
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033572-39.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ADEMILSON PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDINEIA APARECIDA ALVES NERY DE OLIVEIRA - SP205937-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: JOSE ALFREDO GEMENTE SANCHES - SP233283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: JUCINEIA ISABEL PEREIRA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: CLAUDINEIA APARECIDA ALVES NERY DE OLIVEIRA - SP205937-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033572-39.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ADEMILSON PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDINEIA APARECIDA ALVES NERY DE OLIVEIRA - SP205937-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: JOSE ALFREDO GEMENTE SANCHES - SP233283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: JUCINEIA ISABEL PEREIRA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: CLAUDINEIA APARECIDA ALVES NERY DE OLIVEIRA - SP205937-N
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando as decisões proferidas pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG, representativos de controvérsia, que assentaram o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, aplica-se, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso para fins de exclusão de benefício previdenciário percebido por idoso, no valor de um salário mínimo, do cálculo da renda per capita prevista no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, o qual, por sua vez, não deve ser tido como único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033572-39.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ADEMILSON PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDINEIA APARECIDA ALVES NERY DE OLIVEIRA - SP205937-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: JOSE ALFREDO GEMENTE SANCHES - SP233283-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: JUCINEIA ISABEL PEREIRA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: CLAUDINEIA APARECIDA ALVES NERY DE OLIVEIRA - SP205937-N
V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pelo Ministério Público Federal contra o acórdão ID 89937197 – pag. 203/205, que, por unanimidade, rejeitou seus embargos de declaração para manter a decisão que negou provimento à apelação da parte autora, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante o não preenchimento do requisito de hipossuficiência/miserabilidade.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
O acórdão ID 89937197 – pag. 174/181) negou provimento à apelação da parte autora conforme fundamento que segue:
“Tecidas tais considerações, no caso concreto estudo social elaborado em 16.05.2015 (fis. 75/100) revela que a parte autora reside com seus pais, em casa cedida por seu irmão, de alvenaria, com dois quartos, cozinha e banheiro. O irmão mora em imóvel construído no mesmo terreno. A renda do grupo familiar advém dos benefícios previdenciários de aposentadoria recebidos pelos pais do autor, no valor de um salário mínimo cada um, perfazendo um total de R$ 1.576,00. As despesas da casa somam R$ 1.209,00, tendo sido relatados gastos com alimentação (R$ 400,00), água e luz (R$ 323,08), gás (R$ 47,00) e empréstimos bancários (R$ 438,92). que pese a ausência de rendimentos da parte autora, verifica-se que está amparado pela família. Nota-se que as despesas da família, são inferiores à renda da casa, e não há notícia de que as necessidades básicas do requerente não estejam sendo supridas. Na realidade, depreende-se do relatório social que o benefício está sendo requerido tão somente para que o autor possa ter autonomia financeira a fim de não fique desamparado em caso do falecimento dos pais. O laudo social indica que os gastos da família estão sobre controle, não havendo qualquer indício de que o requerente esteja passando por privações em suas necessidades essências, muito pelo contrário, há relato de que a parte autora gostaria de adquirir vestimentas entre outras necessidades, para se arrumar bem para frequentar lugares como a igreja e CAPS. Nesse sentido, vale a pena ressaltar que o benefício assistencial não se presta à complementação de renda. Dessa forma, diante do conjunto probatório que se apresenta, verifico que não restou preenchido o requisito de miserabilidade necessário à concessão do benefício.”
Por sua vez, o estudo social (ID 89937197– pag. 72/102), elaborado em 77/102, revela que a parte autora vive com seus pais em imóvel cedido por um irmão. Trata-se de construção inacabada localizada nos fundos do terreno do irmão que conta com dois quartos, cozinha e banheiro. A genitora do autor informou que: “informou que o filho Julio parou com a construção do outro quarto na parte superior do imóvel por estar sem condições financeiras, assim que houver possibilidade irá continuar para que possa abrigar seus filhos menores devido o imóvel no. qual reside no mesmo quintal na frente ser pequeno para atender toda a família.” A casa está guarnecida com mobiliário e eletrodomésticos básicos em mal estado de conservação.
Sobre a renda familiar da casa, consta que os pais do autor recebem aposentadoria no valor de um salário mínimo cada (R$ 788,00).
Relata despesas no importe de R$ 1.209,00 mensais (água, energia elétrica, alimentação, gás e empréstimos).
A perita social emitiu parecer nos termos que seguem: “Análise técnica O grupo familiar é composto por três pessoas, a renda total da família é de R$1.576,00, dividido pelo número de membros, arrenda per capita é de R$ 525,33, portanto ultrapassa 1/4 do salário mínimo exigido nos critérios para a concessão do Benefício de Prestação Continuada. Diante do exposto, o autor tem 26 anos, sem escolaridade por motivos relatados que não consegue acompanhar os estudos devido não conseguir assimilar conhecimentos, faz tratamento psicológico no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Droga - Unidade Caps Chapinha, participando de eventos, projetos que o faz se sentir bem por estar inserido em meio à sociedade. O autor nunca exerceu atividade laboral, pois relatou não ter inteligência e capacidade para tal, o mesmo relatou que quando fica sem usar os medicamentos necessários sente - se mal, depressivo, sem vontade de se comunicar com as pessoas. Os pais do autor relataram que gostariam que o autor recebesse o Benefício de Prestação Continuada, para que o mesmo tivesse autonomia e independência financeira para adquirir vestimentas entre outras necessidades, devido o autor querer se arrumar bem para frequentar os lugares como igreja, CAPS e, os genitores não conseguirem proporcionar as vontades do filho, mostraram a preocupação ao chegar o falecimento deles sendo que o autor poderá ficar desamparado financeiramente não tendo terceiros que queiram cuidar do autor pelo problemas de saúde que o mesmo possui. Observou se que os gastos da família apresentam controlados, entretanto esses gastos são necessários para a sobrevivência. O autor aparentemente mostra interesse em exercer atividade laboral, mas conforme informação não se sente capaz para estudar e conseguir uma oportunidade no mercado de trabalho, diante do exposto julgue se o necessário.”
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade ou impossibilidade do sustento. Nesse sentido, consta que a parte autora e sua família encontram-se abrigados em imóvel cedido pelo irmão e contam com rendimento formal, o que, a princípio afasta a vulnerabilidade econômica. Consta ainda que o autor tem acesso à tratamento médico e retira medicamentos na rede pública de saúde.
O laudo social não reporta a existência de miserabilidade, pelo contrário, informa que os gastos estão controlados.
Observo que a mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou impossibilidade do sustento, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão que rejeitou os embargos de declaração do Ministério Público Federal, mantendo assim o acórdão que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033572-39.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ADEMILSON PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDINEIA APARECIDA ALVES NERY DE OLIVEIRA - SP205937-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: JOSE ALFREDO GEMENTE SANCHES - SP233283-N
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. Resp 1.112.557/MG. REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Trata-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015. REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG.
2. Aplicação, por analogia, do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. RESP 1.355.052/SP.
3. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. REsp 1.112.557/MG.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família. Não comprovada a existência de miserabilidade. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
5. Juízo de retratação negativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, em juízo de retratação negativo, manter o v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração do Ministério Público Federal mantendo o acórdão que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
