
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003616-07.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELSO LUIZ PLACIDO
Advogado do(a) APELADO: WALTER BORDINASSO JUNIOR - SP198883-N
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003616-07.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELSO LUIZ PLACIDO
Advogado do(a) APELADO: WALTER BORDINASSO JUNIOR - SP198883-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como especiais os períodos de 05/12/1977 a 30/04/1984, 01/05/1984 a 15/09/1993 e de abril a novembro (safras) entre 2003 e 2007, determinando a revisão da aposentadoria do autor desde o requerimento administrativo (01/01/2013), com pagamento das diferenças daí decorrentes, inclusive reflexos nos reajustes e no abono anual; fixou a correção monetária segundo os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal, a contar do vencimento de cada parcela, e juros de mora de 0,5% ao mês até a vigência do Código Civil, 1% ao mês após sua entrada em vigor e, a partir de 29/06/2009, conforme o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação da Lei 11.960/09; condenou ainda a Autarquia ao pagamento de honorários advocatícios, a serem fixados na liquidação de sentença, indeferindo a tutela de urgência.
A sentença reconheceu a especialidade com base no laudo pericial judicial, corroborado pela documentação dos autos, entendendo que a exposição do autor a ruído acima dos limites legais, inclusive com ineficácia de EPI segundo a tese fixada pelo Tema 555/STF, bem como ao agente químico (soda cáustica) nos períodos até 1993, admitindo a validade do laudo judicial, ainda que não contemporâneo, por refletir as condições de trabalho em locais similares.
Nas razões recursais, o INSS sustenta, preliminarmente, nulidade da sentença por cerceamento de defesa, alegando que não houve apreciação do pedido de prova consistente na expedição de ofício às empresas empregadoras para esclarecimento dos períodos de safra e entressafra, imprescindível para definir a efetiva exposição do autor a ruído. Aduz, ainda, ausência de interesse de agir quanto a parte dos períodos já reconhecidos administrativamente como especiais e convertidos em tempo comum, requerendo a extinção do processo sem resolução de mérito nesse ponto.
No mérito, defende a ausência de prova da exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites legais nos períodos de entressafra entre 1977 e 1993, sustentando que apenas nos períodos de safra poderia haver enquadramento. Requer, por conseguinte, a exclusão desses interregnos do cômputo especial. Insurge-se, também, contra o critério de correção monetária adotado na sentença (Manual de Cálculos da Justiça Federal/INPC), pleiteando a aplicação da TR acrescida de 0,5% ao mês, ou dos índices previstos no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09, até a expedição do requisitório, e, somente após este momento, o IPCA-E.
Ao final, requer o provimento do recurso para anular ou reformar integralmente a sentença. Por fim, apresenta pedido de prequestionamento explícito dos dispositivos legais e constitucionais invocados, para fins de interposição de eventuais recursos excepcionais.
O autor apresentou contrarrazões.
É o Relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003616-07.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELSO LUIZ PLACIDO
Advogado do(a) APELADO: WALTER BORDINASSO JUNIOR - SP198883-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Recebo a apelação interposta pelo INSS por atender os requisitos de admissibilidade.
Consigno, porém, que o apelo não enfrenta diretamente a fundamentação adotada na sentença, limitando-se a suscitar nulidade por ausência de produção de prova complementar e a alegar ausência de exposição nociva em períodos de entressafra relacionado ao período de 1977 a 1993, sem infirmar o laudo pericial judicial.
Da não ocorrência do cerceamento de defesa
No que se refere à alegação de cerceamento de defesa, verifica-se que o INSS requereu a expedição de ofícios às empresas para que informassem os períodos de safra e entressafra. Contudo, tal diligência restou integralmente atendida pelo laudo pericial judicial.
No período laborado na Açucareira Corona (1977–1993), o perito diferenciou safra e entressafra, registrando:
a) Safra: exposição, de forma habitual e permanente, a ruído de 88 dB(A) e manipulação de soda cáustica;
b) Entressafra: atividades de desmontagem, solda, troca de tubos e limpeza com soda cáustica, com ruído de 76,5 dB(A), ainda assim caracterizando, de forma habitual e permanente, a exposição a agente químico nocivo (soda caústica).
Quanto à Usina Santa Luiza (2003–2007), considerando que a empresa já não existia, o perito utilizou parâmetros de práticas comuns (safra de abril a novembro e entressafra de dezembro a março), apurando:
a) Safra: exposição, de forma habitual e permanente, a ruído de 85,7 dB(A), acima do limite legal pós-2003;
b) Entressafra: exposição, de forma habitual e permanente, a álcalis cáusticos.
Dessa forma, a prova pretendida pelo INSS já se encontrava contemplada no laudo, seja por apuração direta (Açucareira Corona), seja por presunção técnica fundamentada (Usina Santa Luiza).
Ressalta-se que o INSS teve oportunidade de se manifestar sobre o laudo, mas não impugnou a metodologia adotada nem solicitou esclarecimentos complementares.
