D.E. Publicado em 13/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, acolher as preliminares suscitadas e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS e à remessa necessária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0030975-68.2014.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez ou de auxílio doença, previstos nos artigos 42/47 e 59/63 da Lei n° 8.213/91.
A sentença, prolatada em 15.08.2013, julgou procedente o pedido para condenar a autarquia a conceder o benefício de auxílio doença, desde a data da cessação administrativa (04.01.2009), e a converter em aposentadoria por invalidez, a partir da data do diagnóstico da patologia cardiológica na parte autora (30.06.2010). Determinou que nos valores em atraso incidirá correção monetária e juros de mora à taxa de 1% ao mês até a data de entrada em vigor da Lei n° 11.960/2009, quando então serão aplicados os índices de correção nela explicitados. Condenou o réu, também, ao pagamento de honorários de advogado, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Deferida a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional (fls. 233-234). Implantado o benefício de auxílio doença com DIB em 10.10.2007 e RMI de R$ 865,85 (fl. 250).
Apela o INSS, requerendo, preliminarmente, a dispensa de antecipação do preparo recursal e a submissão da sentença ao reexame necessário. No mérito, pleiteia a reforma da sentença ou a conversão do feito em diligência para realização de nova perícia médica, sob alegação do não preenchimento dos requisitos legais para a concessão dos benefícios, em razão da contradição existente entre a conclusão pericial do laudo elaborado na Justiça do Trabalho e na presente ação, e da alteração da causa de pedir em relação à patologia cardiológica. Subsidiariamente, requer que o termo inicial da aposentadoria por invalidez seja fixado na data da juntada do laudo pericial aos autos, e a compensação dos valores pagos pelo empregador a título de salário na ação trabalhista.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa necessária prevista no seu artigo 475.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (04.01.2009), seu valor aproximado (fl. 250) e a data da sentença (15.08.2013), que o valor total da condenação supera a importância de 60 (sessenta) salários mínimos, estabelecida no § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil/1973.
Assim, é nítida a admissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
No que concerne à dispensa de antecipação do preparo recursal, observa-se que a Autarquia goza das prerrogativas e privilégios da Fazenda Pública, e não está obrigada a efetuar depósito prévio do preparo, que no entendimento firmado pelos tribunais superiores abarca o porte de remessa e retorno.
Nesse sentido: AR 00042665920104030000, DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, TRF3 - TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/06/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO.
Desse modo, acolho as preliminares suscitadas, e passo à análise do mérito.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça, durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá ser suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem aptas a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário, conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Por fim, quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º 8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;".
No caso concreto, a perícia judicial atesta que a autora, cobradora de ônibus (fls. 24-25 e 135-137), 44 anos de idade, é portadora de cardiopatia hipertensiva, insuficiência cardíaca e depressão moderada, apresentando falta de ar para pequenos e médios esforços, e ressalta que o quadro de ansiedade aumenta a liberação adrenérgica, piorando o quadro cardiológico. Afirma tratar-se de quadro cronificado psiquiátrico, com altas doses de medicamentos que prejudicam a atenção, memória e capacidade de concentração, e ainda com agravamento clínico pela cardiopatia, com necessidade de 03 internações, a comprometer em conjunto o exercício da função de cobradora ou outra atividade laborativa. Assevera que o quadro é definitivo, e mesmo com tratamento psiquiátrico adequado mantém restrição, ressaltando o agravamento cardiológico, que confirma a irreversibilidade funcional. Conclui pela existência de incapacidade total e permanente para o trabalho, insuscetível de recuperação e/ou reabilitação profissional, e estima o início da incapacidade laborativa desde a data da concessão do auxílio doença em 10.10.2007, asseverando a persistência da incapacidade laboral mesmo após a cessação administrativa em 2009 (fls. 212-213v° e 231).
Verifico que os documentos acostados aos autos (fls. 55, 57-61, 63-66 e 69-90) demonstram que a parte autora desde pelo menos 2007 vem se tratando pelas mesmas patologias, sem êxito, inclusive apresentando agravamento do quadro clínico pela patologia cardiológica.
Ademais, nota-se que gozou administrativamente de benefício de auxílio doença de 10.10.2007 a 04.01.2009, de forma ininterrupta (fls. 138 e 154).
O extrato do sistema CNIS (fls. 135-136) demonstra o preenchimento do requisito legal carência.
No tocante à qualidade de segurada, o extrato do sistema CNIS (fls. 135-136) e documentos de fls. 24-25, 53-54, 225 e 240-248, demonstram que o último vínculo empregatício da autora estava ativo quando gozou de benefício de auxílio doença no período de 10.10.2007 a 04.01.2009, de modo que mantinha tal qualidade na data da cessação administrativa (04.01.2009 - fl. 154) e na data da propositura da presente ação (20.01.2012 - fl. 02).
Desse modo, evidenciado pelo conjunto probatório a existência de incapacidade total e permanente para o trabalho, insuscetível de recuperação e/ou reabilitação profissional, de rigor a concessão da aposentadoria por invalidez.
Em que pese as alegações da autarquia, observo que as questões de saúde recomendam uma visão atenta às possíveis modificações da situação fática provocada pela melhora e/ou agravamento do quadro clínico do segurado. Verifica-se que a situação clínica da autora, reconhecida na ação trabalhista, teve por base as condições de saúde da requerente no momento do seu ajuizamento e da realização da perícia médica naqueles autos, estando em análise na presente ação o quadro clínico vigente à época em que tal ação foi proposta.
