Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5165132-14.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/12/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR. PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO. INOCORRÊNCIA.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Preliminar acolhida. Comprovada a existência de pedido administrativo e seu indeferimento
administrativo. Demanda ajuizada dentro do prazo revisional estabelecido na legislação pertinente
à matéria.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Preliminar acolhida. Apelação não provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5165132-14.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: LYRIA GOMES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: GRACIELA DAMIANI CORBALAN INFANTE - SP303971-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5165132-14.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: LYRIA GOMES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: GRACIELA DAMIANI CORBALAN INFANTE - SP303971-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 19.09.2018, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de
que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, nos termos que seguem: “Ante o exposto,
JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por LYRIA GOMES DA SILVA em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o que faço com fundamento no artigo 487,
I, do Novo Código de Processo Civil. Por força da sucumbência, arcará a parte autora com as
custas e despesas processuais, além de honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por
cento) do proveito econômico buscado na presente demanda, observando-se que a parte vencida
é beneficiária da Justiça Gratuita e referida verba encontra-se suspensa, nos termos do artigo 98,
§ 3º, do Código de Processo Civil. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as
cautelas de estilo. P. R. I.”
Apela a parte autora alegando, preliminarmente, que o requerimento administrativo formulado em
16.05.2016 é apto a demonstrar a resistênciada autarquia para a concessão do benefício, sendo
desnecessária a juntada de nova negativa administrativa, eis queinexistente na legislação em
vigor qualquer prazo para tanto, requerendo que seja considerada a DER de 16.05.2016 para fins
de atrasados. No mérito, pugna pela reforma da sentença ao fundamento que ostenta condição
de miserabilidade, preenchendo os requisitos para a concessão do benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal verificando-se a regularidade formal do presente feito e,
constatando-se a inexistência de hipótese de intervenção meritória, deixa-se de opinar quanto ao
mérito da controvérsia.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5165132-14.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: LYRIA GOMES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: GRACIELA DAMIANI CORBALAN INFANTE - SP303971-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
Acolho a questão preliminar arguida pela parte autora.
Da análise dos autos apura-se que a parte autora ajuizou a presente demanda dezessete meses
após o pedido administrativo.
A jurisprudência dominante indica que a exigência de prévia provocação da instância
administrativa para obtenção do benefício é essencial para viabilizar a propositura de ação
judicial, e nesse sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário
631.240/MG, julgado em sede de repercussão geral.
Entretanto, da leitura do julgado em comento não se extrai o delineamento de prazo revisional
inferior ao estabelecido no art. 103 da Lei n. 8213/91.
No mais, aponto que a legislação aplicável à matéria estipula prazo de 2 anos para revisão
periódica do benefício assistencial, pelo que o pedido administrativo efetuado em 16.05.2016,
dezessete meses antes do ajuizamento da demanda, deve ser considerado para fins de
apreciação deste feito.
Passo ao exame do mérito.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício.
Confira-se:
“Consta no laudo pericial (fls. 86/96) que a autora é pessoa idosa, viúva, alfabetizada, do lar e
não exerce atividades laborativas. Possui residência própria, com acomodações boas, sendo os
móveis muito velhos e precários, e que a autora reside junto com seu filho, Odair Ferreira da
Silva. A única renda familiar é a o benefício de pensão por morte do marido, sendo esta utilizada
para as despesas da casa. Ainda, consta que o filho Odair possui um carro Polo/Volkswagen, ano
98/99, e uma moto Titan, ano 2010, e, ainda, que tem uma renda em torno de R$ 350,00
(trezentos e cinquenta reais) por ser vendedor ambulante. Assim sendo, o “expert” concluiu que a
autora além de ser idosa, sofre de problemas no coração, o que a deixa muito cansada. Por fim,
diz o laudo pericial ser o gasto mensal da autora em torno de R$ 600,00 (seiscentos reais) com
alimentação, R$ 70,00 (setenta reais) com energia e R$60,00 (sessenta reais) com gás de
cozinha. De tal forma, cabe ao juiz verificar o estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes analisando as circunstâncias do caso concreto, não se atendo
somente ao critério objetivo trazido pela lei. Porém, em que pese ser pessoa idosa, não ficou
comprovada a situação de miserabilidade prevista no artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.”
O estudo social (ID 27212692), elaborado em 12.07.2018, revela que a parte autora reside com
seu filho, Odair Ferreira, 40 anos em imóvel próprio, de alvenaria, com sete cômodos, sendo três
quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro. Os móveis são muito velhos e precários. O filho
da autora possui um carro, Polo/Volkswagen, ano, 98/99 e uma moto, Titan, ano 2010. Não
possuem telefone.
Quanto à renda familiar, consta que a autora recebe Pensão por Morte no valor de R$ 1.000,00 e
o filho Odair recebe em torno de R$ 350,00, como vendedor ambulante.
As despesas relacionadas são: Alimentação R$600,00, Energia R$70,00; Água R$60,00 e gás
R$65,00. Medicamentos são adquiridos na rede pública de saúde.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as
necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a
família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da
existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que
as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento,
como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993.
Tem-se ainda que a autora possui mais três filhos (Orandir, Iraci, e Maria) com vida
independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da
parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial
não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se
encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária
gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do
Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, acolho a questão preliminar arguida pela parte autora, e no mérito, NEGO
PROVIMENTOà sua apelação e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil,
majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da
fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR. PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO. INOCORRÊNCIA.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Preliminar acolhida. Comprovada a existência de pedido administrativo e seu indeferimento
administrativo. Demanda ajuizada dentro do prazo revisional estabelecido na legislação pertinente
à matéria.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Preliminar acolhida. Apelação não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu acolher a preliminar arguida pela parte autora e, no mérito, negar
provimento à sua apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