Portanto, não se vislumbra cerceamento de defesa, uma vez que a prova pretendida foi devidamente produzida e está contida no laudo judicial; não há demonstração de prejuízo concreto, e o contraditório foi plenamente assegurado, não podendo o INSS alegar prejuízo por oportunidade que não utilizou.
Preliminar rejeitada.
Da preliminar de ausência de interesse de agir
No que se refere à preliminar de ausência de interesse de agir, assiste razão ao INSS.
Com efeito, verifica-se do procedimento administrativo de concessão do benefício que a Autarquia já havia reconhecido como especiais, pelo código 1.1.6 (ruído), diversos períodos laborados pelo autor junto às usinas e açucareiras em que trabalhou. Segue o demonstrativo extraído dos documentos administrativos (Num. 85408624 - Págs. 24/29):
Períodos com enquadramento pelo item 1.1.6
Início | Fim | Empregador |
|---|---|---|
| 30/05/1977 | 25/11/1977 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 15/05/1978 | 27/10/1978 | Açucareira Coronel S/A |
| 16/05/1979 | 08/11/1979 | Açucareira Coronel S/A |
| 20/05/1980 | 13/10/1980 | Açucareira Coronel S/A |
| 12/05/1981 | 30/09/1981 | Açucareira Coronel S/A |
| 19/05/1982 | 17/10/1982 | Açucareira Coronel S/A |
| 06/05/1983 | 01/12/1983 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 16/05/1984 | 02/11/1984 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 03/06/1985 | 26/10/1985 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 04/06/1986 | 11/11/1986 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 18/05/1987 | 16/10/1987 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 16/05/1988 | 31/10/1988 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 10/05/1989 | 22/10/1989 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 16/05/1990 | 17/11/1990 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 13/05/1991 | 15/11/1991 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 08/05/1992 | 09/12/1992 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
| 12/05/1993 | 19/05/1993 | Usina da Barra S/A – Açúcar e Álcool |
Diante disso, falece ao autor o interesse de agir quanto ao reconhecimento da especialidade desses períodos, porquanto já computados como tempo especial pela própria Administração, impondo-se a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, restando provido, nesse ponto, o apelo interposto pelo INSS.
Do mérito da Apelação
O primeiro ponto de mérito a ser abordado é a alegação do INSS de ausência de prova da exposição habitual e permanente a ruído nos períodos de entressafra entre 1977 e 1993.
Os elementos para refutar esse argumento estão no próprio laudo pericial que fundamentou a sentença, pois, ao diferenciar as atividades de safra e entressafra na Açucareira Corona, no período de 1977 a 1993, o perito identificou que, mesmo na entressafra, o autor estava exposto, durante as atividades de desmontagem, solda, troca de tubos e limpeza com soda cáustica, de forma habitual e permanente, a agente químico nocivo. Ou seja, o reconhecimento da especialidade nos períodos de entressafra permanecerá, porém, não pelo enquadramento pelo agente ruído, e sim por exposição nociva ao agente químico indicado no laudo pericial, o que, aliás, não foi, de forma alguma, questionado pelo INSS em suas razões recursais.
Assim, ficam reconhecidos como especiais, por exposição do autor aos agentes químicos (soda cáustica), os seguintes períodos de entressafra:
|
|---|
Embora não seja questão trazida no bojo do apelo, e sabendo de antemão que certamente será assunto a ser levantado em eventual oposição de embargos de declaração, consigno, desde já, que a discussão sobre a eficácia do EPI para afastar a nocividade do ambiente de trabalho e, consequentemente, a especialidade do período tornou-se relevante somente a partir da publicação da Instrução Normativa INSS/PRES nº 99, de 3 de dezembro de 2003. Dessa forma, a mera constatação do agente nocivo por meio de laudo judicial se mostra suficiente para o reconhecimento do tempo especial, não se aplicando o Tema 1090/STJ, que consolida que, a partir de dezembro de 2003, o ônus da prova sobre a neutralização da nocividade pelo EPI recai sobre o segurado.
Cumpre elucidar que a tese da Autarquia, exposta em seu apelo, se restringe especificamente à ausência de exposição a ruído durante os períodos de entressafra de 1977 a 1993.
Com relação aos períodos de abril a novembro (safras) entre 2003 e 2007, a sentença reconheceu sua especialidade com base na exposição do autor, de forma habitual e permanente, a ruído acima dos limites legais, conforme apurado em laudo pericial judicial que constatou o nível de 85,7 dB(A).
A consequência jurídica é que, por não ter havido insurgência recursal do INSS quanto ao reconhecimento desses períodos, essa parte da sentença transitou em julgado. A decisão de primeira instância sobre este ponto não pode mais ser alterada.
Aponto ainda que é pacífico o entendimento de que a exigência de prévia fonte de custeio, prevista no art. 195, § 5º, da Constituição Federal, não se aplica às decisões judiciais que reconhecem o tempo de serviço especial. Nessas decisões, não há qualquer criação de um novo benefício ou serviço, mas sim a declaração e garantia de um direito já previsto em lei. Portanto, uma vez comprovada a exposição do segurado a agentes nocivos, conforme ocorreu no presente caso, o reconhecimento do tempo especial é um direito subjetivo que independe de prévia indicação de fonte de custeio.
