reside com seu marido, que recebe aposentadoria de um salário mínimo, que é a única renda da família. Foi relatado que a autora reside em casa herdada de seus pais, em razoável estado de uso, de higiene e conservação guarnecida com mobília e eletrodomésticos que atendem as necessidades do casal; que a casa é herança dos pais da autora e como há mais dois herdeiros, têm receio de que seja vendida; uma irmã da autora reside em uma edícula situada nos fundos; que as despesas são: energia elétrica R$ 181,54, água R$ 73,30, gás de cozinha R$ 85,00, alimentação R$ 575,00, farmácia R$ 250,00, totalizando R$ 1.164,84; que o casal não recebe ajuda financeira dos filhos. Pelo relatório do estudo social, a família é composta pela autora e seu marido, sendo a renda familiar proveniente da aposentadoria do marido, de um salário mínimo, com desconto consignado no valor de R$ 20,00. Posteriormente, a autora juntou comprovante de gasto com farmácia no valor de R$ 165,59 (fls. 182), e a autarquia requerida juntou demonstrativo da renda do marido da autora, no valor de R$ 1.527,94 (fls. 188). Deste modo, a renda per capita no núcleo familiar da autora é superior a 50% do salário mínimo, sendo, ainda, superior aos valores das despesas mensais. Nessa senda, observa-se que a renda auferida pelo marido da autora é suficiente a gerir sua família. ”
O estudo social (ID 142168564), elaborado em 30.11.2019, revela que a parte autora reside com seu esposo, Leonardo Scarpeline, em casa própria, de alvenaria, forro de madeira, piso frio, guarnecida de móveis em condições razoáveis de uso, a casa apresenta condições razoáveis de higiene e organização. Os móveis são: Sala, um jogo de sofá de três e dois lugares uma estante com TV tubo de 29 polegadas e mesa lateral; Quarto nº. 1, guarda roupa e cama de solteiro; Quarto nº 2, um guarda roupa e cama de casal; Cozinha, geladeira, fogão, mesa, cadeiras e pia sem gabinete. A localidade é abastecida com toda infraestrutura básica como: Asfalto, esgoto, iluminação, no território possui um Equipamento Socail CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e outros.
Quanto à renda familiar, consta que o marido da parte autora, Sr. Leonardo, recebe aposentadoria por invalidez previdenciária no valor de R$ 1.527,94 (ID 142168585).
As despesas elencadas são: Alimentação R$ 575,00; Luz R$ 181,54; Água R$ 73,30; Gás R$ 85,00 e Farmácia R$ 250,00, totalizando R$ 1.164,84.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, rejeito a questão preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à sua apelação e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. O conjunto probatório apresentado é suficiente para o deslinde da causa.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Preliminar rejeitada. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a questão preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