Nota-se que o laudo pericial produzido na Justiça do Trabalho (fls. 112-124), a despeito do conhecimento da existência da patologia cardiológica (fl. 113v°), focou sua análise na afecção psiquiátrica e na existência de nexo causal de tal patologia com o trabalho, não vinculando este juízo.
Neste contexto, observo que o laudo pericial na presente ação foi elaborado com boa técnica e forneceu ao Juízo os elementos necessários à análise da demanda. Não se vislumbram no laudo as inconsistências alegadas, sendo desnecessária a realização de nova perícia.
Ademais, não há que se falar em mudança da causa de pedir pelo fato da autora não ter mencionado na peça inicial todos os sintomas que a acometem, considerando que nas ações em que se pleiteia benefício previdenciário por incapacidade, o pedido reside na concessão do benefício, enquanto que a causa de pedir é a incapacidade laboral, razão pela qual sua delimitação é de difícil aferição pela falta de conhecimentos técnicos da parte, a tornar imperiosa a mitigação do princípio da congruência em casos como este.
Nesse passo, observo que cabe ao médico perito identificar e valorar a enfermidade e suas consequências quanto ao potencial laborativo do segurado, de modo que da análise fática da situação, por meio de prova pericial, decorrerão as especificidades da causa de pedir e, consequentemente, a extensão da tutela, não havendo ofensa ao disposto no parágrafo único do art. 264 do CPC/1973 (art. 329 do CPC/2015).
Não obstante, ressalto que os documentos que instruíram a inicial demonstram o agravamento do quadro clínico da requerente em razão da patologia cardiológica (fls. 63 e 65-66).
Por sua vez, o E. Superior Tribunal de Justiça, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil no REsp nº 1.369.165/SP, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, assentou entendimento no sentido de que a citação válida é o marco inicial correto para a fixação do termo "a quo" de implantação de benefício de aposentadoria por invalidez/auxílio-doença concedido judicialmente, quando ausente prévio requerimento administrativo.
Desta feita, considerando que o conjunto probatório demonstra a persistência da incapacidade laborativa após a cessação administrativa do benefício de auxílio doença, e tendo em vista a constatação da incapacidade de forma permanente com a realização da perícia médica do juízo nos presentes autos, o termo inicial do benefício de auxílio doença deve ser fixado na data da cessação administrativa (04.01.2009 - fl. 154) e da aposentadoria por invalidez na data da citação (31.01.2012 - fls. 127-v°).
Não há que se falar em compensação dos valores pagos pelo empregador da parte autora a título de salário na ação trabalhista, pois o fato de a requerente eventualmente ter exercido atividade laboral para garantir a sua subsistência, em razão da não obtenção da aposentadoria/auxílio-doença pela via administrativa, por si só não descaracteriza a existência de incapacidade. Os benefícios por incapacidade têm a finalidade de assegurar renda ao segurado incapacitado para o trabalho, devendo ser mantidos enquanto perdurar o estado incapacitante, ou o processo de readaptação/reabilitação.
Embora a legislação previdenciária em vigor (art. 46 da Lei nº 8.213/91), estabeleça que o exercício de atividade laborativa é incompatível com o recebimento do benefício por incapacidade, há que se considerar, naturalmente, que diante do indeferimento de benefício, o segurado vê-se obrigado a permanecer trabalhando para sobreviver - muitas vezes à custa da própria saúde -, considerando a possibilidade de não obter êxito em seu pleito judicial.
Portanto, comprovados os requisitos legais, a parte autora faz jus ao benefício, ainda que tenha efetivamente desempenhado suas atividades laborativas após o termo inicial do benefício judicialmente concedido, não havendo que se falar em desconto dessas parcelas.
Neste sentido os precedentes deste Tribunal: AC 00345955420154039999, DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/03/2016; AC 00152888520134039999, JUÍZA CONVOCADA GISELLE FRANÇA, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/11/2013.
No caso, observa-se ainda que tais verbas têm natureza indenizatória, pois a autora não prestou efetivamente seu labor à empresa (fls. 240-248).
No que tange aos acessórios do débito, verifico que na data de 20.09.2017 o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu o RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, de relatoria do Ministro Luiz Fux, no sentido da inaplicabilidade da Taxa Referencial - TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública também no período anterior à expedição do precatório, devendo ser utilizado para tanto o IPCA-e.
Por outro lado, considerando que os critérios de atualização do débito são consectários legais e, portanto, revestidos de natureza de ordem pública, entendo serem passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 288026/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 20/02/2014; AgRg no REsp 1291244/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013).
Assim, corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e a partir da vigência da Lei nº 11.960/09.
Os honorários de advogado devem ser mantidos em 10% do valor da condenação, consoante entendimento desta Turma e artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso concreto eis que o recurso foi interposto na sua vigência, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando, também, as normas dos §§ 1º a 11º do artigo 85 do CPC/2015, inclusive no que pertine à sucumbência recursal, que determina a majoração dos honorários de advogado em instância recursal (Enunciado Administrativo nº 7/STJ).
Ante o exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, acolho as preliminares suscitadas e, no mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária para fixar o termo inicial da aposentadoria por invalidez na data da citação, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 02/08/2018 14:50:46 |