
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012287-24.2015.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANTONIO NEGRI
Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CAIO DANTE NARDI - SP319719-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012287-24.2015.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANTONIO NEGRI
Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CAIO DANTE NARDI - SP319719-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando as decisões proferidas pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG, representativos de controvérsia, que assentaram o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, aplica-se, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso para fins de exclusão de benefício previdenciário percebido por idoso, no valor de um salário mínimo, do cálculo da renda per capita prevista no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, o qual, por sua vez, não deve ser tido como único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012287-24.2015.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANTONIO NEGRI
Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CAIO DANTE NARDI - SP319719-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
O CASO DOS AUTOS.
Insta consignar que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pelo Ministério Público Federal contra o v. acórdão ID 89915890 – pag. 134/138, que, por unanimidade, rejeitou seus embargos de declaração para manter a decisão que negou provimento à apelação da parte autora, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante o não preenchimento do requisito de hipossuficiência/miserabilidade.
Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade.
A decisão monocrática (ID 89915890 – pag. 103/105) negou provimento à apelação da parte autora conforme fundamento que segue:
“Pois bem, tecidas tais considerações, in casu, o estudo social de fis. 45/47 revela que a parte autora reside com sua irmã e uma sobrinha, em imóvel próprio, de alvenaria, com cinco cômodos, em bom estado de conservação, com móveis e utensílios suficientes. A renda da família provém do benefício previdenciário de pensão por morte recebido pela irmã do autor no importe de R$ 740,00, somado ao valor de R$ 250,00, recebido pela sobrinha do requerente, pelo trabalho esporádico como faxineira, totalizando uma renda mensal de R$ 90,00. As despesas informadas somam R$ 650,00. As provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993. De fato, verifica-se o autor está amparado pela família e mesmo não auferindo rendimentos não se encontra em estado de miserabilidade, uma vez que as suas necessidades básicas estão supridas. Nesse sentido, importante ressaltar que o benefício assistencial não deve se prestar à complementação de renda. Desta forma, diante do conjunto probatório que se apresenta nos presentes autos, não restaram preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício assistencial pleiteado. Finalmente, insta salientar que com base em fatos ou direito novo, bem como tendo transcorrido tempo hábil para a modificação do status quo ante, poderá a parte autora ingressar com nova ação desde que preenchidos os requisitos legais para a obtenção do benefício em tela.”
Por sua vez, o estudo social (ID 89915890 – pag. 58/60), elaborado em 26.06.2014, revela que a parte autora vive com sua irmã (79 anos) e uma sobrinha (46 anos) em imóvel próprio, de alvenaria, coberta com telhas de cerâmica, com três quartos, sala, cozinha e banheiro. A mobília é humilde/escassa e encontra-se em bom estado de conservação.
Sobre a renda da casa, consta que a irmã do autor recebe pensão por morte no valor de R$ 740,00, valor pouco superior ao salário mínimo vigente à época (R$ 724,00), e que a sobrinha exerce atividade laboral informal de faxineira, auferindo cerca de R$ 250,00.
Relata despesas no importe de R$ 650,00 mensais (água, energia elétrica e alimentação).
A perita social emitiu parecer nos termos que seguem: “6 - Parecer Social: Diante das informações colhidas através de visita/entrevista verificamos que o requerente apresenta idade avançada e problemas de saúde que o dificultam de exercer atividades laborativas remuneradas que poderiam subsidiar-lhe suas próprias necessidades básicas primordiais e imprescindíveis para que ele tenha um padrão de vida digno, todavia, não é pessoa dependente físico/psicológico, pois, efetua suas necessidades fisiológicas, higiene pessoal e locomove-se sem a necessidade de auxilio alheio, é pessoa apto para atos da vida civil, é orientado no tempo/espaço e situação a apresenta aspecto físico/mental saudável e perfeito. Ressaltamos que a renda per capta da família é de aproximadamente R$ 330,00 por pessoa, ou seja, superior a 1/4 do salário mimo vigente.”
É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a parte autora e sua família encontram-se abrigados em imóvel próprio e contam com rendimento formal, o que, a princípio afasta a vulnerabilidade econômica.
O laudo social não reporta a existência de miserabilidade, bem como não evidencia o não suprimento das necessidades básicas do autor.
Observo que a mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família.
Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão ID 89915890 – pag. 134/138 que rejeitou os embargos de declaração da Ministério Público Federal, mantendo assim a decisão que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012287-24.2015.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANTONIO NEGRI
Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CAIO DANTE NARDI - SP319719-N
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. Resp 1.112.557/MG. REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Trata-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015. REsp 1.355.052/SP e 1.112.557/MG.
2. Aplicação, por analogia, do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. RESP 1.355.052/SP.
3. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RESP 1.112.557/MG.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família. Não comprovada a existência de miserabilidade. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
5. Juízo de retratação negativo para manter o acórdão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, em juízo de retratação negativo, manter o acórdão que rejeitou os embargos de declaração do Ministério Público Federal, mantendo a decisão que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