Por fim, com relação à correção monetária, a indexação pela TR dos valores em atraso se encontra superada diante do reconhecimento de sua inconstitucionalidade no Tema 810/STF.
Assim, a atualização monetária deve observar o INPC, em conformidade com o Tema 905/STJ, adotando-se, no que couber, inclusive com relação ao cômputo dos juros de mora, as diretrizes fixadas no Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente por ocasião da liquidação do julgado.
Por fim, consigno que ficam expressamente prequestionados os arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/91, o art. 195, § 5º, e o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, bem como o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09, para fins de eventual interposição de recursos excepcionais, ainda que não expressamente mencionados.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo interposto pelo INSS para extinguir o processo, sem resolução de mérito, em relação aos períodos já reconhecidos pela Autarquia por ocasião da concessão do benefício, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC.
De ofício, determino, no que couber, que seja observado o Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente na liquidação do julgado.
No mais, mantenho a r. sentença em seus demais termos. Registre-se que, embora tenha havido extinção parcial do processo sem resolução de mérito, a Autarquia permanece sucumbente na maior parte da demanda, pois restou mantido o reconhecimento judicial da especialidade de períodos relevantes e a consequente revisão do benefício. Dessa forma, a verba honorária permanece devida pelo INSS, nos termos da Súmula 111 do STJ, devendo ser apurada em liquidação.
É o voto.
EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL POR EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS (RUÍDO E AGENTES QUÍMICOS – SODA CÁUSTICA). REVISÃO DE APOSENTADORIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. EXTINÇÃO PARCIAL DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO QUANTO A PERÍODOS JÁ RECONHECIDOS ADMINISTRATIVAMENTE. MANTIDA A REVISÃO DO BENEFÍCIO COM BASE EM PARÂMETROS AJUSTADOS.
I. Caso em exame
1.Apelação interposta pelo INSS contra sentença que reconheceu como especiais os períodos laborados pelo autor de 05/12/1977 a 30/04/1984, 01/05/1984 a 15/09/1993 e de abril a novembro (safras) entre 2003 e 2007, determinando a revisão da aposentadoria desde 01/01/2013, com pagamento das diferenças, correção monetária e juros de mora, e fixação de honorários advocatícios.
II. Questão em discussão
2. Há duas questões em discussão:
(i) saber se houve cerceamento de defesa pelo não atendimento de pedido de diligência relativo à apuração de períodos de safra e entressafra;
(ii) saber se é devida a exclusão dos períodos de entressafra entre 1977 e 1993 do cômputo especial por ausência de prova de exposição habitual e permanente a ruído;
(iii) correção monetária aplicável aos valores devidos e aplicação de índices;
(iv) extinção do processo quanto a períodos já reconhecidos administrativamente.
III. Razões de decidir
3. Da não ocorrência de cerceamento de defesa: a diligência requerida pelo INSS restou atendida pelo laudo pericial, que detalhou exposição em safra e entressafra, inclusive por presunção técnica nos períodos de empresa extinta (Usina Santa Luiza). O INSS teve oportunidade de impugnar, não o fez; não houve prejuízo concreto.
4. Da ausência de interesse de agir do autor quanto a períodos reconhecidos administrativamente: o INSS já havia reconhecido diversos períodos como especiais; impõe-se extinção parcial do processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, CPC).
5. Do mérito da apelação: a prova pericial comprovou exposição habitual e permanente do autor a agentes químicos (soda cáustica) durante a entressafra entre 1977 e 1993, mantendo-se o reconhecimento desses períodos como especiais, ainda que não por ruído. Períodos de 2003 a 2007 (safras) mantidos, pois não houve insurgência recursal.
6. Da correção monetária: atualização monetária pelo INPC, conforme Tema 905/STJ, afastando-se TR, em consonância com a jurisprudência atual.
7. Dos honorários: mantidos, nos termos da Súmula 111/STJ, apurados na fase de liquidação.
IV. Dispositivo e tese
8. Provida a apelação do INSS para extinguir o processo, sem resolução de mérito, quanto aos períodos já reconhecidos administrativamente, mantendo-se a sentença nos demais termos. De ofício, determinada a aplicação do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente na liquidação do julgado.
Teses de julgamento:
1. Não ocorre cerceamento de defesa quando a prova pretendida pelo recorrente já se encontra produzida nos autos e não há prejuízo concreto.
2. Falece interesse de agir quanto a períodos já reconhecidos administrativamente como especiais, impondo-se a extinção parcial do processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, CPC).
3. A exposição habitual e permanente a agentes químicos nocivos durante períodos de entressafra justifica o reconhecimento de tempo especial, independentemente da exposição a ruído.
Dispositivos relevantes: CF/1988, arts. 195, §5º; 201, §1º; Lei 8.213/91, arts. 57 e 58; CPC, art. 485, VI; Lei 9.494/97, art. 1º-F.
Jurisprudência relevante: STF, Tema 810, Tema 555; STJ, Tema 905.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
