Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6212152-81.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
09/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/09/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE SUSPENSÃO DA TUTELA REJEITADA BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO. REQUISITO NÃO PREENCHIDO.
INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
1. Mantidos os efeitos da tutela antecipada. Conforme avaliação do Juízo a quo restaram
configurados os requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada. A presente demanda
possui natureza alimentar, o que por si só evidencia o risco de dano irreparável tornando viável a
antecipação dos efeitos da tutela. Preliminar rejeitada.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família que possui renda formal. Não demonstrada a
impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Inversão do ônus da sucumbência.
6. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
7. Apelação do INSS provida. Apelação da parte autora prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6212152-81.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DENIVAL BENICIO SANTIAGO
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL LANZI VASCONCELLOS - SP277712-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6212152-81.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 23.09.2019, julgou o pedido procedente nos termos que seguem: “Ante
o exposto, e pelo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e
CONDENO a autarquia pagar à parte autora, a partir do ajuizamento da ação, o benefício de
prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93, no valor de um salário mínimo
mensal; correção monetária, desde os respectivos vencimentos, nos termos da Lei nº 6.899/81 e
legislação subsequente; e juros de mora no percentual legal, a partir da citação. A correção
monetária incide sobre as prestações em atraso, desde as respectivas competências, na forma
da legislação de regência, com incidência do IPCA-E. Quanto aos juros de mora são aplicados os
índices do art. 1ºF da Lei nº 9.494/97, contados a partir da citação. Em consequência, diante da
presença da verossimilhança do direito alegado e, ainda, diante do perigo da demora, confirmo a
tutela antecipada anteriormente concedida. Julgo, pois, extinto o processo com resolução de
mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno o instituto
requerido a arcar com o pagamento de honorários advocatícios, cujo percentual sobre o valor da
condenação, que corresponde 10% sobre o valor da condenação à soma das
prestações/diferenças vencidas até a data desta sentença (Súmula 111, do STJ). O instituto
requerido fica isento do pagamento de custas processuais, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei
nº 9.289/96, e do art. 6º, da Lei Estadual n.º 11.608/03. Tal isenção não abrange as despesas
processuais que houver efetuado, bem como aquelas devidas a título de reembolso à parte
contrária, por força da sucumbência. Aguarde-se o prazo para recurso voluntário, de modo que
não é caso de reexame necessário nos termos do artigo 496, § 3º, inciso I, do CPC. Após o
trânsito em julgado, nada sendo requerido, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.
P.R.I.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS requerendo preliminarmente o recebimento do
recurso com efeito suspensivo, com suspensão da tutela de urgência. No mérito, sustentaque não
restou preenchido o requisito da miserabilidade. Prequestiona, a expressa manifestação a
respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Apela a parte autora pleiteando que o benefício previdenciário seja concedido desde a data do
requerimento administrativo.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso de apelação interposto pelo
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e pelo provimento do recurso de apelação interposto
pela parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6212152-81.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Rejeito a preliminar de suspensão da tutela.
Nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil/2015, o juiz poderá antecipar os efeitos da
tutela pretendida no pedido inicial, desde que existam elementos que evidenciem a probabilidade
do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo.
No caso, conforme avaliação do Juízo a quo, restaram configurados os requisitos autorizadores
da concessão do benefício, pelo que mantenho seus efeitos.
Ressalte-se que a presente ação é de natureza alimentar o que por si só evidencia o risco de
dano irreparável tornando viável a antecipação dos efeitos da tutela.
Passo ao exame do mérito.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base no laudo pericial apresentado, tendo se convencido restar configurada a
condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessária para a concessão do
benefício.
Confira-se:
“Em primeiro lugar, a parte autora é incapaz, o que afeta suas participações em diversas áreas e
a restringe para sua vida do trabalho e independente. Nesse sentido, constou no laudo pericial:
“Trata-se de portador de deficiência física motora acometendo o MSE e MIE desde a data de
240911, conforme historiado e atestado, criando barreiras importantes para sua mobilidade e
mesmo postura com importante repercussão para a bacia que báscula. Prova Pericial conclusiva
por deficiência neuro motora com hemiparesia importante a esquerda." (fls. 77/79) (grifos
nossos). Em sequência, também demonstrado o estado de miserabilidade. De plano, o relatório
social de fls. 87/91, constou que a família encontra-se em situação de vulnerabilidade social,
concluindo para a concessão do benefício.”
De fato, o estudo social (ID 108667453), elaborado em 31.01.2019, revela que a parte autora vive
com sua esposa, Adilsolina de Souza, 51 anos em residência alugada, de alvenaria, provida de
água e esgoto, composta por 01 dormitório, sala, cozinha e banheiro. Possuem TV, geladeira,
tanquinho e fogão. O bairro é de fácil acesso ao centro, aos serviços públicos essenciais, bancos
e comércios. A rua de acesso a moradia não é pavimentada. Não possuem veículo automotor.
Informaram que renda da família advém do trabalho da esposa no valor mensal de R$ 954,00.
No que concerne às despesas da casa consta: aluguel R$ 500,00, energia R$ 92,00, água R$
103,00 e alimentação (não soube informar).
O relatório social aponta ainda que a parte autora recebe amparo dos filhos (Denival, Denise,
Débora, Darlan), maiores, com vida independente, que os auxiliam financeiramente.
Assim, depreende-se do conjunto probatório, que apesar da existência de dificuldades
financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas do requente não estejam sendo
supridas, e conta com apoio da família.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, e julgo prejudicada a apelação da parte autora, nos termos da
fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE SUSPENSÃO DA TUTELA REJEITADA BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO. REQUISITO NÃO PREENCHIDO.
INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
1. Mantidos os efeitos da tutela antecipada. Conforme avaliação do Juízo a quo restaram
configurados os requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada. A presente demanda
possui natureza alimentar, o que por si só evidencia o risco de dano irreparável tornando viável a
antecipação dos efeitos da tutela. Preliminar rejeitada.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família que possui renda formal. Não demonstrada a
impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Inversão do ônus da sucumbência.
6. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
7. Apelação do INSS provida. Apelação da parte autora prejudicada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, e julgar prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
