
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6215255-96.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANDREIA APARECIDA DOS SANTOS SILVA LACERDA
Advogado do(a) APELANTE: EDNESIO GERALDO DE PAULA SILVA - SP102743-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6215255-96.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANDREIA APARECIDA DOS SANTOS SILVA LACERDA
Advogado do(a) APELANTE: EDNESIO GERALDO DE PAULA SILVA - SP102743-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 08.10.2019, julgou improcedente o pedido inicial conforme dispositivo que ora transcrevo: “Posto isso, julgo improcedente o pedido inicial, nos termos do artigo 487, I, do NCPC, ficando a autora condenada ao pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), ficando a exigibilidade suspensa para a autora por ser beneficiária da gratuidade judiciária. Ao trânsito, arquive-se.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pela realização de perícia médica complementar.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6215255-96.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANDREIA APARECIDA DOS SANTOS SILVA LACERDA
Advogado do(a) APELANTE: EDNESIO GERALDO DE PAULA SILVA - SP102743-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos, observa-se que a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo médico pericial, tendo se convencido não restar configurada a existência de deficiência necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Conquanto comprovada a miserabilidade da autora, o fato é que a conclusão do laudo pericial lhe é desfavorável, dada a constatação da cessação da incapacidade estimada para 01 ano (fls.86 - quesitos 15 e 16), não se podendo olvidar que não restou satisfeito o requisito etário, considerando o fato de a demandante contar com 40 anos de idade. Não fora isso, restou comprovado que a residência conta com 02 veículos, a residência é cedida pela genitora, havendo fundada dúvida a respeito da caracterização do estado de miserabilidade que a lei quis atingir.”
Da Deficiência/impedimento de longo prazo. Requisito preenchido.
O laudo médico pericial, elaborado em 13.06.2019 (ID 107890289), revela que a parte autora, com 40 anos de idade no momento da perícia, é portadora de neoplasia em mama direita em tratamento oncológico. Informa a existência de incapacidade laboral total e temporária, fixado a data de início da incapacidade em 08/2018. Estima prazo para recuperação de um ano.
Nota-se que a incapacidade apontada compreende aproximadamente dois anos (08/2018 a 06/2020), e assim, conclui-se que a parte autora está acometida de patologias que resultam em incapacidade de longo prazo que constitui impedimento para o desenvolvimento de atividades que lhe garantam o sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
Miserabilidade. Requisito não preenchido.
O laudo social (ID 108890290), elaborado em 18.07.2019, revela que o autor vive com seu marido e uma filha menor de idade em imóvel cedido por sua mãe, com dois quartos, sala, copa, cozinha, banheiro, garagem e área de serviço em boas condições. Consta ainda que: “No momento da visita havia na garagem uma moto (financiada) e um carro da família do esposo, sendo do irmão do Vitor (Daniel).”
Sobre a renda familiar, a parte autora informa que nunca trabalhou, e que seu marido exerce atividade informal de pedreiro auferindo cerca de R$ 600,00/mês. Recebe R$ 130,00 do programa social Bolsa Família.
Relata despesas com água (R$ 50,00), energia (R$ 150,00), gás (R$ 75,00), internet (R$ 65,00) e alimentação (R$ 400,00).
O relatório social indica ainda que a parte autora mantem contato com a sua mãe e irmãos, que a auxiliam quando necessário.
Da leitura do laudo social verifica-se que o quadro apresentado não configura estado de miserabilidade. Nesse sentido, apura-se que a parte autora vive em imóvel em bom estado cedido pela mãe e conta com o apoio do marido e de familiares. Consta ainda que a família possui moto e tem acesso à internet. Também não há notícia de que a parte autora não esteja recebendo tratamento médico adequado.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Não comprovada a condição de miserabilidade da parte autora, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6215255-96.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANDREIA APARECIDA DOS SANTOS SILVA LACERDA
Advogado do(a) APELANTE: EDNESIO GERALDO DE PAULA SILVA - SP102743-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. REQUISITO PREENCHIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Laudo médico pericial informa a existência de incapacidade laboral total e temporária que constitui impedimento de longo prazo (superior a dois anos), no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família. Quadro apresentado não corrobora a existência de miserabilidade. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
